Stephen Stills em 1967
Os The Squires e o carro funerário
Neil Young tinha entretanto descoberto que nunca iria ser Dylan e aceitando o convite de um seu compatriota, Bruce Palmer, passa a ensaiar com os Mynah Birds, uma formação com origem em Detroit e que tocava uma espécie rock’n’ soul, cuja figura principal era o “Mick Jagger negro”(2), Ricky James Mattews, na altura um desertor da marinha dos EUA mas, anos mais tarde, uma das poucas estrelas da já decadente Tamla Motown, conhecido pelo nome de Rick James. Mas quando este foi apanhado em Detroit, o grupo viu-se desamparado e, naturalmente, acabou por se separar tendo os dois que nos interessam para esta estória, acabado por regressar ao Canadá mas pouco tempo depois estavam a caminho de Los Angeles aonde, depois de uma série de aventuras, chegam no começo de 1966. Uns dias depois quando iam a caminho de S. Francisco para tentar a sua sorte por lá, Furay recorda o que aconteceu: «(...) demos com o Neil descendo o Sunset Boulevard a caminho de São Francisco. Nós íamos numa carrinha branca e vi um carro funerário preto com matrícula canadiana a rodar em sentido contrário. Lembrei-me de Still me ter dito que Young tinha um carro funerário preto. Por isso, fomos atrás dele. Convencemo-lo a vir pelo menos ouvir a nossa interpretação de Clancy. Ele ouviu e gostou e então, ele mais o guitarra-baixo, resolveram formar o grupo.»(2)
Grupo formado e adoptado o nome de Herd, passaram à procura de um baterista – Neil Young acabaria por o encontrar num seu compatriota, Dewey Martin, que recentemente tinha sido despedido dos Dillards, um grupo de música country, e que possuía um experiência que nenhum dos outros sonhava então vir a ter.
Um belo dia, depois de depararem com um compactador de estradas e por uma qualquer obscura razão, decidiram mudar o nome do grupo para Buffalo Sprinfield e é com esse nome que iniciam a sua ascensão assinando um contrato para actuar no The Troubadour de Hollywood, a 11 de Abril. Dias depois, entre 2 de Maio e 18 de Junho, graças ao vocalista/guitarrista dos The Byrds, Chris Hillman, conseguem um novo contrato como grupo residente do Whisky a Go Go, o que significava seis actuações por semana e algum dinheiro garantido... e rapidamente conseguem congregar uma série de boas vontades, de outros músicos a incondicionais fãs, em seu redor [«A princípio, estava lá apenas um punhado de pessoas até que a notícia se espalhou e então já toda a gente queria lá estar. Tornou-se no local favorito. Apareciam por ali todos – Barry McGuire, Sonny and Cher, os Mamas and The Papas.»(3)]. No mês seguinte, o contrato com a Atco Records (uma subsidiária da Atlantic Records) de Ahmet Ertegün, surge assim como algo natural... «(...) e o grupo foi directo para o Gold Star Studios para começar a gravação, com um orçamento de 22.000 dólares - um verdadeiro luxo para um projecto de folk-rock.»(4)
Buffalo Springfield no Avalon Ballroom em finais de 1966
Buffalo Springfield em 1966
Gravado nos Gold Star Studios, de Los Angeles, Califórnia, entre meados de Julho (Go and Say Goodbye e Nowadays Clancy Can’t Even Sing, no dia 18, para o single de introdução do grupo) e Setembro (Flying on the Ground Is Wrong, o último tema a ser registado, no dia 10), apresenta um trabalho maduro e seguro, variando entre as faixas beat, naturalmente influenciadas pelos The Beatles ou, com um pouco de boa vontade, pelo som de outros grupos britânicos (Sit Down I Think I Love You, Flying on the Ground Is Wrong, Do I Have to Come Right Out and Say It, Baby Don’t Scold Me) e as que procuravam novas vias nos sons tocados localmente (Go and Say Goodbye e Pay the Price)... pelo caminho ficam canções que podem ser consideradas verdadeiramente originais (Nowadays Clancy Can’t Even Sing, Leave, Hot Dusty Roads, Burned e Out of My Mind) e os primeiros sinais de alguma preocupação com o universo que os rodeava (Everybody’s Wrong: Listen to my song/ It isn’t very long/ You’ll see before I’m gone/ That everybody’s wrong).
