domingo, 21 de novembro de 2010

THE BAND: The Weight


Os Band

Escrita pelo guitarrista Robbie Robertson, um canadiano incondicionalmente rendido à “Americana”,  provavelmente, pelas suas muitas digressões pelo sul dos EUA, desde os tempos dos The Hawk (o grupo de suporte a Ronnie Hawkins), ou pelas histórias que ouvia a Levon Helm, o baterista e principal vocalista do grupo, natural dum estado situado no “deep South”, o Arkansas, é, quanto a mim, uma versão musical concentrada do On The Road, de Jack Kerouac, com as suas personagens “exóticas” de vagabundos, velhos tresloucados, e mulheres de comportamento estranho, sob um som, ao mesmo tempo, eclético mas seguramente ligado às raízes.

«Quando escrevi ‘The Weight’, a primeira canção
para ‘Music From Big Pink’, ela tinha uma espécie
de mitologia americana que eu estava a reinventar
usando a minha ligação à linguagem universal.  A
Nazaré em ‘The Weight’ era a Nazaré, Pensilvâni-
a. Era um pouco improvisado – ‘I pulled into Na-
zareth’. Bem, não sei se a Nazaré daonde veio Je-
sus era o tipo de lugar a que vais, mas sei que vais
a Nazaré, Pensilvânia! Experimento com a mitolo-
gia norte-americana. Não quero dizer pegar em
coisas sagradas, preciosas, e transformá-las em
humor.» – Robbie Robertson(1)

Os Band na Big Pink

«Tínhamos duas ou três músicas, ou pedaços de
músicas, e The Weight era uma que eu gostaria de
ter trabalhado. Robbie tinha essa coisa de descer
até Nazaré, Pensilvânia, aonde está a fábrica das
guitarras Martin. A canção estava cheia dos nos-
sos personagens favoritos. ‘Lucas’ era Jimmy Ray
Paulman. ‘Young Anna Lee’ era a Anna Lee Wil-
liams, de Turkey Scratch. ‘Crazy Chester’ era um
tipo que todos nós conhecíamos de Fayetteville
que, aos sábados, vinha até à cidade, com um con-
junto completo de armas nos quadris e, era tipo,
andava pela cidade para ajudar a manter a paz, se
me entendes!?! Ele era como o Hopalong Cassidy,
e um amigo dos Hawks. Ronnie consultava sempre
o Crazy Chester para se certificar de que não ha-
via qualquer problema na cidade. E o Chester as-
segurava-lhe que tudo estava calmo e para não se
preocupar, porque ele tinha tudo sob controlo. Ele
usava dois grandes revólveres, mais uma peruca!
Havia também ‘Carmen and the Devil’, ‘Miss Moi-
ses’ e ‘Fanny’, um nome que apenas parecia encai-
xar num filme (acredito que ela se parecia muito
com a Caladonia.). Nós gravámos a canção talvez
umas quatro vezes. Não tínhamos a certeza de que
ia entrar no álbum, mas as pessoas realmente gos-
taram. Rick, Richard, e eu gostávamos de trocar os
versos entre nós, e todos nós cantávamos o refrão:
Put the load right on me!» – Levon Helm(2)

Lançada quatro dias antes do seu primeiro álbum, Music From Big Pink, ser publicado, a música viria a tornar-se numa apetitosa entrada para o banquete que se lhe seguiria, sendo uma das estreias mais aguardadas, claro, pela notoriedade já alcançada pelo grupo através da sua ligação a Dylan.  Robertson e Helm, por sugestão do cantor de blues John Hammond, tinham sido contratados por Bob Dylan para fazerem parte da banda para a sua digressão “eléctrica”, em 1965; aos poucos, os restantes membros do grupo – Richard Manuel, Garth Hudson e Rick Danko, todos canadianos – juntar-se-lhes-iam.  Após um grave acidente de moto, em Julho de 1966, Dylan retira-se para a sua nova casa em Woodstock daonde viria a convidar o grupo a juntar-se a ele, tendo então alugado um casarão (o Big Pink), em West Saugerties – perto de Woodstock, e é lá que nas horas livres da sua colaboração com Dylan (que deu origem ao álbum The Basement Tapes, que só viria a ser publicado em Junho de 1975), irão dar corpo ao seu primeiro trabalho de longa duração. Nasciam assim os The Band que, como é evidente, foram buscar o nome à sua ligação ao então “profeta” Dylan.

