quinta-feira, 27 de junho de 2013

ROLLING STONES: (I Can’t Get No) Satisfaction


Hoje, é quase mítico o reencontro em Outubro de 1960 entre os ex-vizinhos Michael Philip Jagger e Keith Richards na estação de comboios de Dartford, Kent: Jagger com meia dúzia de álbuns (de Chuck Berry, Little Walter e Muddy Waters) debaixo do braço e Richards ansioso por lhes pousar a agulha em cima, convida-o para ir lá a casa tomar chá.  Jagger já então cantava em algumas bandas de rock’n’roll enquanto Richards tentava aprender, com a sua guitarra, todas essas canções de folk music aos blues mais puros, passando – claro! – pelos “novosblues, o rock’n’roll, vindas do outro lado do Atlântico e que tanto captavam a sua atenção.  Um ano mais tarde, Richards junta-se a Jagger e a outro guitarrista, Dick Taylor, que mais tarde, com Allen Etherington nas maracas e Bob Beckwith numa outra guitarra, formam os os Little Boy Blue and the Blue Boys Band.

«Mick vinha a cantar com algu-
mas bandas de rock and roll, ti-
po Buddy Holly.»
Keith Richards(1)

Brian Jones vêm a encontrá-lo em Abril de 1962, num dos poucos clubes londrinos aonde se tocava blues e que, no início da década de sessenta, surgiram como alternativas aos clubes aonde se tocava jazz e skiffle, o Ealing Jazz Club, a “casa” de um dos mais importantes nomes da dinamização da cena blues britânica, Alexis Korner, e da sua Blues Incorporated.(2)

Os arredores da zona do Ealing Jazz Club

Numa noite, Jagger e Richards que em muitas das noites se juntavam aos Blues Incorporated, descobrem estupefactos um imolador de Elmore James(3)Brian, ou Elmo Lewis como ele gostava de se apresentar, dominava como nenhum outro guitarrista britânico a técnica do slide, ou bottleneck, em que Elmore era um especialista.  No início de Maio, Brian coloca um anúncio na Jazz News a recrutar pessoal para uma banda que pretendia formar.  Um dos primeiros a responder foi um teclista de nome Ian Stewart, um músico tão experiente quanto Brian mas que nada sabia de blues.  A eles, juntam-se dois guitarristas recomendados por Korner, Geoff Bradford e Brian Knight.

Em Junho, Stewart convida Mick Jagger a participar na banda.  Este, que vinha a actuar três vezes por semana com os Blues Incorporated, impôs como condição, a presença de Richards e assim se formou o núcleo principal do grupo.

A12 de Julho, conseguem a sua primeira actuação em público no Marquee Club, um clube londrino situado na zona central de West End – a oportunidade é lhes entregue de bandeja pelo próprio Alexis Korner que tendo conseguido uma participação no programa Jazz Club da BBC lhes terá pedido para preencherem a vaga(4).  Com Dick Taylor no baixo e Mick Avory na bateria (Bradford e Knight tinham saído entretanto), os The Rollin’ Stones (o nome com que actuaram... segundo Richards, o nome foi dado por Brian que, apanhado de surpresa enquanto combinava os pormenores da actuação do grupo, utilizou o título da primeira faixa de uma colectânea de Muddy Waters que estava ali por perto), recorreram a uma série de números clássicos de blues tendo no entanto introduzido algures, um ou outro tema de Chuck Berry e de Bo Diddley, para grande desgosto dos puristas...

É através de um dos muitos bateristas que tocaram com eles, Tony Chapman, que em Janeiro de 1963 vêm a encontrar-se com Bill Wyman Taylor, um purista dos blues, não aguentava mais a inclusão de temas de Chuck Berry e afins, no reportório do grupo.  Bill, tal como Ian Stewart, era uns bons anos mais velho do que os outros e já há muito que vinha a tocar com várias outras bandas.  O seu domínio do baixo era, por isso, tecnicamente sólido e, segundo Richards, possuía dois amplificadores Vox que passaram a ser alvo da cobiça do grupo, pelo que ele acabou naturalmente por ser aceite.