Mas uma vez mais, tal como tinha acontecido com o single inicial, os seus dois mais ambiciosos membros, Stephen Stills e Neil Young, acabariam por não conseguir o seu grande objectivo de se verem no topo e de usufruírem da vã glória de o terem atingido – Young ameaça abandonar o grupo, Stills luta para o manter unido e, por uma qualquer intervenção divina, em Novembro de 1966, ele encontra a solução mágica quando compõe um tema sobre uma das habituais escaramuças que envolviam a polícia e o grupo de jovens que frequentavam o Sunset Boulevard– entre os quais ele próprio: alguns activistas tinham distribuído panfletos a anunciar uma manifestação para o fim dessa noite, incentivando todos os jovens a quebrar o recolher obrigatório imposto pelas autoridades locais. Mais tarde, vários anúncios em rádios locais, acabariam por dirigir os manifestantes para o Pandora’s Box, um clube situado numa das esquinas do Sunset Boulevard, e foi lá que se desenvolveu toda a acção que motivou Stills.
O Pandora’s Box
Cerca de três semanas depois, a 5 de Dezembro, o grupo regressa ao Gold Star Recording Studio, em Hollywood, para gravar o tema que entretanto tinha sido trabalhado por Stills e Neil Young e, em menos tempo, o single com produção entregue a Charles Greene e Brian Stone, acabaria por vir a ser publicado (a 9 de Janeiro de 1967) e a conseguir atingir o #7 da tabela nacional da Billboard (a 18 de Março de 1967).
A capa do single
There’s something happening hereBut what it is ain’t exactly clearThere’s a man with a gun over thereTelling me I got to beware
em que Stills exige a si próprio uma dialéctica contida, como se fosse um jornalista em pleno exercício da sua independência informativa,
There’s battle lines being drawn
Nobody’s right if everybody’s wrongYoung people speaking’ their minds
Getting so much resistance from behind
evitando assumir qualquer posição que possa ser considerada emotiva perante o que vai presenciando: o «homem com a pistola», na primeira estrofe, não é identificado como um polícia quando todos sabemos que o é; na segunda estrofe, concede que «ninguém está certo se todos estão errados» – uma verdade lapalissiana mais do que evidente mas nem por isso menos ambígua, mesmo que, entretanto, nos vá dizendo que o «homem com a pistola» o avisa (ameaça!) para ter cuidado e que os jovens, não só vão encontrando resistência ao que lhes pesa na alma, como também que o seu número não se limita a uma dezena mas a “milhares” e que, por agora, apenas vão cantando canções e exibindo cartazes aonde a mensagem é sem dúvida alguma, não-violenta (hooray for our side!),
What a field day for the heat
A thousand people in the streetSinging songs and carrying signs
Mostly saying, “hooray for our side”
A quarta estrofe é a mais “engagé” de toda a letra e aonde, consequentemente, Stills desconstrói, de algum modo, todo o seu discurso anterior quando enuncia que a paranóia atinge fundo com as suas evidentes consequências mas que ela existe em resultado da repressão exercida pelo sistema («sai fora da linha e os homens vêm e levam-te»).
Paranoia strikes deep
Into your life it will creepIt starts when you’re always afraid
Step out of line, the men come and take you away
Em termos musicais, o ambiente criado essencialmente pela guitarra de Young, recorrendo a um tremolo, inicialmente acompanhada apenas pela bateria, que rapidamente (aos 0:06) recebem o reforço de “duas” guitarras acústicas e do baixo, servem na perfeição o suspense exigido pelas palavras cantadas de algum modo, num tom monocórdico, por Stills (a partir de 0:10). O mantra só virá a ser quebrado com a introdução (aos 0:28) do refrão:
I think it’s time we stop
Children, what’s that sound?Everybody look… what’s going down?
…de realçar o recurso de Stills, ao vocábulo “criança”!
Nova mudança de ritmo virá a surgir (aos 1:01) quando Stills sublinha from behind pouco antes de voltar ao refrão e a introduzir o definitivo desenvolvimento emocional (a partir dos 1:08) do tema com o dramatismo emprestado pelos coros (1:20) que, quanto a mim, apenas serve para dar relevo à definitiva quarta estrofe (1:51), aonde ele abandona a sua posição “neutra” e Young desenvolve, da sua parte, um solo cheio de sentimento acompanhado pelas palmas sincopadas do resto do grupo.
A etiqueta da face A do single
Nos anos seguintes várias versões tentaram recriar o tema, notoriamente, por nomes ligados à luta cívica afro-americana da época, como os The Staple Singers (a melhor reinterpretação de todas – com o seu habitual toque da Medusa!!!) ou Lou Rawls. Em 1969, uma fanhosa Chér recupera o tema numa tentativa de o tornar num tema mais simples e quase o consegue (apesar de ele já ser então muito popular!) e, no ano seguinte, Sérgio Mendes, acompanhado por uma das muitas versões do seu grupo Brasil e inclinado a dar uma pitada de “militância” à inócua corrente easy listenning, o estilo aonde ele ia elaborando a sua criatividade, cria a sua própria versão... e (é apenas a minha opinião!), diga-se que com algum sucesso para o que era habitual nessa corrente.