Os Band em frente da Big Pink

Multi-instrumentistas rodados em anos de digressões e de actuações em bares e clubes, individualmente dominavam um vasto leque de correntes musicais que ia da chamada música erudita ao cajun da Lousiana, passando – naturalmente – pelo rockabilly; colectivamente, devido à sua idade (o mais novo, Robertson, já tinha 25 anos, enquanto o mais velho, Hudson, ultrapassava já os 30) situavam-se naturalmente acima dos habituais cânones adolescentes das bandas que se estreavam, o que contribuía para uma assumida maturidade patente em Music From Big Pink.

Gravada em Janeiro de 1968, em duas sessões nos estúdios da A&R, em Nova Iorque, tendo como produtor John Simon que, previamente tinha sido obrigado a ir ouvi-los no seu ambiente “natural” em Woodstock, viria a ser editada em single para distribuição às principais estações radiofónicas, e ainda sob o nome dos elementos da banda, em Junho desse ano.  Quando posto à venda ao público, atingiria o #63 nas tabelas dos EUA e, o #21 em Inglaterra.

Comummente aceite como um country-rock, The Weigth tem tido contudo, na minha opinião, melhores interpretações quando adaptadas por artistas da área da música gospel/soul (Aretha Franklin, as Supremes c/os Temptations, mas em especial, os Staplers Singers), quiçá porque encontrem na letra um sentido bíblico-metafórico próprio daqueles géneros musicais – «Ao escrever "The Weight" eu tinha sido influenciado por Buñuel, em especial por Nazarín. Parecia que por muito que tentasse ser correcto, alguma coisa me puxava na outra direcção (...) A coisa mais importante era a conotação religiosa da canção. (…) Para mim era uma combinação entre Catolicismo e música gospel.» – Robbie Robertson(3).

As muitas análises da sua letra, feitas por críticos musicais e fãs, conseguem “situá-la” nas mais diferentes situações, como no caso de Jay Cocks, na revista Time, num imagético encontro entre «um personagem do Velho Testamento face a face com um músico rock de 1970.»(4) Um outro, algures na NET e por certo influenciado pelas cenas iniciais do filme Easy Rider, do qual a canção faz parte da banda sonora mas tocada por um outro grupo, e por determinadas palavras que no calão da contracultura, se encontravam conotadas com droga (weight, fix, etc), descobre uma transacção de drogas mal sucedida.

A capa da Time de 12 de Janeiro de 1970

O grupo:
Nas vozes principais, o baterista Levon Helm e o baixista Rick Danko. Robbie Robertson encarrega-se da guitarra acústica e Richard Manuel do órgão Hammond e do coro, enquanto Garth Hudson se senta diante do piano.

Os Band


The Weight

(No fim desta mensagem pode
  ouvir a música na versão dos
  Band e dos Staples Singers).

I pulled into Nazareth
I was feelin' about half past dead
I just need some place
Where I can lay my head
“Hey, mister, can you tell me
Where a man might find a bed?”
He just grinned and shook my hand
And “No!”, was all he said

Refrão:
Take a load off Fannie,
Take a load for free;
Take a load off Fannie,
And (and… and…) you can put the load right on me.

I picked up my bag
I went lookin' for a place to hide
When I saw
Carmen and the Devil walkin' side by side
I said, “Hey, Carmen,
Come on, let's go downtown”
She said
“I gotta go, but m'friend can stick around”

(Refrão)

Go down, Miss Moses
There's nothin' you can say
It's just ol' Luke
And Luke's waitin' on the Judgement Day
“Well, Luke, my friend
What about young Anna Lee?”
He said, “Do me a favor, son
Woncha stay an' keep Anna Lee company?”