Quanto a Charlie Watts, Richards afirma que ele actuou pela primeira vez com o resto do grupo, a 15 de Janeiro mas que recusou qualquer outro tipo de comprometimento mais sério já que o grupo não lhe oferecia garantias suficientes no que tocava à sua sobrevivência financeira.  Ainda de acordo com Keith, a integração definitiva de Charlie virá a acontecer pouco tempo depois, a 2 de Fevereiro(5).

«Janeiro 1963. Quarta-feira, 2.
Novo guitarrista baixo a tentar
com Tony. Um dos melhores en-
saios de sempre. O baixo adicio-
na mais força ao som.»
Keith Richards(6)

A 14 de Janeiro, o grupo actua ao vivo no Flamingo Club no Soho, em Londres, tornando-se assim na primeira vez que actuam com a formação completa.

Os Rolling Stones
ainda com Ian Stewart (no canto superior direito)

No mês seguinte, tocam no Crawdaddy Club de Giorgio Gomelsky, em Richmond, a uma dúzia de quilómetros de Londres e em Abril seguinte, ganham residência no clube com duas actuações por semana é a partir daí que começam a ser notados.

Um cartaz duma das primeiras actuações do grupo

O próximo a entrar na aventura seria Andrew Loog Oldham.  Richards, na entrevista dada à Rolling Stone em 1971(7), situa o seu encontro com o grupo em Março mas a maioria das fontes indica um mês mais tarde – o certo é que ele pouco tempo depois, algures em Maio, leva-os até ao Olympic Sound de Londres e fá-los gravar uma demo com uma cover de um tema de Chuck Berry, Come OnNa semana seguinte ele levou-nos directamente para um estúdio grande e gravámos “Come On”.» – Keith Richards(7)] que seria enviada à Decca que ele sabia, porque antes fizera parte da equipa de Brian Epstein, o manager dos The Beatles, andar à procura de um grupo que pudesse rivalizar com aqueles.  A resposta, não tendo sido a melhor, não deixou de ser de todo encorajadora, já que lhes propunha que regravassem a canção mas nos estúdios da etiqueta em West Hampstead(8), o que veio a acontecer no dia 10 de Maio.

O papel do ainda adolescente Andrew Oldham é, na maioria das vezes, apresentado como o do maquiavélico maquinador que levou o grupo para os maus caminhos, incentivando-os, espicaçando-os, a criar situações que materializassem o slogan criado pela sua mente debochada, com a qual ele pretendia resumir a presença do grupo na cena rock: «Deixariam a vossa filha casar um Rolling Stone?»... Richards é contundente quanto a isso: «A ironia é que Oldham, o grande arquitecto da persona pública dos Stones, no princípio, achou que era uma desvantagem para nós sermos considerados cabeludos, sujos e rudes.»(9)

De tudo o que li sobre Oldham restam-me na memória uma ou outra curiosidade, começando logo pelo facto de ser a mãe que tinha de assinar alguns documentos relacionados com as suas actividades já que ele era ainda menor, passando depois a outros mais escabrosos como o facto de ter corrido o Ian Stewart das actuações ao vivo do grupo com o pretexto de que nenhum grupo conseguiria sobreviver sendo um sexteto (quando na verdade, o que o incomodava era o aspecto físico de Stewart) ou mais banais como o de ter retirado o “s” a Richards para que o seu nome fosse mais artístico; tirando isso cumpria melhor o seu papel de manager [«O famoso dia em que Andrew nos fechou na cozinha em Willesden e disse “Saiam com uma canção” - isso aconteceu mesmo.»Keith Richards(10)] do que o de produtor [«Mas como um produtor em pleno, com conhecimento sobre gravação e um conhecimento de música, ele estava num campo muito fraco.»Keith Richards(11)].

Criada artificialmente ou apenas atitude espontânea, obra de Oldham ou eles mesmos, como jovens rebeldes que eram, resultado dinâmico de uma máquina publicitária bem montada ou apenas excessos de uma natural (mas também cuidada) imaturidade, a imagem que o grupo conseguiu transmitir acabaria por os colocar naturalmente na posição de serem o reverso dos The Beatles e se é certo que todos eram “cabeludos”, uns eram mais “sujos e rudes” do que os outros.

