quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Reggae ~ Das origens à conquista do Mundo

1. Um Pouco de História...

Quando a 5 de Maio de 1494, durante a sua segunda viagem pelo Atlântico a dentro, Cristóvão Colombo encontra uma ilha a que os seus habitantes de há milénios, os taínos, chamavam de Xaimaca (“terra dos mananciais” ou “terra de madeira e água”), este resolveu baptizá-la de Santiago, em nome da coroa para quem partira à descoberta de uma nova ligação ao mundo das especiarias.  Até 1507, os navegadores espanhóis pouca utilidade descobriram nela a não ser a de um entreposto para abastecimento de água e alimentos frescos, ou como local de refúgio – em 1503, Colombo, durante a sua quarta viagem às Índias Ocidentais, seria mesmo obrigado a refugiar-se nela durante cerca de um ano, perto de uma localidade a que os naturais chamavam de Maima.

Chegada de Cristóvão Colombo à América

Em 1508, Diogo Colombo, o filho do famoso explorador, já como governador das Índias Ocidentais, nomeia Juan de Esquivel para governador da ilha e é a partir de então que se dá a expansão colonial, com a construção da primeira concentração de colonos em 1509, Sevilla la Nueva, seguida de outras de menor dimensão e essencialmente ao longo da costa.

Os primeiros sinais de escravatura na ilha, remontam a este período – não só pelos escravos africanos trazidos pelos colonos castelhanos mas essencialmente pelo recurso à mão de obra forçada a que fora sujeita a população nativa que ia sobrevivendo ao flagelo das doenças trazidas pelos invasores e para as quais eles não estavam imunes.  Calcula-se que cerca de um século depois dos primeiros contactos, a população nativa estaria já reduzida a cerca de metade do seu número.

«Pasaron a la isla de Sant Juan y a la de Jamai-
ca (que eran unas huertas y unas colmenas) el
año de mil e quinientos y nueve los españoles,
con el fin e propósito que fueron a la Española.
Los cuales hicieron e cometieron los grandes
insultos e pecados susodichos, y añadieron mu-
chas señaladas e grandísimas crueldades más,
matando y quemando y asando y echando a
perros bravos, e después oprimiendo y ator-
mentando y vejando en las minas y en los o-
tros trabajos, hasta consumir y acabar todos
aquellos infelices inocentes: que había en las
dichas dos islas más de seiscientas mil ánimas,
y creo que más de un cuento, e no hay hoy en
cada una doscientas personas, todas perecidas
sin fe e sin sacramentos.»    Fray Bartolomé
de Las Casas[1]

Três anos antes de uma força expedicionária inglesa, chefiada pelo general Robert Venables e pelo almirante William Penn, ter conseguido a capitulação castelhana a 27 de Maio de 1655, calcula-se que o número de escravos africanos seriam já cerca de quatro centenas (cerca de 37% da população da ilha[2]), enquanto alguns outros tinham conseguido fugir para as montanhas – conhecidos desde então por maroons (palavra com origem provável no termo espanhol “cimárron”, selvagem[3]) – e se tinham misturado com os poucos taínos que ainda sobreviviam.  A maioria desses escravos, com a fuga precipitada dos seus donos, ter-se-á juntado aos maroons nas montanhas, de onde passaram a fazer frente aos novos colonizadores.

A presença inglesa na ilha, passou por uma primeira fase de consolidação da sua presença no terreno em que o império britânico, por não possuir uma presença militar tão forte quanto a castelhana ou a francesa, acabou por incentivar os corsários, piratas, e congéneres, da zona, a fazerem da ilha a sua casa – Port Royal, tornou-se assim na capital dos fora-da-lei dos mares e, rapidamente, no principal entreposto comercial da ilha em resultado dos produtos que aí chegavam, a maior parte deles obtidos pela pilhagem das embarcações e das cidades coloniais não britânicas ao longo da orla costeira americana, bem como de um crescente negócio clandestino desenvolvido com essas mesmas cidades.

O famoso corsário galês Sir Henry Morgan

«Em duas décadas (1656-76), (...) a Jamaica
canalizou para a Inglaterra um total estima-
do de quatro milhões de libras de prata.  O
Comité de Contas da Inglaterra, assinalou
que a ilha se tinha tornado “na base do ma-
ior fluxo de prata e ouro (e) mais quantida-
des são anualmente importadas de lá do que
de todos os outros domínios do Rei postos
em conjunto.”» – Ed Kritzler[4]

Quando a 18 de Julho de 1670, as duas potências coloniais assinam o Tratado de Madrid em que, entre outros pontos, estabelecia o reconhecimento da Espanha do direito da coroa britânica à Jamaica, a maioria dos grandes comerciantes, residentes ou absentistas (para não falar dos ex-corsários e piratas, agora devidamente integrados na vida social local), já tinham expandido a colonização para o interior da ilha em forma de vastas plantações de cana sacarina e de café[5], tornando-se assim em grandes proprietários.