«Olha, em 1964 escrevi “For What It’sWorth” e ela era sobre uma revoluçãopela primeira vez numa canção.»– Stephen Stills(8)
«Isto foi, em quê… 1965? E acaboupor ser uma espécie de indicativo do
que estava prestes a acontecer. Masnão tinha nada a ver com o Berkeley
Free Speech ou o Mario Savio ou qual-
quer um desses tipos. Quero dizer, pen-
so que ele era um chato... já para não
dizer a porra de um comunista! Heh,
heh, heh! Quero dizer, eu sou apenas
um músico.»
– Stephen Stills(9)
«Convenientemente para os historia-
dores, a nova era do “rock” foi inicia-da em Janeiro de 1967 com o primeiro
single dos Buffalo Springfield, “For
What It’s Worth”. (…) Como “Blue
Suede Shoes” tinha sido para os fãs de
rock’n’roll dez anos antes, “For What
It’s Worth” tornou-se um hino para o
novo público de rock.»
– Charlie Gillet(10)
«“For What It’s Worth” não é um gri-
tante apelo à revolução como “LightMy Fire” ou “Woodstock”, ou uma das
salvas contra o sistema social e político
de Hendrix ou dos The Who. Não há
nenhum “we’re not gonna take it” ou
“our love becomes a funeral pyre”. Em
vez disso, os Buffalo Springfield fazi-
am-no serenamente, perguntando como
podemos ficar em silêncio com o que
está a acontecer.»
– Wayne Wadhams(11)
«Dificilmente um número típico de pro-
testo, “For What It’s Worth” não mo-raliza ou escolhe um dos lados; em vez
disso, expõe os factos a preto e branco
e pediu moderação: “Stop! Hey, what’s
that sound” era o refrão.»
– Rolling Stone(12)
______________
(1) MCDOUGALL, Allan R. “A Conversation with Stephen Stills.” Rolling Stone, No. 77. March 4, 1971. p. 32;(2) KOEPP, David. “History of Buffalo Springfield”. Trouser Press, No. 35, January 1979, citado por ROGAN, Johnny. “Os Velhos Tempos do Folk”. Neil Young; A História Definitiva da Sua Carreira Musical. Assírio e Alvim: Lisboa. 1983. Tradução de Sérgio Portugal. p. 37;
(3) ROGAN, Johnny. “1966 - A Luta Pela Fama”. Neil Young; A História Definitiva da Sua Carreira Musical. Assírio e Alvim: Lisboa. 1983. Tradução de Sérgio Portugal. p. 42
(4) WADHAMS, Wayne. “Chapter 6. Buffalo Springfield. What’s Wrong With This Picture?” Inside The Hits; The Seduction of a Rock and Roll Generation. Berklee Press: Boston. 2001. p. 276;
(5) ROGAN, Johnny. “1966 - A Luta Pela Fama”. Neil Young; A História Definitiva da Sua Carreira Musical. Assírio e Alvim: Lisboa. 1983. Tradução de Sérgio Portugal. pp. 47/48
(6) “57. For What It’s Worth. The 100 Best Singles of the Last Twenty-five Years”. Rolling Stone, Issue 534. September 8th, 1988. p. 124;
(7) DURCHHOLZ, Daniel, e GRAFF, Gary. “Expecting to Fly, 1966 – 1968”. Neil Young: Long May You Run: The Illustrated History. Voyageur Press: Minneapolis. 2011. pp. 32/33;
(8) VALENTINE, Penny. “The Sounds Talk-In. Stephen Stills and Neil Young.” Sounds. November 21, 1970. in 4 Way Street; The Crosby, Stills, Nash & Young Reader. Edited by ZIMMER, David. Da Capo Press: Cambridge. 2004. p. 94
(9) CHRISTENSEN. Mark. “Long Time Gone.” Rolling Stone, Issue No. 461. November 21st, 1985. p. 50;
(10) GILLETT, Charlie. “Echoes From The City Centres, 1962-71”. The Sound Of The City; The Rise Of Rock And Roll. First Da Capo Press: New York. 1996, 1970 e 1983. pp.344/345.
(11) WADHAMS, Wayne. “Chapter 6: Buffalo Springfield - What’s Wrong With This Picture. Part 4: Meanwhile, Back at the Ranch.”. Inside the Hits: The Seduction of a Rock and Roll Generation. Berklee Press: Boston. 2001. p. 279;
(12) “57. For What It’s Worth. The 100 Best Singles of the Last Twenty-five Years”. Rolling Stone, Issue 534. September 8th, 1988. p. 124.