(...) sujos e rudes.

«Eles vão partir depois do progra-
ma, para Londres. Lá vão desafi-
ar os Beatles para um concurso
de puxões de cabelo. (...) Eu vou
dizer-vos uma coisa: sabem to-
dos estes grupos que cantam ho-
je, vocês têm a impressão de que
eles têm cabelos compridos, ahh.
Nada disso, é apenas um efeito
óptico: eles simplesmente têm tes-
tas muito curtas e sobrancelhas
muito compridas.»
Dean Martin(12)

Assim, é fácil entender que, para além da escolha da “música do diabo”, o que já por si não ajudava muito (os The Beatles procuravam ser melodicamente mais eclécticos), eles fossem considerados como perigosos e a evitar, pela maioria dos “mais velhos”.  Mas também é preciso dizer que, como muito realça Philippe Bas-Rabérin, «o aparecimento dos Rolling Stones contribuiu para transformar a tolerância dos Beatles em adopção apressada (por outras palavras, em “anexação”)»(13) e se existia alguma animosidade entre os dois grupos rivais, ela existia apenas nos média que tinham o interesse de vender estórias e, evidentemente, entre os fãs mais jovens de ambos os grupos como prova a cedência dos Beatles de um dos seus temas ao grupo.

Artigo no Melody Maker, 14 de Março de 1964

«Eles têm a raiva dos pais do seu
lado.»
Ray Coleman(14)

Os casos de violência nas suas actuações ao vivo sucediam-se quer em Inglaterra (24 de Julho de 1964, no Empress Ballroom de Blackpool), quer fora dela (Kurhaus em Haia, Holanda, em Agosto de 1964 ou no Ratcliffe Stadium em Fresno, EUA, Maio de 1965 e não contentes com isso, mais ou menos na mesma altura em que os Beatles eram agraciados com a “mui nobre” distinção de Membros do Império Britânico (Junho de 1965), três dos Stones (Brian Jones, Mick Jagger e o muito certinho Bill Wyman) eram sentenciados, cada um, a uma multa de cinco libras em resultado do seu “mau comportamento” por terem mijado na parede de uma garagem.

Muito british aguardando fleumaticamente a hora da sentença...

Desde o seu primeiro single, Come On/I Want To Be Loved (Junho de 1963), a sua paixão pelos sons negros urbanos norte-americanos torna-se numa evidência – não que o grupo não tivesse recorrido a um tema dos The Beatles, I Wanna Be Your Man (single, Novembro de 1963) ou a outros, mais ou menos considerados menores, da sua autoria para os lados B dos seus singles ou perdidos nas poucas faixas dos EPs e nas muitas faixas dos LPs entretanto publicados por eles(15) – mas essa paixão não era inocente: uma grande parte das canções a que recorriam tinham na sua essência uma sexualidade, um dos grandes tabus ainda prevalecente no universo de então, se não explícita pelo menos latente.  Era isso o que atraía neles e quando Mick cantava, com o seu jeito amaneirado e beiças propositadamente proeminentes, I'm a king bee/ Buzzin’ around yo’ hive/ Well, I can make honey, baby/ Let me come inside em I’m A King Bee (uma cover dum original de Slim Harpo, 1957, publicada no primeiro LP The Rolling Stones, Abril de 1964) ninguém tinha qualquer dúvida sobre a mensagem que o grupo pretendia transmitir.