(Refrão)

Crazy Chester followed me
And he caught me in the fog
He said, “I will fix your rags
If you'll take Jack, my dog”
I said, “Wait a minute, Chester
You know I'm a peaceful man”
He said, “That's okay, boy
Won't you feed him when you can”

(Refrão)

Catch a Cannonball,
Now, it take me down the line
My bag is sinkin' low
And I do believe it's time
To get back to Miss Annie
You know she's the only one
Who sent me here
With her regards for everyone

(Chorus)

____________________

(1) Vox, October 1991;
(2) HELM, Levon, e DAVIS, Stephen. “This Wheel’s On Fire: Levon Helm And The Story Of The Band”. 2000. p.167;
(3) KELLEY, Mary Pat. “Martin Scorsese: A Journey”. 1992, 1997. p.115;
(4) COCKS, Jay. “Down to Old Dixie and Back”. Time, Vol. 95 No. 2, January 12, 1970;


quarta-feira, 10 de novembro de 2010

BOB DYLAN: Like A Rolling Stone


Dylan durante a gravação

Ao fim de dois dias de gravação, a 16 de Junho de 1965, sob a direcção do produtor vindo da área do jazz, Tom Wilson, a gravação de Like A Rolling Stone é dada por concluída – no estúdio A da Columbia Records, em Nova Iorque, para além de Dylan e Wilson, encontravam-se Mike Bloomfield na guitarra, Joe Macho Jr. no baixo, Bruce Langhorne na pandeireta, Al Kooper (por mero acaso do destino) no órgão, Paul Griffin no piano e Bobby Gregg na bateria.

Dylan e Tom Wilson

Quatro dias depois, contrariando a vontade da Columbia Records, a canção é editada em single, estendendo-se por ambos os lados do mini-disco devido à sua extensão “anormal” para o formato: 6:09 minutos!  Durante doze semanas ela manter-se-á na tabela da música pop da Billboard, sendo apenas travada pelos Beatles que ocupavam o primeiro lugar com Help.  Pouco tempo depois e por pressão dos ouvintes sobre os DJs das rádios, a Columbia Records é obrigada a fazer uma prensagem extraordinária em que a música aparece inteira num dos lados do disco – no lado B, surge Gates of Eden.

Na lista das “500 Greatest Songs of All Time”, elaborada pela revista Rolling Stone, Like A Rolling Stone, é eleita a melhor delas todas, merecendo o seguinte comentário:
«Nenhuma outra canção pop contestou e trans-
formou tão profundamente as leis comerciais e
as convenções artísticas do seu tempo, para to-
do o sempre.»(1)

Para Dylan, a passagem da folk ao rock, acentuada definitivamente através deste tema, virá a criar-lhe alguns “inimigos” – os “puristas” que a 25 de Julho o aguardavam no Newport Folk Festival presentearam-no com assobios e apupos

Dylan no Newport Folk Festival

e em Manchester, a 17 de Maio de 1966, no concerto dado no Free Trade Hall, alguém chegará a chamá-lo de “judas”!

Cartaz da digressão britânica de 1966

Partindo da simplicidade na escolha de palavras para descrever o universo privilegiado da “protagonista”, recurso típico na música folk, Dylan avança galopante na criação de um outro mundo, complexo e adulto, definitivamente surreal, aonde as palavras do poema podem ter uma outra leitura e o refrão, mesmo que esteja sempre colocado na sequência dessas (outras) palavras sobre a (ou dirigidas à) “protagonista”, não pode deixar de ser interpretado como autobiográfico ou, numa outra perspectiva, com o que ele representa, ao mesmo tempo, sobre e para uma geração:
How does it feel
How does it feel
To be without a home
Like a complete unknown
Like a rolling stone?

