O Anti-Semitismo e a Questão Palestiniana
«Autoridade Palestiniana
(…)
2. O jornal da AP, ‘Al-Hayyat Al-Jedida’, publicou em inícios de Maio, a queixa de que ‘Israel libertou intencionalmente, porcos junto das quintas Palestinianas nas zonas de Ramallah e Salafit com a intenção de provocar danos à agricultura. Residentes Palestinianos afirmaram terem visto oficiais Israelitas libertarem um grande número de porcos para estragarem as suas quintas. De acordo com estes, recentemente, o número de porcos selvagens aumentou visivelmente e anormalmente.’
Líbano
A 19 de Abril, o jornal Libanês sediado em Londres ‘Al-Hayyat’ publicou na primeira página um poema descrevendo o Primeiro Ministro Sharon como tendo aprendido os métodos de Hitler, e o Rabi Ovadia Yosef como o Filho do Diabo e um vil feiticeiro.»
Aparentemente, qualquer análise crítica à política interna ou externa de Israel, feita por não-judeus, passou a merecer automaticamente a sentença de “anti-semitismo”, esse chavão que Ran HaCohen, um judeu “maldito”, define como o «mais importante elemento da identidade Judaica».
Se recorro à palavra “aparentemente” é porque se a não usasse correria, também, o risco de vir a ser englobado no vasto rol de fanáticos “anti-semitas”(1) de que é composto o universo não-judeu.
Sejamos claros: admitindo a possibilidade remota de que entre os críticos à política israelita, há um elevado número deles – a maioria? – que possa de algum modo aliar as suas posições críticas com as anti-semitas, não se consegue adivinhar em que base, quer o governo israelita, quer os grupos internacionais de pressão pró-Israel, se sustentam para insistir no princípio simplista e redutor de que quem não apoia incondicionalmente Israel é, só pode ser, contra os judeus, e daí concluir que é um anti-semita(2) - ou será que é como alguém já colocou a questão: “Hoje, anti-semita não é quem odeia judeus mas sim quem é odiado pelos judeus.”
Para qualquer um de nós será fácil de compreender – e por isso até aceitar – porque é que um agricultor palestiniano que veja as suas terras serem confiscadas pelo mais recente plano israelita de defesa, o chamado “muro de segurança”(3), se torna num “anti-semita”. Tão fácil como para o caso de qualquer jovem palestiniano, desempregado e sem futuro imediato, que vê um amigo seu passar de simples transeunte a vítima (“mártir”, na inflamada versão palestiniana) de um qualquer míssil que visava “eliminar selectivamente” o líder do Hamas, o xeque Ahmed Yassin. Já não será assim tão fácil perceber a “sentença” atribuída ao actor-realizador Mel Gibson que, de um dia para o outro, passou a ser mais um “anti-semita” só porque o seu filme The Passion of the Christ(4) “reforça que as autoridades e a multidão judaicas são, no fim, as responsáveis” pelo calvário do judeu Jesus Cristo, ou ainda, porque é que a Europa sofre de “anti-semitismo colectivo”(5) apenas porque 60% dos inquiridos num inquérito feito no espaço da UE, respondeu que a maior ameaça à segurança mundial era Israel. E, claro, já nem vale a pena estar a debruçarmo-nos sobre o facto de que a maioria, quase plena, das nações representadas na Organização das Nações Unidas (ONU)(6), pelos vistos, também afinam pelo diapasão do “anti-semitismo”...
Mas tudo se torna mais fácil de abarcar se tivermos em conta que apesar de de facto e mais do que nunca, o anti-semitismo, na sua única variante aceite, a anti-judaica, passou a ser não apenas um crime, legislado e combatido internacionalmente, mas também uma atitude que está directamente associada à “vergonha” que a longa história de perseguições aos judeus no Ocidente(7), dos primórdios greco-romanos do cristianismo ao genocídio nazi-fascista, ainda nos provoca – ninguém minimamente sensível gosta de ser/estar associado, seja de que modo, a esse crime contra a humanidade a que se resolveu chamar de Holocausto. E o estado judaico, bem como quase todas as organizações internacionais judaicas que se espalham por este nosso mundo, ao se aperceberem das possibilidades que essa arma lhes permite alcançar, passaram a usá-la indiscriminadamente, isto é, sempre que lhes traga pontos na campanha de propaganda que têm vindo a prosseguir - com sucesso, diga-se - desde que a iniciaram abertamente em 1897, com a criação da Organização Mundial Sionista e a proclamação do Programa de Basel – do local na Suíça aonde se realizou o 1.º Congresso Sionista(8) – sobre a Colonização da Palestina.
Que a “jogada” tem vindo a resultar não restam dúvidas, apesar de um crescente apoio à causa palestiniana se vir verificando entre a chamada opinião pública internacional, e de isso se reflectir no discurso público dos dirigentes políticos internacionais(9) mais renitentemente pró-Israel – só resta perguntar a Israel, por quanto tempo mais julgam que isso será possível e a que preço(10).
As vítimas do Holocausto, que nos merecem todo o respeito que Israel constantemente evoca, deveriam servir-nos, acima de tudo, como uma chamada de atenção para situações idênticas que têm vindo a ocorrer, mesmo para aquelas em que em nome das vítimas de ontem, os carrascos de hoje se encarregam de as prosseguir.
