Regressando à Inglaterra de meados de 1968: pondo de
parte os Beatles e os Rolling Stones que então usufruíam um
estatuto de transcendência, os Yardbirds
eram, segundo o New Musical Express,
«a mais importante banda»(1) no panorama da nova cena musical britânica, o que não é
difícil de aceitar se tivermos em conta que numa época em que os guitarristas se
tornaram verdadeiros deuses, a sagrada trindade dos guitarristas britânicos (Eric Clapton, Jeff Beck e Jimmy Page) passaram pelo grupo e isto se
quisermos dar ao pecado da soberba, na forma de desprezo, pelos restantes nomes
dos que, desde o início (quando eles ainda se assumiam com o pomposo nome de The Metropolitan Blues Quartet) ou um
pouco depois, contribuíram para o som do grupo tornando-se na base sobre a qual,
vinham e iam os tais “deuses da guitarra”:
Chris Dreja no baixo, Keith Relf, o vocalista, e Jim McCarthy na bateria.
Jim McCarthy, Jimmy Page, Keith Relf e Chris Dreja
The Yardbirds, 1967
Mas ao fim de cinco anos de pressões diárias, é
precisamente a “base” do grupo que,
numa decisão algo bíblica, ao sétimo dia do sétimo mês desse ano, depois de um
concerto no Luton College of Technology,
de Bedfordshire, resolve assumir que tinha direito a desistir “autorizando” Page, o então guitarrista do grupo, a
cumprir em seu nome (e de qualquer maneira) a obrigação contratual
anteriormente assumida por todos eles de uma digressão pela Escandinávia
(Dinamarca+Suécia) – não sabendo eles que assim estavam apenas a dar “autorização”
à formação de um novo grupo que viria a ser conhecido por Led Zeppelin. Dreja,
apesar da sua decisão de já há algum tempo de abandonar o grupo a favor do seu
grande interesse, a fotografia, acabaria por se manter ao lado de Page a
fim de o ajudar a construir o novo núcleo com o velho nome...
«Na minha opinião,
a direcção do
grupo perdeu-se depois da saída de
Eric Clapton. (...)
Transformámo-
-nos numa máquina de fazer di-
nheiro.»
– Keith Relf(2)
«O grupo quase que
tinha medo do
nome que usava, embora não saiba
porquê. Eram uma grande banda.»
– Jimmy Page(3)
«Acho que tanto o
Peter Grant quan-
to o Jimmy se aperceberam do poten-
cial dos anos que se aproximavam,
nós já levávamos 5 anos daquilo (…)»
– Chris Dreja(4)
«A pior coisa foi
que logo depois de
nos termos separado, aconteceu tudo
aquilo, não foi?»
– Jim McCarty(4)
Uma série de factos iriam ser importantes na decisão
arriscada de Page,
aconselhado (espicaçado seria o mais correcto!) pelo perspicaz manager do
grupo, Peter
Grant, de querer continuar a lutar por uma nova formação do grupo: excluindo
a questão elementar de ele ter chegado à conclusão de que a sua carreira enquanto
músico de estúdio (carreira essa que, como alguém disse, se resumia apenas ao
impressionante currículo de «tocar guitarra-solo
e fornecer ideias em diversos discos cuja enumeração só seria possível através
do computador.»(1)) estava esgotada, Grant desenhou-lhe um futuro promissor aonde o estatuto
de idolatria conseguido pelos Cream
(um supergrupo constituído por Eric
Clapton, Jack Bruce e Ginger Baker, conhecido pelas suas “recuperações”
de blues mas com uma interpretação apropriada ao seu público adolescente e
branco e, por isso, essencialmente em volume alto e violento) estava às suas
mãos já que o grupo tinha anunciado o seu fim e aonde a (mais ou menos) recente
criação do grupo de Jeff Beck que, incluía
os flamejantes Rod Stewart e Ron Wood, nunca seria uma ameaça séria pois
ele sabia que devido ao carácter temperamental de Beck, pouco contemporizador com excessos “flamejantes”, o grupo não iria aguentar por muito mais tempo [«Não importa o quanto emocionantes eram no palco, se as
suas personalidades não se encaixavam, a banda nunca poderia durar.»
