segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

THE DOORS: The End


Exaltada por uns poucos, ignorada por muitos, relegada pelos restantes, The End a faixa que encerra o primeiro álbum dos The Doors, não deixa, por isso, de ser um marco na história do rock – não foi por mero acaso que foi a escolhida para acompanhar a abertura de Apocalypse Now, essa obra-prima de Francis Ford Coppola, com as suas imagens dantescas de infernos e angústias de uma geração personalizadas na estória do capitão Willard e restantes personagens... “Saigon... sheet... I’m still only in Saigon”.

Os Doors em 1967

«(…) na mini ópera experimental edipiana
dos Doors, “The End”, quando Morrison
cantava sobre querer matar o pai e foder a
mãe, ele conseguia assumir de algum modo
a tola noção de indignação e torná-la con-
vincente, e de alguma maneira, mesmo jus-
tificada.
(…) Não admira, por isso, que a
música dos Doors (“The End” em particu-
lar) se tenha tornado significativamente na
favorita entre os jovens americanos a com-
bater no Vietname, numa guerra em que os
filhos foram enviados para matar ou mor-
rer pelos ideais de receios de uma geração
mais velha.
»
[1]

Guerra no Vietname

Construída como uma simples canção de despedida[2], a partir de anotações de Jim Morrison sobre o fim da sua relação amorosa com Mary Werbelow, no verão de 1965[3], virá a ser desenvolvida durante a estadia do grupo no famoso clube de Sunset Stip, o Whiskey a Go-Go, algures entre meados de Maio e Julho, «tempo durante o qual foram despedidos pelo menos uma vez por semana por enfurecerem os proprietários»[4] – da última vez, porque tinham incorporado mais uma série de versos a esta canção... sim, precisamente, a polémica passagem edipiana que Jerry Hopkins, na sua famosa biografia Daqui Ninguém Sai Vivo, afirma que «impeliram Jim para a mitologia pop contemporânea.»[5]

Em termos de letra, a canção é composta por três partes distintas que, julgo, reflectem de algum modo, a evolução da sua construção desde os íntimos apontamentos de Morrison, passando às linhas carregadas de observações quotidianas e, portanto, de sentido mais universal mas irremediavelmente marcadas pelo recurso à simbologia xamã e, por fim, à parte aonde recorre à mítica interpretação freudiana de Rei Édipo, a tragédia de Sófocles incorporando-a num assassino, tornando-a assim numa mistura, ao mesmo tempo, mais atraente e chocante.

 
Rei Édipo, Gravura Inglesa (1473)

A primeira parte, reúne vagamente as duas primeiras estrofes; a segunda, vai até à entrada do assassino em cena, aonde começa a última parte que tem o seu fim logo a seguir à explosiva declaração edipiana, no caos orgástico que se lhe segue para, por fim, retomar os temas (sons) iniciais.

«“The End” pelos The Doors é um retrato
deliberado e explícito do Complexo de
Édipo freudiano: nesta muito perturbada
canção sobre uma pessoa muito perturba-
da (cantada por uma pessoa muito pertur-
bada), Jim Morrison canta sobre o que su-
postamente é o desejo comum do persona-
gem da canção em “matar” o pai e “foder”
a mãe (linhas que são higienizadas na ver-
são gravada mais facilmente acessível)
.
»
[6]

Em termos musicais, The End é, sem qualquer dúvida, na sua maior parte (pelo menos durante 8:31 dos seus 11:41 minutos) influenciada pela música clássica indiana, os ragas, que tanto eram do interesse dos músicos do grupo, pela sua declarada empatia pelo ioga, a disciplina hindu que visa controlar as “tentações terrenas” a fim de se obter uma maior aptidão “espiritual” John partilhava com Ray (...) a dedicação de novas conversas às disciplinas Yogi do Maharishi.»[7]) mas sonoridade essa devidamente trabalhada por noções ligadas ao free-jazz e, evidentemente, sem perder de vista o rock.