Notas:
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(1) rol de fanáticos “anti-semitas” – PILKINGTON, Ed. “US free speech row grows as author says Jewish complaints stopped launch party”, Guardian Unlimited, October 11, 2006, Guardian Newspapers Limited, 2006 ;
(2) semita – Qualquer dicionário on-line permite descobrir que a palavra significa “(d)os numerosos povos do antigo sudoeste asiático (...), Hebreus, e Árabes,” e “b: descendentes destes povos” mas que anti-semitismo só se aplica no sentido “contra os Judeus como grupo religioso, étnico e racial - Merriam-Webster Online Dictionary . Consultar ainda SCHÜHLEIN, F. “Semites”, The Catholic Encyclopedia. Volume XIII, Robert Appleton Company, 1912, Online Edition, 2003 by K. Knight ;
(3) “muro de segurança” - “Q&A: What is the West Bank barrier”, BBC News, British Broadcasting Corporation, 2004/02/23 // “Guide to the West Bank Barrier”, BBC News, British Broadcasting Corporation // SZYMANSKI, Tekla. “Israel ’s Security Fence: Back To The Wall”, Tekla Szymanski Editor/Jounalist // "Israel ’s Security Fence”, Israel Ministry of Defence ;
(4) The Passion of the Christ - “Anti-Defamation League crucifies Gibson's Passion”, Guardian Unlimited, August 12, 2003, Guardian Newspapers Limited, 2006 // “ADL and Mel Gibson's "The Passion of the Christ". Frequently Asked Questions”, Anti-Defamation League, 2004 // ALLEN JR, John L. “Jewish activist to Vatican on Gibson movie: 'It is not as it was'”, World, National Catholic Reporter, February 27, 2004, The Independent Newsweekly, NCRONLINE.ORG, The National Catholic Reporter Publishing Company // ZAK, Steven. “Obscenity test”. March 21, 2004, isarelinsider, Koret Communications Ltd // “Schneider chides Gibson as Hollywood remains tight-lipped”, Guardian Unlimited, August 4, 2006, Guardian Newspapers Limited, 2006 // “Mel Gibson apologises for anti-semitic outburst”, Guardian Unlimited, October 11, 2006, Guardian Newspapers Limited, 2006 // “In brief: Stars defend Gibson”, Guardian Unlimited, August 7, 2006, Guardian Newspapers Limited, 2006 // RIDDELL, Mary. “Why are we crucifying Mel Gibson?”, The Observer, Guardian Unlimited, August 6, 2006, Guardian Newspapers Limited, 2006 ;
(5) Europa sofre de “anti-semitismo colectivo” –VIDAL, Dominique. “Are the French really antisemitic?”, Le Monde diplomatique, English edition, December 2002 // BUTLER , Judith. “No, it's not anti-semitic”, London Review Of Books, LRB Vol. 25, No. 16, 21 August 2003 // ROSENTHAL, John. “Anti-Semitism and Ethnicity in Europe”, Policy Review No. 121, October 2003, Hoover Institution, Stanford University // “Viewpoints: Anti-Semitism and Europe ”, BBC News, British Broadcasting Corporation, 3 Dec., 2003 // PIPES, Daniel. “Do Jews Have a Future in Europe ?” Jewish World Review Dec. 9, 2003 // “EU COMMISSION PRESIDENT PRODI SETS RECORD STRAIGHT ON ANTI-SEMITISM”, News Release No.1/04, January 6, 2004, European Union - Delegation of the European Commission to the United States, 2004 // “ADL Survey Finds Some Decrease In Anti-Semitic Attitudes In Ten European Countries”, Press Release, Berlin, Germany, April 26, 2004, Anti-Defamation League // “"Something is Rotten in the State of Europe": Anti-Semitism as a Civilizational Pathology. An Interview with Robert Wistrich”, Post-Holocaust and Anti-Semitism No. 25, 1 October 2004, Jerusalem Center for Public Affairs // KEINON, Herb, and Michael Freund. “Israeli envoy slams Norway 's royals”, Jerusalem Post, September 26, 2006 - 15:17, Updated September 26, 2006 - 23:38, 1995 - 2006 The Jerusalem Post ;
(6) Organização das Nações Unidas (ONU) - ABRAM, Morris B. “Anti-Semitism in the United Nations”, United Nations Watch, February 1998, 2006 The American-Israeli Cooperative Enterprise // “U.N. Bias Against Israel”, Israel Science and Technology Directory, 1999-2004 // “UN, Israel & Anti-Semitism. Demonization of Israel : "Zionism is Racism"”, United Nations Watch (UN Watch), 2006 ;
(7) perseguições aos judeus no Ocidente – “Anti-Semitism”, Wikipedia, the free encyclopedia, 13 October 2006 // Grobman, Gary M. “Classical and Christian Anti-Semitism”, remember.org. A Cybrary of the Holocaust, 1990 ;
(8) 1.º Congresso Sionista - “The First Zionist Congress and the Basel Program”, Jewish Virtual Library - The American-Israeli Cooperative Enterprise, 2006 ;
(9) discurso público dos dirigentes políticos internacionais - ”Bush 'committed to Palestinian state'”, BBC News, British Broadcasting Corporation, June 03, 2003 // ”US seeks to reassure Palestinians”, BBC News, British Broadcasting Corporation, 2004/05/11 ;
(10) a que preço – “Israel 'worried over world image'”, BBC News, British Broadcasting Corporation, 13 October, 2004 // “Victims of Palestinian Violence and Terrorism since September 2000”, Israel Ministry of Foreign Affairs, 27 Sep 2000 ;
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