– Stephen Davis(5)]. Claro, havia a
avassaladora presença alienígena da Jimi
Hendrix Experience (Hendrix, um extraterrestre
genetica e culturalmente crioulo com origem na mátria Amerika, tinha sido levado
para o velho continente aonde não encontrando qualquer rival à sua altura, reduz
naturalmente todos os guitarristas locais à mera condição de aprendizes,
gerando assim entre eles reacções violentamente muito diversas...) mas nas
tabelas de vendas, In-A-Gadda-Da-Vida
dos Iron Butterfly e, Renaissance dos Vanilla Fudge, que tentavam recuperar o “volume alto e violento” dos Cream
faziam uma carreira comercialmente brilhante mesmo considerando a presença “in” dos novos percursores da folk/country
music, aonde a electricidade e o excesso de volume eram não só desprezados
mas despeitados, como no caso dos Incredible
String Band (que em Março publicam um testamento hippie com The Hangman’s
Beautiful Daughter e que antes do ano terminar, ainda fazem sair aquele que
é considerado o seu grande contributo para o rock, Wee Tam And The Big
Huge), Joni Mitchell (que também
em Março, dá à luz um documento intimista com Song To A Seagull), os Fairport
Convention (no mês seguinte, vêem o seu homónimo primeiro trabalho, aonde
era patente a procura de uma fusão ente o rock
e a folk britânica, ser considerado
um dos grandes discos do ano) mas, em especial, os The Band (que em Julho tinham provocado um verdadeiro sismo com o
seu primeiro trabalho de longa duração, Music
From Big Pink, que acabaria por gerar réplicas consideráveis um pouco por
todo o lado, de ambos os lados do Atlântico, dos Beatles aos Grateful Dead).
Com as datas marcadas para o início da imposta digressão
pela Escandinávia (e condicionadas a ela, outras agendas no Japão, Austrália e
EUA) a 7 de Setembro, Page, Dreja
e Grant
iniciam uma verdadeira “caça a músicos”:
os primeiros nomes a serem considerados, Terry
Reid e B.J. Wilson (que Page
encontrara aquando da gravação de With A Little Help From My Friends,
com Joe Cocker), devido a ligações
contratuais, manifestam-se indisponíveis.
John
Paul Jones, um habitué do
antigo universo de Page, o dos músicos de estúdio, e com quem tocara
em várias sessões mas que reunia algo mais como pergaminho, no que incluía para
além de ter contribuído com o seu baixo ter sido responsável pelo arranjo de partes
de temas para nomes sonantes, com indiscutível sucesso comercial (inicia-se em
meados de 1966 com Sunshine Superman, de Donovan,
e atinge o seu ponto mais alto em finais de 1967, com She’s A Rainbow, dos Rolling Stones, ficando pelo caminho
outros pergaminhos mais), tendo ouvido rumores sobre a formação de uma nova formação
dos Yardbirds, entra em contacto com
Page
mostrando-se interessado numa possível vaga...
«E eu disse ‘Bom,
se precisares dum
baixista, telefona-me.’ E ele respon-
deu ‘Está bem. Eu vou ver um cantor
que Terry Reid me indicou, e ele tam-
bém deve conhecer um baterista. Eu
telefono-te quando vir o que eles pa-
recem.’»
– John Paul Jones(6)
O vocalista a que Page se referia, era um “miúdo” ansioso por comemorar os seus 20 anos – Page já ia nos 24! – com o nome de Robert Plant
que, pela sua perseverança, conquistara o título de “The Wild Man of Blues from the
Black Country” mas que entretanto abandonara os blues a favor do San
Francisco Sound, deixando-se enfeitiçar pelos Buffalo Springfield, Moby
Grape mas acima de todos eles, pelos Love
[«Eu gostava de bons blues mas, de repente, já não conseguia
ouvir mais velhos blues. (...) Agora
soluço por Arthur Lee e os Love tocando ‘Forever Changes’.» – Robert Plant(7)] e sim, ele conhecia um baterista que tinha alinhado com ele nos Crawling King Snakes e, posteriormente,
nos The Band Of Joy, com a sugestiva
alcunha de Bonzo
mas cujo verdadeiro nome era John Bonham.