Os baby boomers do primeiro período começavam a fazer sentir a sua presença em cada esquina da “America” mas a simples existência agradecida pela riqueza nunca antes vista por outra geração, num subúrbio em casas desenhadas à medida das ilusões das mães que substituíram os pais dispersos pelas várias frentes de combate e que regressaram como heróis domesticados, não lhes era suficiente.  Sim, havia essas juke-boxes privadas que eram os gira-discos portáteis, os carros transformados em quartos nos drive-ins mas também, o perigo vermelho com o formato, ao mesmo tempo, excitante e aterrador do cogumelo nuclear da vitória sobre os “japs e os negros a quererem um pedaço da “America para além dos bairros degradados abandonados pelos brancos, mas todos unidos por essa nova quimera que era o sonho liberal:  John Kennedy tinha sido eleito na esperança de personificar esse sonho mas Malcolm X insistia em atirar em todas as frentes, avisando a nação branca e os uncle toms de que os negros não se iriam contentar com as migalhas, e ali bem perto, os barbudos de Cuba recusavam-se a acatar uma evidência tão simples como a da força do seu vizinho todo poderoso; e o empenhamento voluntário da juventude nas diferentes formas de manifestação pró-direitos civis arranjava uma nova frente quando o governo do seu país resolveu enviar tropas de combate para o Vietname, mas para além dessas razões evidentes e factuais havia algo mais a corroer as suas almas, a criar-lhes uma constante inquietação, uma angústia indecifrável... e é sobre ela que Like A Rolling Stone é feita.

Em entrevista ao jornalista Jules Siegel, Dylan explica-se:
«Era de umas dez páginas.  Não lhe chamei de
nada, apenas uma coisa rítmica no papel – tudo
sobre o meu firme ódio dirigido numa determi-
nada altura em que me sentia honesto.  No fim
de contas não era ódio (...).  Eu nunca a tinha
pensado como uma canção, até que um dia es-
tava ao piano, e no papel estava a cantar “How
does it feel?” num movimento lento... era como
estares a ver a tua vítima a nadar em lava (...).
Eu escrevi-a e não falhei. Era directa.»(2)

Quando Like A Rolling Stone começou circular, vários “especialistas” em Dylan, engalfinharam-se numa polémica sobre quem seria a “protagonista”: de um lado, os que apontavam para Joan Baez, a já “rainha” da música folk quando Dylan começou a andar com ela, em Maio de 1963

Joan Baez

, e do outro, os que garantiam antes ser – contra todas as evidências na altura! – Edie Sedgwick, uma “enfant terrible” de boas famílias, que conheceu Bob num bar de Nova Iorque, em Dezembro de 1964, enquanto este se encontrava com aquela que a partir de Novembro de 1965 viria a ser a sua mulher, Sara Lownds.

Edie Sedgwick

A relação entre Bob e Baez viria a terminar em Maio de 1965 depois de ela o ter apanhado a dormir num quarto de hotel, em Londres, com Sara. 

Joan Baez

Quanto a Edie, desde Maio de 1965, passará a frequentar o universo ambíguo e perverso de Andy Warhol situado na famosa The Factory.  Em Novembro de 1966 virá a saber, por uma intriga de alguém ligado a Andy, que Bob tinha casado com Sara há já algum tempo.  Morre a 16 de Novembro de 1971 enquanto dormia, vítima de uma mistura de barbitúricos e álcool, ao lado do seu marido, Michael Post, que conhecera numa clínica de reabilitação...

Edie e Andy Warhol

Andy através de Pat Hackett conta este episódio:
«Eu até lhe dei [a Dylan] uma das minhas
pinturas de Elvis em prata, no tempo em que
ele andava por perto. Mais tarde, porém, fi-
quei paranóico quando ouvi rumores de que
tinha usado o Elvis como alvo para dardos.
Quando perguntava “Por que é que ele fez
isso?” invariavelmente obtinha boatos como
resposta, algo do género “Ouvi dizer que ele
pensa que destruíste a Edie” ou “Ouve ‘Like
a Rolling Stone’ - acho que és o ‘diplomat on
the chrome horse’. “ Eu não sabia exactamen-
te o que queriam dizer com aquilo - nunca fui
muito de ouvir as letras das canções - mas ca-
ptei o que as pessoas iam dizendo - que Dylan
não gostava de mim, que ele me culpava por
Edie tomar drogas. O que é que alguém possa
ter pensado, a verdade é que eu nunca dei uma
única droga à Edie, nunca.»(3)

Em 1965, quando “Like a Rolling Stone” é
lançada, Dylan tornar-se-á oficialmente o jo-
vem revoltado da contracultura – o primeiro
punk, se não o primeiro rebelde, com uma
causa que não é exactamente conhecida.» –
Barbara O’Dair(4)