Nos estúdios da BBC, Janeiro de 1964

Na sequência da proibição imposta a Little Red Rooster (single, Novembro de 1964) pelas estações radiofónicas dos EUA devido ao seu conteúdo sexual, os Rolling Stones publicam, no mês seguinte e apenas para aquele mercado, como que numa espécie de resposta, um novo single com a novidade de reunir dois temas inteiramente compostos por si, Heart Of Stone e What A Shame.  Gravados durante os intervalos possíveis nas obrigações impostas pela segunda digressão do grupo pelos EUA, nos famosos estúdios da RCA (a 2 de Novembro), em Hollywood, e Chess (a 8 do mesmo mês), em Chicago, em ambos os temas é notória a influência do rhythm and blues, nas suas vertentes soul e blues, e se a letra do primeiro é apenas um pedaço de protomisoginia que se viria a tornar, daqui para a frente, numa característica das canções sobre o sexo oposto escritas por Jagger, no segundo tema ele, o então já costumeiro homem das palavras, consegue criar um ambiente em que a letra se aproxima das preocupações rebeldes de quem os venerava.  Em termos musicais, Jagger demonstra uma segurança nunca antes conseguida com a sua vocalização (isto para não falar do seu contributo na harmónica em What A Shame, a partir do 1:46) e tanto Richards quanto Jones, arriscam solos que se tornariam clássicos (o primeiro, em Heart Of Stone, a partir do 1:10, muito na onda dos The Sadows, e o segundo, em What A Shame, apesar de sempre presente com a sua guitarra slide a seguir, em especial, a partir do 1:01).  O single viria a alcançar um relativo sucesso comercial (#19 na tabela 100 da Billboard).

Chegada a Nova Iorque
Primeira digressão americana, Junho de 1964

Dois meses depois, a 26 de Fevereiro, os Rolling Stones publicam em Inglaterra um novo single completamente da sua autoria, com The Last Time no lado A e Play With Fire no lado B, que chegaria a #1 nas tabelas britânicas lançado quinze dias mais tarde nos EUA, conseguiria alcançar o #9 nas tabelas nacionais, um facto notável já que por lá só com Time Is On My Side (single, Setembro de 1964) eles tinham conseguido quebrar a barreira do Top10.  Ambos os temas foram gravados nos estúdios RCA de Hollywood, em Janeiro (provavelmente a 17 ou 18), o primeiro com a participação de todos os membros do grupo, o segundo apenas com a de Jagger e Richards sendo os restantes participantes, Jack Nitszche que se encontrava a assistir à sessão de gravação e que se encarregaria do cravo e das percussões, e Phil Spector que tinha sido chamado ao estúdio por Oldham para dar a sua opinião sobre o primeiro tema, da guitarra acústica e do baixo.  The Last Time , vagamente inspirada na recuperação dos The Staple Singers (This May Be The Last Time, single, 1960) de um gospel tradicional em que, segundo Richards, «o coros são da versão dos Staple Singers, “This May Be the Last Time”» e era «uma canção acerca de ir pela estrada e despachar uma miúda.»(16) Play With Fire , tal como o lado B do anterior single, What A Shame, é um tema “mais sério” não só porque a sua letra está longe de ser um arquétipo das habituais canções pop da altura (basta compará-la com a faixa principal que, ainda segundo Richards, «Não [era] a habitual serenata ao inatingível objecto de desejo.»(16)), como em termos melódicos proporciona um ambiente completamente estranho ao que então se produzia em termos de música pop no Reino Unido.  A sua produção extremamente básica irá dar origem a um boato no qual coloca Brian Jones a substituir uma versão supostamente gravada posteriormente (mais soul e que teria tido como título Mess With Fire) por esta, a fim de se vingar dos outros por não ter estado presente na suposta versão demo.

Até Maio de 1965, o grupo lançaria dois álbuns no RU e três nos EUA: The Rolling Stones, em Abril de 1964, e The Rolling Stones No. 2, em Janeiro de 1965; no outro lado do Atlântico, England’s Newest Hit Makers, o primeiro, é publicado em Maio de 1964, seguindo-se-lhe 12X5, em Outubro, e The Rolling Stones, Now!, em Fevereiro do ano seguinte.  Em geral, a reacção do público aos álbuns foi sempre mais generosa do que aos restantes formatos: os álbuns britânicos aguentam várias semanas no #1 das tabelas locais; nos EUA, 12X5 consegue um #3, um lugar de algum modo extraordinário para um grupo britânico que não os The Beatles e que, ainda por cima, apresentava o seu repertório carregado de covers de rhythm and blues.  England’s Newest Hit Makers, o seu primeiro longa duração a ser lançado naquele mercado acabaria por se quedar a uma posição do Top 10 enquanto o terceiro, The Rolling Stones, Now!, conseguiria um honroso #5.