«Eu sabia que
Jimmy era um bom gui-
tarrista e Robert um bom cantor e por
isso, mesmo que nós não tivéssemos
qualquer sucesso, pelo menos, seria um
prazer tocar num bom grupo.»
– John Bonham(8)
Logo no primeiro ensaio realizado (muito provavelmente) a
12 de Agosto na cave de uma discoteca situada na Gerrard Street, de Londres,
eles apercebem-se de que existia uma base sólida para prosseguirem juntos: «Começámos a rir uns para os outros. Talvez tenha sido de
alívio ou por sabermos que poderíamos curtir juntos.» – Jimmy Page(9)
Cerca de duas semanas antes de embarcarem para a Escandinávia,
os quatro participam nas sessões de gravação do álbum Three Week Hero, de P.J.
Proby. Para além de outros
contributos mais ou menos individuais, aqui e ali ao longo do álbum, e dos
arranjos feitos por John Paul Jones para algumas das faixas, há a
certeza de que eles participaram juntos no título Jim’s Blues, uma das partes
do “medley” com que termina o álbum.
The New Yardbirds, 1968
A 7 de Setembro de 1968, ainda com o nome de Yardbirds, dão o seu primeiro concerto no
Teen-Clubs de Gladsaxe, Dinamarca, marcando assim o início
da obrigatória digressão pela Escandinávia, que que se prolongará até ao dia 17.
No Teen-Clubs, Gladsaxe
De regresso a Inglaterra e depois de um concerto no Mayfair Ballroom de Manchester (a 4 de
Outubro), conseguem com alguma sorte, uma data no famoso Marque Club (a 18 de Outubro) – será a sua última actuação como The New Yardbirds: dois dias depois
passavam a usar o nome de Led Zeppelin.
Melody Maker, Oct. 19, 1968
«Keith
sugeriu o nome: “Podemos cha-
mar-lhe Lead Zeppelin, porque só pode
ir para baixo, como um balão de chum-
bo.” Eu pensei que era um grande e não
me esqueci dele.»
– Jimmy Page(10)
Resumidamente, a estória do lead Zeppelin (Zeppelin de chumbo) recua às sessões de gravação do
tema Beck’s
Bolero, de Jeff Beck, com
produção de Page
e que contava com Beck e Page nas
guitarras, John
Paul Jones no baixo, Nicky
Hopkins no piano e, claro, o grande protagonista da estória, o baterista
dos The Who, Keith Moon – supostamente, Steve
Winwood seria o nome a considerar para vocalista – embora Richard Cole, o “personal manager” dos Led Zeppelin, afirme que a ideia veio antes de John Entwistle, o baixo dos The Who.(11)
«Quando a banda
regressou a Londres,
o “a” foi retirado ao lead para que os
Americanos não pronunciassem errada-
mente como leed.»
– Stephen Davis(12)
A 23 de Novembro de 1968, Page e Grant assinam com a Atlantic Records – 200 mil dólares adiantados
e a garantia, por parte do patrão da etiqueta, Ahmet Ertegun, de total independência do grupo quanto ao seu futuro
material, teriam sido determinantes...
Peter Grant, Page e Ahmet Ertegün
Rolling Stone, No. 24. Dec. 21, 1968. p.6
Logo a seguir ao Natal, a banda parte para a sua primeira
digressão norte-americana que se prolongará até meados de Fevereiro do ano
seguinte, a qual seria a última em que eles actuariam como grupo de suporte... na
seguinte, iniciada a 6 de Julho desse ano de 1969, passam, com extraordinárias
excepções, a ser ora o grupo principal, ora o único em cena.