«Quando se ouvia “Rolling Stone” na altura,
era como se fosse um cataclismo, como se
tivesse sido levado até à beira do abismo, a-
tirado para alguma guilhotina de experiên-
cias. [Dylan] mordia as palavras, cuspia ve-
neno, espalhava uma emoção virulenta, in-
fectando o ouvinte.» – Anthony Scaduto(5)

«Podem ouvir “Like a Rolling Stone” como
um blues berrado pela própria experiência
brutal do cantor. Ou podem ouvi-lo como u-
ma sátira social cortante, um clássico bota a-
baixo sobre uma rapariga oca que não parti-
lha da superior visão sobre a condição huma-
na do poeta. Eu ouço “Like a Rolling Stone”
como um puro e profundo blues: a confissão
de Dylan de que ele está tão perdido como o
resto de nós.» – Craig Werner(6)

Músicos:
  Bob Dylan – voz, guitarra e harmónica
  Mike Bloomfield – guitarra
  Joe Macho Jr. – baixo
  Bobby Gregg – bateria
  Bruce Langhorne – pandeireta
  Al Kooper – órgão
  Paul Griffin – piano

Like A Rolling Stone
   a música pode ser ouvida
    no final desta mensagem,

Once upon a time you dressed so fine
You threw the bums a dime in your prime, didn’t you?
People’d call, say, “Beware doll, you’re bound to fall”
You thought they were all kiddin’ you
You used to laugh about
Everybody that was hangin’ out
Now you don’t talk so loud
Now you don’t seem so proud
About having to be scrounging for your next meal

      How does it feel
      How does it feel
      To be on your own
      With no direction home
      Like a complete unknown
      Like a rolling stone?

You’ve gone to the finest school all right, Miss Lonely
But you know you only used to get juiced in it
And nobody has ever taught you how to live on the street
And now you find out you’re gonna have to get used to it
You said you’d never compromise
With the mystery tramp, but now you realize
He’s not selling any alibis
As you stare into the vacuum of his eyes
And ask him do you want to make a deal?

      How does it feel
      How does it feel
      To be on your own
      With no direction home
      Like a complete unknown
      Like a rolling stone?

You never turned around to see the frowns on the jugglers and the clowns
When they all come down and did tricks for you
You never understood that it ain’t no good
You shouldn’t let other people get your kicks for you
You used to ride on the chrome horse with your diplomat
Who carried on his shoulder a Siamese cat
Ain’t it hard when you discover that
He really wasn’t where it’s at
After he took from you everything he could steal

      How does it feel
      How does it feel
      To be on your own
      With no direction home
      Like a complete unknown
      Like a rolling stone?

Princess on the steeple and all the pretty people
They’re drinkin’, thinkin’ that they got it made
Exchanging all kinds of precious gifts and things
But you’d better lift your diamond ring, you’d better pawn it babe
You used to be so amused
At Napoleon in rags and the language that he used
Go to him now, he calls you, you can’t refuse
When you got nothing, you got nothing to lose
You’re invisible now, you got no secrets to conceal

      How does it feel
      How does it feel
      To be on your own
      With no direction home
      Like a complete unknown
      Like a rolling stone?

_______________________________

(1) “500 Greatest Songs of All Time”. Rolling Stone Nr. 963, December 9, 2004. p.66;
(2) SIEGEL, Jules. “Well, What Have We Here?” Saturday Evening Post, July 30, 1966; citado em HEYLIN, Clinton. “Revolution In The Air. The Songs of Bob Dylan 1957–1973”. 2009. p.239;
(3) HACKETT, Pat. “POPism: The Warhol Sixties”. 2006. p.108;
(4) O’DAIR, Barbara. “Bob Dylan And Gender Politics The Cambridge Companion To Bob Dylan”. Edited by Kevin J.H. Dettmar. 2009. p.84;
(5) SCADUTO, Anthony. “Bob Dylan: A Biography”. 2001. p.245;
(6) WERNER, Craig. “A Change Is Gonna Come. Music, race and the soul of America”, p.80;

sábado, 6 de novembro de 2010

Marvin Gaye ~ O Curandeiro Sexual (Parte IV)

I WANT YOU, SEXUAL HEALING

Em 1977 consegue finalmente chegar a um acordo com Anna sobre as condições para o divórcio, e um ano depois, em Novembro, declara-se falido – em tribunal acabará por comprometer-se a saldar as suas dívidas fiscais através de uma prolongada digressão que o levará à Inglaterra e ao Japão.  No regresso, actua no Hawai e por lá se deixa ficar, vivendo numa carrinha e levando uma existência de completa dependência da cocaína.