Chegada a Montreal
Terceira digressão americana, Abril de 1965

A 23 de Abril de 1965, os Rolling Stones iniciam a sua terceira digressão norte-americana (a primeira desse ano) actuando na Maurice Richard Arena, em Montreal, Canadá.  Seis dias depois dão o primeiro concerto nos EUA actuando no Palace Theatre de Albany, nos arredores de Nova Iorque.  A digressão, aos ziguezagues, acabará por prosseguir em direcção ao sul e a 7 de Maio, depois de uma actuação no Legion Field, em Birmingham, Alabama, assentam arraiais no Gulf Motel, em Clearwater, Florida.

Capa do single, EUA

É lá que Richards meio sonâmbulo, a meio do seu repouso de guerreiro, liga o gravador portátil de cassetes, pega na guitarra, grava uns acordes e o que viria a ser o título da canção, I can’t get no satisfaction [que, segundo Jagger, «na realidade, é uma linha de uma canção de Chuck Berry chamada “30 Days” (...) “I can’t get no satisfaction from the judge.”»(17)] e, de novo de acordo com Richards, «no resto da fita sou eu a ressonar!»(18)  No dia seguinte, apesar de lhe parecer evidente que os acordes gravados tinham sido copiados de uma parte de de Dancing In The Street, da Martha & The Vandelas (single, Julho de 1964), ele resolveu mesmo assim dar a ouvir a cassete a Jagger que então se encontrava a apanhar “ar” junto da piscina do hotel.  Este pegou de imediato na canção e começou a compor uma letra para ela: «Era a minha visão do mundo, a minha frustração com tudo. Simples agressão adolescente. Era acerca da América, a síndroma da publicidade, o bombardeamento constante.»(19)  A 10 de Maio, gravam uma primeira versão nos estúdios Chess mas o grupo não terá ficado muito satisfeito com o resultado pelo que ela viria a ser retomada dois dias depois nos estúdios RCA, tendo Dave Hassinger como engenheiro e Jack Nitzsche na pandeireta.  Entretanto a canção evoluíra de, segundo Jagger, de «uma canção folk quando a começámos a trabalhar pela primeira vez»(19) para algo mais complexo mas, mesmo assim, Richards continuava a não estar satisfeito com o resultado, nem mesmo depois de Ian Stewart se ter lembrado de trazer uma novidade da Gibson, a fuzz box, um pedal que distorcia o som produzido pela guitarra, para o estúdio [«Eu queria gravá-la outra vez. (...) Eu não gostava realmente daquela guitarra fuzz. Eu queria fazer aquela coisa diferente. (…) eram necessários ou metais ou algo que fizesse sobressair aquele riff.»(7)].

Cartaz publicitário da London, EUA

O único que desde então assume que não queria ver a canção como lado A de um single é Richards.  Segundo Wyman(20), Jagger teria votado num “não” ao lado de Richards, contudo, numa entrevista dada à Rolling Stones(21), ele sugere que Richards era o único que se opunha.  certo é que Andrew Oldham acabaria por decidir fazer de (I Can’t Get No) Satisfaction o próximo single do grupo.

Etiqueta do lado B do single, Inglaterra

Para o lado B foi escolhido um tema gravado a10 e 11 de Maio, com Ron Malo como engenheiro, nos Chess Studios: The Under-Assistant West Coast Promotion Man.  Com um ritmo altamente infeccioso fortemente influenciado por um blues de Buster Brown, Fannie Mae (single, 1959), atribuído a Nanker Phelge, o famoso pseudónimo para o colectivo Rolling Stones e, no qual, Brian Jones sobressai na harmónica, conta ainda com a participação “especial” de Ian Stewart no piano.  A letra, evidentemente escrita por Jagger e perfeitamente enquadrada na sequência criada pelos anteriores lados Bs dos dois singles anteriores no que toca à abordagem de temas concretos do seu dia a dia, dá-nos um retrato irónico sobre o que seriam os promotores de concertos, neste caso concretamente, o de George Sherlock Jr., um relações públicas empregado pela Decca Records e que os acompanhou na sua primeira digressão pelos EUA no ano de 1964.