Nesses dois anos seguintes (1969 e 1970) gravam três
extraordinários álbuns que, em geral, são recebidos pela crítica musical como
excelentes trabalhos (embora tenha aqui de reconhecer a mais do que notável
excepção da Rolling Stone: John Mendelsohn, sobre o primeiro disco
do grupo, escreveria algo como: «Na sua vontade de
desperdiçar o seu considerável talento em material indigno, os Zeppelin
produziram um álbum que infelizmente é uma reminiscência de Truth.»(13) e sobre o segundo, recorrendo à ironia: «Ei, meu, eu retiro tudo! Este é um foda-se de um peso
pesado de álbum! (...) Tenho de admitir que ainda não o ouvi em
estado normal – não creio que um grupo assim pesado seja mais apreciado dessa
maneira.»(14). Quanto ao terceiro, já com Mendelsohn fora do circuito, o
impiedoso Lester Bangs decide manter
a toada: «De facto, quando ouvi pela primeira vez o
álbum a minha principal impressão foi o consistente anonimato da maioria das canções
(...)»(15)). Em sentido contrário, o público rendido
incondicionalmente, fá-los-á crescer álbum após álbum (o I, no Reino Unido, atinge o #6 – nos
EUA, o #10; o II
e o III,
quer no RU quer nos EUA, chegam ao #1).
Algumas extravagâncias do “sistema”
viriam, por sua vez, a contribuir para a mitologia que se foi criando ao seu
redor: os promotores dos concertos em Chicago, em Fevereiro de 1968 (a 7 e 8),
presenteiam-nos com relógios de ouro de 18 quilates da Tiffanny. Dois anos depois,
em 1970, para poderem actuar em Copenhaga, são obrigados a adoptar um outro nome
para a ocasião (The Nods) já que, para a família von Zeppelin,
qualquer associação do seu aristocrático nome ao grupo era, na minha
interpretação mais suave, uma desonra («Eles até podem
ser mundialmente famosos, mas um par de macacos guinchantes não vão usar o nome
de uma família privilegiada sem autorização.» – Eva von Zeppelin); entretanto, várias
das suas actuações ao vivo acabam em desordem generalizada com o grupo sugerindo
que isso se devia essencialmente à actuação maligna das forças policiais e, convém
não esquecer ainda, todos os rumores que envolviam a banda e que cresciam
exponencialmente com o seu sucesso: ora dando-os como praticantes das artes
pagãs de magia negra (com Page a ser apontado quase como um fanático seguidor
do famoso ocultista inglês Aleister Crowley);
ou estórias obscuras centradas em torno de Grant, aonde ele era retratado como um rufia mafioso;
ora ainda, como “se sabia” (pelo
menos entre os seus fãs em Luanda, aonde eu vivia então!), que Plant
tomava hormonas femininas para conseguir “aquela”
voz.
Cartaz publicitário, Nov. 1971
O quarto álbum, Untitled, mas muito mais conhecido por IV, Four Symbols, a imagem dos quatro símbolos (escolhidos por cada um dos membros do grupo e inscritos
no interior do álbum) ou ainda por ZoSo (do símbolo
escolhido por Plant
e que o levaria a manifestar o seu desagrado pois, segundo ele, essa escolha
quebrava a unidade e a harmonia no interior dos Zeppelin), começa a ser registado em
Dezembro de 1970 com o grupo a iniciar a gravação de Stairway
To Heaven, o tema que para muitos é a pièce de résistance do LP,
numa ex-igreja recentemente convertida em estúdio pela Island Records, na Basing Street de Londres(16). Pouco depois do
Natal e não tendo o grupo avançado muito mais, por sugestão dos Fleetwood Mac, mudam-se para a Headley Grange [«Aparentemente, em tempos fora um reformatório vitoriano.
(...) Era uma casa de três pisos, com um enorme
corredor aberto com uma escada que subia. (...) Eu adorei-a. Na
verdade, era um lugar muito austero. Pessoalmente, gostei da sua atmosfera, mesmo
muito.» – Jimmy Page(17)] aonde viriam a terminar Stairway
To Heaven e a gravar as restantes faixas do álbum (para além de outras
três mais) recorrendo ao Rolling Stones
Mobile Studio, supervisionado pelo famoso “sexto Stone”, Ian “Stu” Stewart (em sua honra, o grupo acabaria
por compor o tema Boogie with Stu que viria a ser incluído
mais tarde no seu álbum de 1975, Physical Graffiti). Os posteriores trabalhos de produção (a cargo
de Page,
com a colaboração de Grant) viriam a ser feitos num breve regresso aos
estúdios da Basing Street. Por sugestão do
engenheiro de som Andy Johns, a
mistura final é agendada para o Sunset
Sound, em Los Angeles, o que só foi possível depois do fim da digressão
britânica, a partir de 1 de Abril (data do seu último concerto, no Paris Cinema Theatre, em Londres), com
Page
a contar com a presença de Andy e,
esporadicamente, do seu irmão, Glyn. Em finais de Abril, com o álbum dado por terminado,
Page
regressa a Londres mas ao ouvir o resultado final no Olympic Studios, descobre que o que estava a ouvir nada tinha a ver
com o que tinham conseguido em Los Angeles [«Não se
parecia em nada com o que era em L.A, eu estava estupefacto. (...)