«“Eu estava basicamente a viver na praia,” relembra
Marvin. “(...) Eu precisava de estar longe do mundo
para recuperar as minhas forças. Isso foi apenas uma
fuga tão boa como outra qualquer.” (...) “A rotina de
Marvin por lá,”, recorda Ken, “foi realmente algo.
Depois de se levantar pela manhã, ele tomava uma
boa dose do pior whisky, então fumava um charro bem
grosso, e em seguida, cheirava um pouco de coca. E
era assim que ele apenas começava o dia.”» – David
Ritz(11 pp.265/266)

Completamente sozinho – Janis separara-se dele em meados de 1979 depois de uma tentativa de o trazer de volta ao continente que acabaria por terminar com ele a apontar-lhe uma faca ao coração – e perseguido pelas autoridades por causa do não pagamento das suas obrigações fiscais, tenta suicidar-se mas não o consegue.  Num último esforço para dar um novo rumo à sua vida, muda-se para a Europa.  Primeiro Londres, mas rapidamente regressa aos velhos hábitos.  A situação deteriora-se com o divórcio de Janis, em Fevereiro de 1981, e é então que um amigo, Freddy Cousaert, lhe oferece uma estadia em Ostend, uma pequena cidade costeira belga, aonde acabará por levar uma existência pacata e saudável, recuperando assim o seu ego ferido.

«(…) ele encontrou consolo no ar salgado do mar e
trabalhou para regressar à sua boa forma, correndo
ao longo da praia e praticando boxe numa academia
local. Ele começou a trabalhar num álbum de regres-
so, num estúdio próximo, que se tornaria num suces-
so internacional e, o mais importante, ele parou com
o uso de drogas.» – Gregory Katz(16 p.2)

«Vim para a Bélgica não para me retirar mas para
reagrupar as minhas armas para um novo assalto.»
Marvin Gaye(4 p.23)

Em 1982 deixa a Motown e assina com a Columbia Records.  Pouco depois inicia uma digressão por Inglaterra e, na sequência dela, uma pelos EUA, e é o regresso à cocaína e à loucura.

«A digressão terminou em Agosto de 1983. Em No-
vembro, Marvin mudou-se para a casa dos pais (...).
Tentou também resistir à sua dependência de drogas.
“Ele viu o que aquilo lhe fizera, como ele ficou pa-
ranóico”, disse Banks. “A sua mãe e todos os outros
– e até mesmo ele – se assustaram com todos os tra-
ficantes de drogas em meados de Novembro.» – Ben
Fong-Torres(5 p.16)

Marvin na época

O regresso a casa irá ser-lhe fatal – o estilo de vida que levava, colidia com os princípios do seu pai que se continuava a reger pelo mais básico fundamentalismo religioso e moral...

«Marvin não tinha vivido na mesma casa com o pai
durante um quarto de século. Além da herança de in-
fância e os conflitos sobre o uso de drogas, sexo e
pornografia, (...) outras questões agudizavam o rela-
cionamento tenso entre eles. (...) Apesar dos homens
conseguirem evitar-se um ao outro, maior parte do
tempo, a tensão física era palpável – tanto que Mar-
vin Sr. disse à sua filha Jeanne, “Se ele me toca, ma-
to-o.”» – David Krajicek(15 p.21)

Um dia antes do seu quadragésimo quinto aniversário, a 1 de Abril de 1984, Marvin Gaye, Jr. é morto à queima roupa por Marvin Gay, Sr.