Capa da Rolling Stone
(26 de Julho de 1969)

Robby Krieger, o homem da guitarra, com a ajuda do baterista John Densmore, que muitos insistem em dizer que teve nesta sua contribuição um dos seus melhores desempenhos de sempre – o que não será difícil de concordar ouvindo a canção: o que seria, por exemplo, da sua introdução sem a presença dos diferentes instrumentos de percussão? –, constrói com a sua guitarra, como se fosse um sitar, a introdução lânguida e misteriosa Robby Krieger estava interessado em música e filosofia Oriental – ele estudou sitar e sarod na Universidade da Califórnia, Los Angeles, e na Escola Kinnara de Ravi Shankar. Isso influenciou a música que ele criou em músicas como The End.»[8]), contando ainda com a barreira sonora de fundo do órgão-baixo de Ray Manzarek (0:36) até se ouvir Morrison anunciar que isto é o fim (0:54)…  A entrada do órgão em pleno (1:12), dá o sinal para que o seu ritmo evolua num crescendo cada vez mais evidente (1:43, 2:09), retraindo-se de novo (2:46) apenas como que para permitir a passagem à segunda parte da letra.  Não se pode deixar de notar que há como que uma entrada num novo território desconhecido no momento em que Densmore, com um toque num dos seus pratos, anuncia o momento em que Jim introduz o assassino (6:26) e que irá “explodir” logo após a “declaração edipiana” (7:42) num orgasmo caótico de som que, sem dúvida alguma, pretende para além de tudo mais, “abafar” as palavras do autor mas que, para os ouvintes mais atentos, não funciona de todo porque elas continuam a ser ouvidas mesmo que não ditas.

«Morrison já tinha trabalhado numa pro-
dução estudantil do Rei Édipo no estado
da Flórida. Mas a exploração dos seus ta-
bus sexuais ganhou uma vida nova e ou-
sada nos onze minutos de “The End”, que
evoluiu durante o espectáculo ao vivo dos
Doors no Whisky-A-Go-Go de Los Angeles.
»
[9]

Gravada a partir de duas tentativas[10] nos estúdios Sunset Sound, em Hollywood, na última semana de Agosto de 1966 (há quem diga que foi na segunda semana de Setembro), sob a direcção do produtor Paul A. Rothchild, recém saído da cadeia com liberdade condicional duma pena por tráfico de marijuana, e contando com a presença do engenheiro Bruce Botnick, viria a ser editada nos EUA a 4 de Janeiro de 1967.

«A visita mais intensa ocorreu durante
“The End”, que foi conseguida em duas
takes. Rothchild, que produziu cerca de
150 discos, descreve-a como “um dos
momentos perfeitos de gravação de rock.”
(…) Enquanto os Doors tocavam “The
End”, diz Manzareck, Rothchild virou-se
para o engenheiro Bruce Botnick e disse,
“não sei se sabes o que está a acontecer
aqui, mas está a ser feita magia. Nós es-
tamos a gravar magia.”
»
[11]

Frente e verso do LP The Doors



The End
(Densmore/Krieger/Manzarek/Morrison)

This is the end, beautiful friend
This is the end, my only friend
The end of our elaborate plans
The end of everything that stands
The end
 No safety or surprise
The end
I’ll never look into your eyes again

Can you picture what will be
So limitless and free
Desperately in need of some
Stranger’s hand
In a desperate land

Lost in a roman wilderness of pain
And all the children are insane
All the children are insane
Waiting for the summer rain

 Verão de 1967 ( Foto de Robert Altman)

There’s danger on the edge of town
Ride the king’s highway, baby
Weird scenes inside the gold mine
Ride the highway west, baby
Ride the snake
Ride the snake
To the lake
The ancient lake, baby
The snake is long
Seven miles
Ride the snake
He’s old
And his skin is cold
The west is the best
The west is the best
Get here and we’ll do the rest
The blue bus is calling us
The blue bus is calling us
Driver, where are you taking us?