Cerca de uma semana depois, a 20 de Maio, estreiam Satisfaction ao vivo aquando da sua actuação no programa de televisão da ABC, Shindig!(22).  O single viria a ser publicado nos EUA, no início de Junho, e no Reino Unido, a 20 de Agosto.  Em qualquer dos lados do Atlântico, o single viria a ser um verdadeiro sucesso: #1 nos EUA e RU, e um pouco por toda a Europa (Alemanha, Holanda, Suíça, etc).

«Tem um título muito cativante.
Tem um riff de guitarra muito
cativante. Tem um grande som
de guitarra, que foi original na
época.  E captura o espírito do
período, o que é muito importan-
te para esse tipo de canções.»
Mick Jagger(16)

«A primeira vez que ouvi “Satis
faction” na rádio, eu não podia
acreditar. As letras estavam fa-
lar para todos os jovens machos
americanos. Este gajo está a can-
tar uma canção para nós.»
Ray Manzareck(23)

«A lentidão calculada com que
Jagger pronuncia “I can’t get no
satisfaction”, frase do refrão que
pontua o encadeamento das es-
trófes, opõe-se à continuidade do
ritmo binário mantido durante
esse tempo pelo conjunto. Daqui
resulta um desequilíbrio que se
dissipa no final do refrão quando
a bateria marca sozinha o com-
passo e “relança” o movimento
para a estrofe seguinte.»
Philippe Bas-Rabérin(24)

«O arquetípico hino dos Stones
“(I Can’t Get No) Satisfaction”
(1965), era um protesto contra
uma sociedade que negava aos
jovens a possibilidade de uma in-
domável e viril existência.»
Simon Reynolds/Joy Press(25)

«Depois de “Johnny B. Goode”,
"Satisfaction" tem o maior riff
de guitarra na história do rock
and roll.»
Dave Marsh(26)

«Eles eram o som de uma gera-
ção impaciente por herdar a ter-
ra.»
Rolling Stone(27)

(I Can’t Get No) Satisfaction viria a ser integrada na versão para o mercado dos EUA, do álbum Out Of our Heads (Julho de 1965), não tendo, no entanto, conseguido a sua presença na edição do mesmo álbum para o Reino Unido.  Out Of our Heads acabaria por conseguir o Top1 da Billboard 200.

O grupo em 1965

Entre as inúmeras covers (ou, se preferirem, versões!) de (I Can’t Get No) Satisfaction, surgidas desde então há que destacar, pelo menos, um bom par delas a começar, evidentemente, pela de Otis Redding (LP Otis Blues/ Otis Redding Sings Soul, Setembro de 1965) que Richards reconhece ter sido a que mais se aproximou do que ele tinha em mente(28), e a de Aretha Franklin (LP Aretha Arrives, Agosto de 1967) que é a preferida de Jagger(29).  Notável também é a neurótica versão dos Devo (single, Setembro de 1977), uma verdadeira actualização sonora ao espírito dos tempos que corriam.  Para fazer a ponte entre ambos os “tempos”, escolheria a versão dos Blue Cheer (LP Outsideinside, Agosto de 1968).

(I Can’t Get No) Satisfaction
(Mick Jagger /Keith Richards)
The Rolling Stones

I can’t get no… satisfaction
I can’t get no… satisfaction
‘Cause I try… and I try… and I try… and I try
I can’t get no… I can’t get no

When I’m drivin’ in my car
And that man comes on the radio
He’s tellin’ me more and more
About some useless information
Supposed to fire my imagination
I can’t get no… oh no, no, no
Hey, hey, hey… that’s what I say

I can’t get no… satisfaction
I can’t get no… satisfaction
‘Cause I try… and I try… and I try… and I try
I can’t get no… I can’t get no

When I’m watchin’ my TV
And that man comes on to tells me
How white my shirts can be
But he can’t be a man ‘cause he doesn’t smoke
The same cigarettes as me
I can’t get no… oh no, no, no
Hey, hey, hey… that’s what I say

I can’t get no… satisfaction
I can’t get no… girl reaction
‘Cause I try… and I try… and I try… and I try
I can’t get no… I can’t get no