«“Eu sabia quando ouvi, que era a vontade de Deus.
Eu pensei sobre isso, que estranha e ironicamente, a
própria pessoa que o ajudou a vir a este mundo...  Deus
teve essa mesma pessoa para o tirar deste mundo. Há
provavelmente alguma coisa nisso.”» – Anna Gordy
(5 p.16)

Depois de Let’s Get It On, Marvin virá a publicar mais quatro álbuns de originais: I Want You (1976), Here, My Dear (1978), In Our Lifetime (1981) e Midnight Love (1982); todos eles fortemente influenciados pela música funk que, na altura, se aproximava indistinguível do seu parente rítmico mais pobre, o disco, o que levaria alguém a classificá-los como música para o fim das noites de sábado.  Na minha opinião, os trabalhos mais honestos serão os dois do meio e por esta ordem:

As capas dos quatro álbuns

Here, My Dear é, seguramente depois de What’s Going On, o trabalho mais “sério” de Marvin Gaye – pelo menos no que toca ao seu “propósito”.  Nascido do acordo judicial de divórcio com Anna Gordy, Marvin reflecte nele uma série de pensamentos e sentimentos em torno da sua vida amorosa, como qualquer comum mortal, mas não só – há também, por exemplo, abordagens à sua fé religiosa e à relação dela com os seus “pecados” (a dependência da coca e todas as obsessões com sexo), em Time To Get It Together, mas também há a vida numa futura era espacial com A Funky Space Reincarnation.  O seu grande defeito é, quanto a mim, a sua extensão: se tivesse sido reduzido a um único disco poderia ter sido uma sua terceira contribuição marcante para a música pop.  A sua duração é tanto mais estranha quanto o seu propósito inicial, mesquinho, de fazer um álbum “preguiçoso e mau”... para que a sua ex-mulher (Anna) não usufruísse do seu trabalho.

«Desprezado pela crítica e largamente ignorado pelo
público, a suíte de dois LPs é no entanto, incrivelmente,
um trabalho bem sucedido, um monólogo interior com-
plexo em que a sensibilidade e o alcance de, digamos,
Scenes From A Marriage, de Ingmar Bergman, é tradu-
zida para música soul.» – David Ritz(4 p.23)

In Our Lifetime que acabará por ser publicado contra a sua vontade, provocará a sua ruptura final com a Motown – supostamente, para além de umas misturas diferentes e a inclusão de uma música não aprovada por ele (Far Cry), havia ainda a questão do título não ter um ponto de interrogação no seu final, como ele o exigia.  Evidentemente que é um álbum “inacabado”, como Marvin várias vezes o afirmou, mas mesmo assim superior, na sua diversidade sonora ou procura de novos caminhos, a I Want You.  Praise, dedicada a Stevie Wonder, e Life Is For Learning são dois temas agradáveis e que, como abertura do álbum, prometem algo mais do que se virá a verificar. Love Me Now Or Love Me Later, a segunda música do lado dois do disco, é um excelente exercício lírico e vocal com uma guitarra blues não menos excelente – o melhor tema do LP.  Heavy Love Affair, um funk com uma batida contagiante mas sem concessões, termina, quanto a mim, este álbum.

«In Our Lifetime é uma montagem densa – por vezes de
tirar o fôlego – de temas funk e soul, na qual Marvin
Gaye reflecte sobre arte, amor, karma, e o Armagedão.
Como em todos os seus trabalhos de estúdio desde o de-
finitivo What’s Going On, o tenor fluido que é Gaye tece
através da produção de texturas complexas, a sugestão de
um monólogo interior prolongado.» – Stephen Holden
(17 pp.59/60)

«Devemos estar agradecido pela inacabada obra-pri-
ma. Embora as canções estejam incompletas, elas do-
cumentam o regresso de Marvin às preocupações espi-
rituais de What’s Going On. (...) “In Our Lifetime” re-
 nente. (...) A ilustração da capa, idealizada pelo can-
tor, mostra dois Marvins frente a frente, sentados em
tronos acima das nuvens, enquanto explosões nucleares
devastam a América. Um Marvin tem asas, uma auréola
e uma pomba, o segundo Marvin tem chifres e veste o
manto de Satanás. Ele dividido joga uma partida de xa-
drez, tal como Marvin, (...) acreditando que Deus joga
xadrez com o homem.» – David Ritz(4 p.23)

Sobre os restantes dois álbuns apenas gostaria de dizer que se tratam de trabalhos menores com momentos altamente inspirados de “música sexual” (por exemplo, I Want You (Vocal) ou Feel All My Love Inside, de I Want You, e Sexual Healing em Midnight Love), o que não chega para serem considerados no conjunto da obra de Marvin Gaye.