Eu ainda não sei o que aconteceu.» – Jimmy Page(18)]. Novas misturas acabariam por ter de
ser feitas a partir das gravações originais (com excepção do tema When The Levee Breaks), em vários estúdios
ingleses e, essencialmente, com a ajuda do engenheiro George Chkiantz(19).
«Eu deveria ter
escolhido o Island.
De qualquer modo, a primeira can-
ção passou e ela não nos soou de to-
do muito bem. O Jimmy e eu estáva-
mos sentados no chão com as cabe-
ças nas nossas mãos, pensando ‘O
que raio é isto?’ Então passámos a
seguinte e a seguinte... e todas elas
nos soaram horríveis.»
– Andy Johns(20)
Quando a gravação final estava pronta para ser entregue à
Atlantic Records, uma série de
entraves colocados pela etiqueta em relação à ausência, na capa principal, de
um título, do nome do grupo e, mesmo de qualquer referência à própria editora,
iriam provocar um novo atraso na data da sua publicação. Finalmente, a 8 de Novembro de 1971, o álbum
é posto à venda.
Capa do álbum: frente, verso e interior
O álbum subiria a #1 nas tabelas britânicas, ficando-se,
contudo, por um #2 nos EUA. Com a
passagem do tempo, ele acabaria por se tornar num dos álbuns mais vendidos (comprados!)
de sempre, pelo menos a acreditar nas listas disponibilizadas por algumas páginas na Internet. Dele viriam a ser publicados dois singles (Black Dog/Misty Mountain Hop e Rock and
Roll/Four Sticks, em Fevereiro de
1972) sempre noutras terras que não as de sua majestade... prosseguindo assim, o
grupo, a sua regra de ouro de não publicar singles
por lá, segundo se diz, de acordo com uma estratégia (birra?) de Grant...
Celebrando o seu quarto álbum
«Todas as canções são
muito boas, e
mais de metade conseguem alguma
espécie de perfeição. O blues conti-
nua lá - e melhor do que antes - e
Plant está a escrever letras, não ape-
nas a apropriar-se delas. A chave é
que Plant não apenas escreve as suas
próprias canções mas escreve can-
ções hippies (“Stairway to Heaven”,
“Misty Mountain Hop”, “Going to
California”). Isso
resultou numa me-
lhoria porque, um, para ele, a músi-
ca hippie era mais autêntica do que o
blues, tanto como indivíduo como mú-
sico (...) e dois, a música hippie tende
a ser mais auto-retraída e isso levou
ao controlo do bombástico.»
– Ralph Shain(21)
Dos oitos temas que constituem o disco, a haver um “patinho feio” esse é, precisamente, o de
abertura do lado B: Misty Mountain Hop – qualquer
artigo, qualquer livro que aborde o álbum limita-se ao mínimo possível sobre ele.
Para os que “sabem”,
ie, refiro-me aos “iniciados”, Misty Mountains são as Montanhas Nebulosas,
no universo fantástico das obras de J.R.R.
Tolkien reunidas em O Senhor dos
Anéis, obra que viria a ser adoptada pelo movimento hippie para grande desgosto do desde então cada vez mais famoso seu criador – como é
que poderia um católico britânico, tradicionalista e conservador, um ultra-tory, aceitar a visão hippie do universo? Erik
Davis, no seu excelente livrinho sobre o álbum, acerca delas afirma que «A um nível, as Montanhas Nebulosas simplesmente
representam a atracção pela fantasia.»(22) e um pouco mais à frente, sobre a relação de Plant
com elas, continua: «como muitos, uma mente
escapista, Percy tem a esperança de que o seu conto de fadas o possa levar para
além da fantasia, abrindo as zonas sagradas aonde o espírito voe.»(22) – Percy é, ao
mesmo tempo, a alcunha de Robert na sua terra natal e um personagem no livro
de Erik Davis.