The blue bus…

The killer awoke before dawn
He put his boots on
He took a face from the
Ancient gallery
And he walked on down the hall

He went into the room where his
Sister lived
And then he paid a visit to his brother
And then he walked on down the hall
And he came to a door
And he looked inside
Father?
Yes, son…
I want to kill you
Mother, I want to…

Come on baby, take a chance with us
Come on baby, take a chance with us
Come on baby, take a chance with us
And meet me at the back of the blue bus
*****
************
*****
************
C’mon, yeah
Yeah, yeah, yeah…

This is the end, beautiful friend
This is the end, my only friend
The end

It hurts to set you free

But you’ll never follow me

The end of laughter and soft lies
The end of nights we tried to die

This is the end


Introdução às versões disponibilizadas:
01) Versão registada para o LP original, The Doors, e transposta, para digital, no CD cópia do original;
02) Disponível no CD In Concert (Maio de 1991), nunca antes publicada, e gravada no concerto dado no Hollywood Bowl, no dia 5 de Julho de 1968;
03) Pode-se encontrar no CD pirata, The Doors Live In Stockholm 1968, que regista duas actuações do grupo em Estocolmo, Suécia, no dia 20 de Setembro de 1968;
04) Disponível no CD pirata, Live At The Isle Of Wight Festival, 1970, que recolhe a actuação do grupo naquele famoso festival, no dia 29 de Agosto de 1970;
05) Versão que surge pela primeira vez no álbum oficial The Complete Studio Recordings (Novembro de 1999) mas que acaba por ser mais notado no também álbum oficial, Essential Rarities”, e que reproduz parte da actuação do grupo no Madison Square Garden, de Nova Iorque, nos dias 17 e 18 de Janeiro de 1970;
06) Mistura feita especialmente para o filme Apocalypse Now (1979), de Francis Ford Coppola, na qual Paul Rothchild recupera gravações nunca antes utilizadas, em especial, a parte mais “sensível” da gravação do grupo, aquela em que aparece a palavra “kill”.

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[1]  GILMORE, Mikal. “The Legacy of Jim Morrison and The Doors”. Rolling Stone. Issue 601. April 4th, 1991. p.33.
[2]  HOPKINS, Jerry. “The Rolling Stone Interview: Jim Morrison”. Rolling Stone. Nr. 38. July 26, 1969. p.18;
[3]  FARLEY, Robert. “Mary and Jim to the end”. St. Petersburg Times. September 25, 2005;
[4]  HOPKINS, Jerry, e Sugerman, Daniel. A Flecha Voa”. Daqui Ninguém Sai Vivo. Lisboa: Assírio & Alvim. 1994. Tradução de Rita Freudenthal. Revisão de Texto de João de Menezes Ferreira. p.85;
[5]  HOPKINS, Jerry, e Sugerman, Daniel. A Flecha Voa”. Daqui Ninguém Sai Vivo. Lisboa: Assírio & Alvim. 1994. Tradução de Rita Freudenthal. Revisão de Texto de João de Menezes Ferreira. p.96;
[6]  HARRIS, James F. “Parent-Child Alienation”. Philosophy at 331/3 rpm. Themes of Classic Rock Music. Chicago and La Salle: Open Court. 1993, 1994. p.33;
[7]   HOPKINS, Jerry, e Sugerman, Daniel. A Flecha Voa”. Daqui Ninguém Sai Vivo. Lisboa: Assírio & Alvim. 1994. Tradução de Rita Freudenthal. Revisão de Texto de João de Menezes Ferreira. p.70;
[8]  CRISAFULLI, Chuck. “The Doors”. The Doors: When the Music’s Over: The Stories Behind Every Song. New York: Thunder’s Mouth Press. 2000. p.37;
[9]  328. The End. The Doors. The 500 Greatest Songs Of All Time”. Rolling Stone. Issue 963. December 9, 2004. p.144;
[10] HOPKINS, Jerry, e Sugerman, Daniel. A Flecha Voa”. Daqui Ninguém Sai Vivo. Lisboa: Assírio & Alvim. 1994. Tradução de Rita Freudenthal. Revisão de Texto de João de Menezes Ferreira. p.100;
[11]25. The Doors. The 500 Best Albums Of The Last Twenty Years”. Rolling Stone. Issue 507. August 27th, 1987. p.87.

1 comentário:

  1. É literalmente magia, ciência antiga!e vai muito além de Freud...e muito além da índia.o ritmo, a letra, a sinuosidade....sim, The end é a própria serpente de pele fria a nos conduzir para o antigo lago de águas insondáveis que explica nossa perturbada existência.

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