When I’m ridin’ ‘round the world
And I’m doin’ this and I’m signing that
And I’m tryin’ to make some girl
Who tells me baby, baby, better come back later next week
‘Cause you see I’m on a losing streak
I can’t get no… oh no, no, no
Hey, hey, hey… that’s what I say

I can’t get no… I can’t get no…
I can’t get no… satisfaction
No satisfaction, no satisfaction, no satisfaction



____________________
(1)   GREENFIELD, Robert. “The Rolling Stone Interview: Keith Richard”. Rolling Stone, No.89. August 19, 1971. p.25;
(2)   «Cedo descobriram que a Roundhouse e a maioria dos clubes de folk de Londres não permitiriam os blues amplificados, então Korner e [Cyril] Davies criaram um novo clube num pequeno pub em Ealing que tinha Trad [jazz tradicional] várias noites por semana e lançaram-se à sorte.
Um curto anúncio no Melody Maker sobre a formação de um grupo de rhythm and blues acabou por ser toda publicidade que eles precisavam; (…) Para as centenas de jovens músicos de todo o país que se tinham apaixonado pela música de Chuck Berry e Muddy Waters, a Blues Incorporated foi um farol no deserto.» SCHWARTZ, Roberta Freund. “1957–1962: The Blues Revival, Part I. Blues Incorporated”. How Britain Got the Blues: The Transmission and Reception of American Blues Style in the United Kingdom. Ashgate Publishing Limited:Aldershot. 2007. p.126;
(3)   GREENFIELD, Robert. “The Rolling Stone Interview: Keith Richard”. Rolling Stone, No.89. August 19, 1971. p.27;
(4)   RICHARDS, Keith, with FOX, James. “Life. Chapter Three”. Little, Brown and Company: New York. Mindless Records, LLC. 2010. p.97;
(5)   RICHARDS, Keith, with FOX, James. “Life. Chapter Four”. Little, Brown and Company: New York. Mindless Records, LLC. 2010. p.114;
(6)   RICHARDS, Keith, with FOX, James. “Life. Chapter Four”. Little, Brown and Company: New York. Mindless Records, LLC. 2010. pp.118/121;
(7)   GREENFIELD, Robert. “The Rolling Stone Interview: Keith Richard”. Rolling Stone, No.89. August 19, 1971. p.28;
(8)   BAS-RABÉRIN, Philippe. “Relações Inter-profissionais. Situação”. The Rolling Stones. Colecção Rock On, No. 2. Centelha: Coimbra. 1981. Tradução de José Paulo Viana do original, Les Rolling Stones. p.28;
(9)   RICHARDS, Keith, with FOX, James. “Life. Chapter Four”. Little, Brown and Company: New York. Mindless Records, LLC. 2010. p.127;
(10) RICHARDS, Keith, with FOX, James. “Life. Chapter Four”. Little, Brown and Company: New York. Mindless Records, LLC. 2010. p.142;
(11) RICHARDS, Keith, with FOX, James. “Life. Chapter Four”. Little, Brown and Company: New York. Mindless Records, LLC. 2010. p.170;
(12) MARTIN, Dean. No Hollywood Palace, um programa semanal de televisão da ABC. American Broadcasting Company. EUA. A 6 de Junho de 1964. Aos 1:53 minutos;
(13) BAS-RABÉRIN, Philippe. “Os que cresceram de forma incorrect. Situação”. The Rolling Stones. Colecção Rock On, No. 2. Centelha: Coimbra. 1981. Tradução de José Paulo Viana do original, Les Rolling Stones. p.16;
(14) COLEMAN, Ray. Would You Let Your Sister Go With A Rolling Stone”. Melody Maker. March 14, 1964. p.8;
(15) Se a grande maioria dos temas criados pelo grupo, nestes primeiros anos, vêm assinados pela dupla Mick Jagger/Keith Richards, alguns outros (Stoned, Now I’ve Got A Witness, Little By Little, Empty Heart, 2120 South Michigan Avenue e We Want The Stones) acabariam por ser atribuídos a Nanker Phelge, Nanker/Phelge ou apenas Phelge.  O(s) pseudónimo(s) nasce(m) por sugestão de Brian Jones e atribuía a autoria dos temas ao colectivo Stones, inclusive, em alguns casos, a Ian Stewart.