Embora muitos de nós, nesse tempo, tivéssemos a certeza
de que Plant
era um hippie, a verdade é que para
além das letras de algumas canções do grupo escritas por ele (That’s The Way é um exemplo!) e de algumas fotos
que víamos aqui e ali, e que nos abriam todo um universo imagético, nenhuma confirmação
existia por parte dele – só muitos anos mais tarde, no que me toca, ela
chegaria com ele a dizer a Mark Radcliff,
num programa da BBC Two, que «É por isso que os velhos tristes hippies ainda mantêm os
seus cabelos compridos. Porque nós éramos parte de algo que significava algo
mais do que apenas o ego e o dinheiro.»(23)
Plant em família
A letra, evidentemente escrita por Plant, para uma composição desenvolvida
por John Paul
Jones a partir de um riff
de Page,
aborda linearmente um então habitual cenário hippie – e claro, sendo hippie,
só poderia ser ao sol num parque! –
Piedmont Park, Atlanta, EUA. 1972
e a não menos então habitual atitude persecutória do status quo aos beautiful people, aqui representada pela intervenção dos bobbies num, segundo o autor, love-in em Londres.
Hippies VS Sistema, Londres
A relação entre a “parábola
hippie” e o título torkeniano, só
se confirma nos últimos quatro versos da letra quando Parcey decide que a única forma de “escapar” ao “sistema” é refugiar-se nas Montanhas
Nebulosas “where the spirits fly”.
Misty Mountain Hop abre com John
Paul Jones no piano eléctrico, emulando o som de um clavinete, a quem
se junta Page
e Bonzo,
ie, a guitarra funky e a convicta bateria,
numa sequência de a cada três segundos – acertado o ritmo, numa espécie de
marcha com a guitarra a acoplar-se ao piano, enquanto a bateria assume o
comando das hostes, nove (e 9 significa 3+3+3) segundos depois, na entrada dos
0:15, Plant
introduz-nos no cenário do tema: Walkin’ in the
park just the other day, baby/ What
do you, what do you think I saw?/ Crowds of people sittin’ on
the grass with flowers in their hair said/ Hey,
Boy, do you wanna score?
Hey, Boy, do you wanna score?
Quem conhece bem os Led Zeppelin sabe que, nas suas actuações ao vivo,
Bonham
quando entrava em cena, rodeado pela multidão de tambores e pratos de que se alimentava,
era quem indicava aos restantes membros do grupo a altura apropriada para as mudanças
de ritmo e isso, apesar de este ser um registo em estúdio, pode ser verificado
aqui: aos 0:43, ao 1:33, aos 2:24, etc... e, claro, também quanto ao regresso à
“marcha”, em batidas notoriamente mais
poderosas, aos 0:56, ao 1:47 e aos 2:36, neste caso para dar sinal para um exuberante
solo rendilhado de Page.
E, por falar em Page, não enquanto guitarrista mas como o arquitecto
da produção dos trabalhos do grupo, o último redentor do produto a ser
oferecido ao público, ouçam, a partir dos 3:46, os efeitos sonoros aonde ele
tenta “ilustrar” as “Misty Mountains (…) where
the spirits fly” e, a partir dos 4:00, a duplicação e o eco da
vocalização de Plant...
O grupo tocará Misty Mountain Hop
pela primeira vez ao vivo, a 3 de Maio de 1971, no K. B. Hallen de Copenhaga, no primeiro de dois concertos que deu
naquele mês na Dinamarca e, em 1972, o tema viria a ser recuperado esporadicamente
para os seus concertos; a 2 de Dezembro de 1971, virá a tornar-se no lado B do single Black Dog,
publicado nos EUA (#15 na Billboard Hot
100) e um pouco por todo o mundo.
Wembley Empire Pool, Nov. 20, 1971
«(…) em “Misty
Mountain Hop” ele
recontou a estória de uma rusga pela
polícia londrina a um love-in, polin-
do-a com o sentido de uma busca mís-
tica.»