«A música gospel cantava sobre a salvação através
de Deus, a música soul sobre o poder do amor. A-
vançando um passo mais no mundo secular, o dis-
co traduziu “amor” como “sexo”. Em geral, os gran-
des cantores de soul tinham sido capazes de demons-
trar esse ponto. O curandeiro sexual Marvin Gaye
queria que o seu clássico de espiritual sedução “Let’s
Get It On” (também gravada numa versão gospel in-
titulada “Keep Gettin ‘It On”), tivesse seguimento
com uma música a que chamou de “Sanctified Pus-
sy” (felizmente re-titulado “Sanctified Lady” quando
foi finalmente lançado).» – Craig Werner(3 p.208)

«A cocaína, dos quais Gaye foi um importante consu-
midor, é sabido reduzir o amor à luxúria. Daí que
partes da sua produção consistirem não em canções
de amor, mas em faixas de sexo (...). Marvin Gaye ti-
nha uma voz sedutora que vale a pena ouvir mesmo
quando as vocalizações em fiação e os clichés líricos,
efectivamente, cantam sobre nada – o que abrange
uma grande parte da sua carreira.  A enaltecida esté-
tica da foda-coca que orienta muito do seu trabalho,
irá captar futuros ouvintes, como decadente ou profé-
tica, dependendo de como a história decorrer.» – Ian
MacDonald(18 pp.40/41)


________________________________

(1)   Berry Gordy Jr Biography. The Inductees. The Rock and Roll Hall of Fame and Museum, Inc.;
(2)   ALETTI, Vince. “The Motown Story: The First Decade”. Rolling Stone, Nr. 82, May 13, 1971;
(3)   WERNER, Craig. “A Change Is Gonna Come. Music, Race & The Soul Of America”. 1998;
(4)   RITZ, David. “A Voice Set Free”. Rolling Stone, Nr. 421, May 10, 1984;
(5)   FONG-TORRES, Ben. “Marvin Gaye 1939-1984. From Sideman to Superstar”. Rolling Stone, Nr. 421, May 10, 1984;
(6)   CAHILL, Tim. “The Spirit, The Flesh And Marvin Gaye”. Rolling Stone, Nr. 158, April 11, 1974;
(7)   The Top 100. The Best Albuns of the Last Twenty Years. 10. What’s Going On”. Rolling Stone, Nr. 507, August 27th, 1987;
(8)   The 100 Best Singles Of The Last 25 Years. 14. What’s Going On”. Rolling Stone, Nr. 534, September 8th, 1988;
(9)   EDMONDS, Ben. “Marvin Gaye: What’s Going On and the Last Days of the Motown Sound”. 2001;
(10) EDMONDS, Ben. “A Revolution In Sound & Spirit: The Making of What’s Going On”. Sleeve Notes CD Deluxe Edition. 2002;
(11) RITZ, David. “Divided Soul: The Life of Marvin Gaye”. 2003;
(12) LANDAU, Jon. “Let’s Get It On”. Rolling Stones Nr. 149, December 6, 1973;
(13) EDWARDS, Gavin. “Prime Marvin. Back-to-basics versions of Gaye’s soul masterpieces.” Rolling Stones Nr. 914, January 23, 2003;
(14) GEORGE, Nelson. “Let’s Get It On”. Sleeve Notes CD. 1994;
(15) KRAJICEK, David. “The Life and Death of Marvin Gaye”. truTV.com. Turner Broadcasting System, Inc.;
(16) KATZ, Gregory. “Troubled Man”.  AmericanWay. The Magazine of American Airlines. Issue: June 15, 2006;
(17) HOLDEN, Stephen. “In Our Lifetime”. Rolling Stones Nr. 340, April 2, 1981;
(18) MACDONALD, Ian. “The People’s Music. Marvellous Marvin Reconsidered”. 2003;

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