Lista de canções escritas pelo grupo até Junho de 1965, aonde aparecem pela primeira vez:
Em 1963: Stoned (lado B, single I Wanna Be Your Man, Novembro*);
Em 1964: You Better Move On (EP Rolling Stones, Janeiro*), Little By Little (de co-autoria com Phil Spector, single, B, Not Fade Away, Fevereiro*), Now I’ve Got A Witness e Tell Me (You’re Coming Back) (LP The Rolling Stones, Abril*), Good Times, Bad Times (single, B, It’s All Over Now, Junho*), Empty Heart e 2120 South Michigan Avenue (EP Five By Five, Agosto*), Congratulations (single, B, Time Is On My Side, Setembro*), Grown Up Wrong (LP 12X5, Outubro**), Off The Hook (single, B,  Little Red Rooster, Novembro*), Heart Of Stone e What A Shame (single, Dezembro**);
Em 1965: The Last Time e Play With Fire (single, Fevereiro*), We Want The Stones e I’m Alright (EP Got Live If You Want It!, Junho*);
Publicado pela primeira vez: * no RU; ** nos EUA;
(16) RICHARDS, Keith, with FOX, James. “Life. Chapter Five”. Little, Brown and Company: New York. Mindless Records, LLC. 2010. p.173;
(17) WENNER, Jann S.Jagger Remembers. The Rolling Stone Interview”. Rolling Stone, Issue 723. December 14, 1995. p.55;
(18) “1. (I Can’t Get No) Satisfaction. The 100 Best Singles Of The Last 25 Years”. Rolling Stones, Issue 534. September 8th, 1988. p.63;
(19) COTT, Jonathan. “Rolling Stone Interview: Mick Jagger”. Rolling Stone, No. 19. October 12, 1968. p.15;
(20) WYMAN, Bill. “Travellin’ Band”. Rolling With The Stones. Riplle Productions and Richard Havers, Darling Kindersley Limited: New York. 2002. p.180
(21) WENNER, Jann S.Jagger Remembers. The Rolling Stone Interview”. Rolling Stone, Issue 723. December 14, 1995. p.54;
(22) NELSON, Murry R.The Stones as a Number One Band, 1965–1967”. The Rolling Stones : A Musical Biography. Greenwood/ABC-CLIO, LLC: Santa Barbara. p.38;
(23) WADHAMS, Wayne. “Chapter 7. The Rolling Stones: No Holes Barred. Part III. The British Invasion, First Wave: Adventures in Excess and Elegance”. Inside the Hits: The Seduction of a Rock and Roll Generation. Berklee Press: Boston. 2001. p. 220;
(24) BAS-RABÉRIN, Philippe. “«Satisfaction» e «Aftermath». Os Rolling Stones através dos discosThe Rolling Stones. Colecção Rock On, No. 2. Centelha: Coimbra. 1981. Tradução de José Paulo Viana do original, Les Rolling Stones. pp.113/114;
(25) REYNOLDS, Simon, and PRESS, Joy. “Born to Run: Wanderlust, Wilderness and the Cult of Speed. Part 1: Rebel Misogynies”. The Sex Revolts: Gender, Rebellion And Rock ‘n’ Roll. Harvard University Press: Cambridge. 1996. p. 45;
(26) MARSH, Dave. “6. (I Can’t Get No) Satisfaction”. The Heart Of Rock & Soul: The 1001 Greatest Singles Ever Made. Da Capo Press: New York. 1999. p. 8;
(27) “No. 2. (I Can’t Get No) Satisfaction. The 500 Greatest Songs Of All Time”. Rolling Stone, Issue 963. December 9, 2004. p.68
(28) RICHARDS, Keith, with FOX, James. “Life. Chapter Five”. Little, Brown and Company: New York. Mindless Records, LLC. 2010. p.177;
(29) COTT, Jonathan. “Rolling Stone Interview: Mick Jagger”. Rolling Stone, No. 19. October 12, 1968. p.16;



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