– Paul Rees(24)
«“Misty Mountain
Hop”, com o seu
denso riff de blues, espírito imaginá-
rio Galês e a batida crocante, quase
delicada, de Bonzo, também foi escri-
ta no estúdio.»
– Stephen Davis(25)
«Misty Mountain
Hop possui um ri-
tmo ardente e opressivo que parece
exsudar uma espécie de alegria hip-
pie.»
– Howard Mylett(26)
«O som da bateria
em ‘Misty’ é fora
de série, uma enorme pancada caver-
nosa que ressoa na tua cabeça muito
depois da faixa ter terminado. Fora
isso, são outros detalhes da produção
que se destacam: o duplo registo e tra-
tamento da voz de Plant; a combina-
ção inteligente de instrumentos para
reforçar o riff; a rudez da guitarra de
Page.»
– Keith Shadwick(27)
«Como é que uma
canção acerca dos
flower people e Tolkien consegue ser
tão esmagadoramente funky?»
– Rolling Stone(28)
Misty Mountain Hop
(Jimmy Page,
Robert Plant
& John Paul
Jones)
Led Zeppelin
Walkin’ in the park just the other day, Baby
What do you, what do you think I saw?
Crowds of people sittin’ on the grass with flowers in their hair
said
Hey, Boy, do you wanna score?
And you know how it is
I really don’t know what time it was, oh-uh-oh
So I asked them if I could stay awhile.
I didn’t notice but it had got very dark and I was really
Really out of my mind.
Just then a policeman stepped up to me and asked us said
Please, hey, would we care to all get in line
Get in line.
Well you know, they asked us to stay for tea and have some fun
Oh, oh, he said that his friends would all drop by, ooh
Why don’t you take a good look at yourself and describe what you
see
And Baby, Baby, Baby, do you like it?
There you sit, sitting spare like a book on a shelf rustin’
Ah, not trying to fight it.
You really don’t care if they’re coming, oh, oh
I know that it’s all a state of mind, ooh.
If you go down in the streets today, Baby, you better
You better open your eyes.
Folk down there really don’t care, really don’t care, don’t care,
really don’t
Which, which way the pressure lies
So I’ve decided what I’m gonna do now.
So I’m packing my bags for the Misty Mountains
Where the spirits go now,
Over the hills where the spirits fly, ooh.
I really don’t know.
Lista de músicas disponíveis:
Extras:
01. P.J. Proby
(c/os membros do grupo - Plant na harmónica) / Jim’s Blues (Three Week Hero) – 8 de Abril de 1969.
O original:
02. Disponível no álbum Untitled.
Bootlegs e
afins (por ordem de gravação):
03. Registado na Southampton
University, Southampton, RU – 22 de Janeiro de 1973;
04. Captado no Municipal
Auditorium, Nova Orleans, EUA – 14 de Maio de 1973;
05. Gravado no The
Forum, Inglewood, Los Angeles, EUA – 31 de Maio de 1973;
06. Registo directo da banda sonora do filme The Songs Remains The Same, captado no Madison Square Garden, Nova Iorque, EUA
– entre 27 e 29 de Julho de 1973;
07. Registado na O2
Arena, Londres, RU – 10 de Dezembro de 2007.
E as covers (por ordem de publicação):
08.
Dread Zeppelin – 5,000,000 (Tortelvis Fans Can't Be Wrong)
/ 7 de Maio de 1991;
09. 4 Non Blondes
– Encomium: A Tribute to Led Zeppelin
/ 14 de Março de 1995; e
10.
Taime Downe – Led Box The Ultimate Led Zeppelin Tribute / 5 de Fevereiro de 2008.
__________________
(1) MYLETT, Howard. “Capítulo 1.
A Era Dos Yardbirds”. Led Zeppelin.
Colecção Rock On N.º 6. Tradução de Álvaro Costa. Centelha: Coimbra. 1983.
p.7
(2) MYLETT, Howard. Op. cit. p.26;
(3) DAVIS,
Stephen. “Part One. 1.The Train Kept
A-Rollin’”. Hammer of the Gods: The
Led Zeppelin Saga. It Books: New York. 1985, 2008. p.38;
(4) DAVIS,
Stephen. Op. cit. p.39;
(5) DAVIS,
Stephen. “Part One. 2.Zeppelin Rising”.
Op. cit. p.42;
(6) DAVIS,
Stephen. “Part One. 2.Zeppelin Rising”.
Op. cit. p.45;
(7) DAVIS,
Stephen. “Part One. 2.Zeppelin Rising”.
Op. cit.p.49;
(8) DAVIS,
Stephen. “Part One. 2.Zeppelin Rising”.
Op. cit. p.55;
(9) DAVIS,
Stephen. “Part One. 2.Zeppelin Rising”.
Op. cit. p.56;
(10) FRICKE, Davis. “The Rolling stone Interview: Jimmy Page”. Rolling Stone. Issue 1171, December 6, 2012. p.44;
(11) COLE, Richard. Aos 15:42, “A to Zeppelin: The story of Led Zeppelin”.
Passport Entertainment. Passport Int. Productions. 2004;
(12) DAVIS, Stephen. “Part One. 2.Zeppelin Rising”. Hammer
of the Gods: The Led Zeppelin Saga. It Books: New York. 1985, 2008. p.57;
(13) MENDELSOHN, John. “Led Zeppelin. Records”. Rolling
Stone, No. 29. March 15, 1969. p.28;
(14) MENDELSOHN, John. “Led Zeppelin II. Records”. Rolling
Stone, No. 48. December 13, 1969. p.48;
(15) BANGS, Lester. “Led Zeppelin III. Records”. Rolling
Stone, No. 71. November 26, 1970. p.34;
(16) Jimmy Page. Entrevistado
por Roger Scott a 16 de Fevereiro e 9 de Março de 1989. “Led Zeppelin. Fourth Album (Untitled)”. Classic
Albums: Interviews From The Radio One Series. Compiled by John Pidgeon. BBC
Radio. BBC Books. 1991. p.94;
(17) Jimmy Page. Entrevistado
por Roger Scott a 16 de Fevereiro e 9 de Março de 1989. “Led Zeppelin. Fourth Album (Untitled)”. Classic
Albums: Interviews From The Radio One Series. Compiled by John Pidgeon. BBC
Radio. BBC Books. 1991. p.90;
(18) TOLINSKI, Brad. “Chapter 6: The told us we were committing professional suicide…”. Light & Shade. Conversations with Jimmy
Page. Broadway Books: New York. 2012. p.152;
(19) SHADWICK, Keith. “Chapter 9. Album? What Album?”. Led Zeppelin: 1968-1980. The story of a band and their music.
Outline Press Ltd: London - Backbeat Books: San Francisco. 2005. p.150;
(20) Andy Johns. Entrevista
publicada na Rhythm Magazine, No.
196. November 2011. A entrevista pode ser lida aqui;
(21) SHAIN, Ralph. “The Critics and Led Zeppelin. Chapter 14 - Your Time Is Gonna Come”.
Led Zeppelin and Philosophy: All Will Be
Revealed. Popular Culture and Philosophy, Volume 44. Edited by Scott Calef.
Open Court: Chicago, La Salle. 2009. p.225;
(22) DAVIS, Erik. “V: Wandering And Wondering”. .
33 1/3, No.17. The Continuum International Publishing Group: New York. 2005,
2010. p.136/7;
(23) Robert Plant. “Robert Plant: By Myself”. Interviewed by Mark Radcliff, produced by
Chris Rodley, BBC Two. November 6, 2010;
(24) REES, Paul. “Part Two: Airborne. 8.Blond Elvis”. Robert Plant: A Life. The Biography. 2013. p.120;
(25) DAVIS, Stephen. “Part One. 5.The Secret Society”. Op. cit. p.133;
(26) MYLETT, Howard. “Capítulo 1. A Era Dos Yardbirds”. Led Zeppelin. Colecção Rock On N.º 6.
Tradução de Álvaro Costa. Centelha: Coimbra. 1983. p.61;
(27) SHADWICK, Keith. Op. cit. p.162;
(28) Vários. “10 Misty Mountain Hop. The 40
Greatest Songs”. Led Zeppelin: The
Ultimate Guide To Their Music & Legend. Collectors Edition. Rolling
Stone. 2012. p.72.