Mapa da Jamaica, 1671

Com a crescente necessidade de mão de obra, a escravatura surge como a solução mais rentável.  Londres cria então a Companhia Real Africana[6], com a qual a coroa institui o monopólio do transporte de escravos de África para todo o domínio britânico mas que, na realidade, os interesses privados dos colonos e de importantes homens de negócio, alguns inclusive membros da dita companhia, votam ao desdém: entre meados de 1698 e finais de 1707, em plena época áurea da companhia, só a partir de Londres, i.e. mesmo nas suas barbas, por iniciativa destes últimos, foram enviadas para África mais 248 embarcações negreiras do que as que a companhia conseguiu enviar.  Na prática, isto quer dizer que só em relação ao tráfico para a Jamaica, eles enviaram mais 28 mil africanos, num total de 42 mil, do que a tal companhia[7].

«O maior comércio deste lugar reside na in-
trodução dessas pobres criaturas como ove-
lhas da Guiné mais próxima, para vendê-las
para as plantações daqui, e aos feitores es-
panhóis que os compram a £20 por cabeça,
ou por aí. Eles chegam tão nus como no dia
em que nasceram, e os compradores olham
as suas bocas e verificam as articulações,
como se fossem cavalos num mercado. Te-
mos alguns outros agentes por aqui, além
desses escravos que são comprados com o
nosso dinheiro, excepto alguns de Newga-
te*.» – Francis Crow[8]

* Prisão de Newgate, em Londres. Provavelmente, trata-se de uma referência aos rebeldes condenados que apoiaram o filho bastardo de Charles II, o Duque de Monmouth, no seu levantamento falhado de 1685. A deportação, para alguns, foi uma alternativa à forca; 200 foram entregues ao então governador, Sir Philip Howard, que fez uma boa soma ao vendê-los, bem acima do custo de transporte, a £7 por cabeça, como servos pelo período de 10 anos aos plantadores na ilha. Um perdão geral em 1689 acabaria por os libertar; alguns de alguma forma conseguiram dinheiro para a passagem de regresso, outros permaneceram na Jamaica.

Três anos depois de assinada a paz entre os reinos de Londres e de Madrid, o número de escravos chegava aos 9.5 mil[9].  Esse número iria progredir de um modo impressionante, nos anos que se seguiram.  Em 1724, já havia 32 mil escravos enquanto os colonos não passavam de 14 mil[10],  Uma década depois, o seu número passa aos 86,546, em 1775 aos 192,787[9], e em 1788, aos 226,432[11].

Logo que se tornou evidente que a tendência para a desproporção entre o número de escravos africanos e o de colonos ou homens livres, era para aumentar, o parlamento britânico, numa iniciativa preventiva contra possíveis actos de tumulto e revolta, fez aprovar o chamado Act to Regulate the Negroes on the British Plantations (1667), que se tornaria num dos códigos esclavagistas mais severos de sempre.  Nele, por exemplo, proibia-se aos escravos a saída das plantações, sob que pretexto fosse, no único dia da semana em que alguns deles folgavam, o domingo, e estabelecia-se que escravo que levantasse a mão contra um cristão branco deveria ser severamente chicoteado – caso reincidisse, deveria ser marcado no rosto com ferro em brasa.  Aos proprietários, pelo contrário, era-lhes garantida toda a impunidade caso levassem a sua “mercadoria” à morte[12].

Mas não terá sido isso que os impediu de acções de resistência e revolta contra a sua situação.  A primeira dessas acções encaradas pelos cativos africanos, era a tentativa de ganhar o controle dos barcos aonde eram transportados – segundo o professor David Richardson, director do Instituto Wilberforce para o Estudo da Escravatura e Emancipação, entre 1698 e 1807, registaram-se 353 amotinações envolvendo cerca de 360 barcos negreiros[13]. 

Revolta num negreiro, 1794

Chegados a terra, por iniciativa individual, a fuga era a acção mais encarada e, colectivamente, as sublevações eram as que mais preocupavam os colonos.  Na Jamaica, a primeira grande revolta de escravos deu-se em 1655 quando os ingleses invadiram e derrotaram os espanhóis, tendo esse acto dado origem ao primeiro grupo determinante da criação da nação maroon (o chamado Cockpit Country).  Já sob o domínio britânico, em 1673 dá-se uma nova grande revolta.  Nos anos que se lhe seguiram, várias outras ocorreram (1690, 1745, etc).  Em 1760, dá-se uma das mais violentas, quando centenas de escravos liderados por um ex-chefe coromanti de nome Tacky, na manhã de segunda-feira da Páscoa, se revoltaram atacando as plantações que encontravam pelo caminho, matando todos os brancos que por lá encontravam e incendiando de seguida não só os edifícios existentes mas também o que mais odiavam, os campos aonde eram obrigados a trabalhar.  Tacky viria a ser morto por um maroon ao serviço do império britânico e os seus seguidores acabaram por preferir suicidar-se a serem capturados[14].  

Revolta de escravos, 1759

A última grande revolta, conhecida por Guerra Baptista, inicia-se a 27 de Dezembro de 1831 e estender-se-á até finais de Janeiro do ano seguinte.  Rumores postos a circular nas igrejas baptistas frequentadas pelos escravos, davam como certo que o rei William IV tinha abolido a escravatura[15] e nisso, um tal Sam Sharpe desempenhara um papel fundamental.  Sharpe, que de dia trabalhava numa plantação da zona de Montego Bay, à noite assumia o papel de pastor de uma missão Baptista formada por missionários ingleses que tinham sido dos primeiros a juntar nos seus sermões, a Bíblia com o discurso abolicionista.  Livre para se deslocar por entre as diferentes plantações, começou a pregar um levantamento que inicialmente incluía apenas a ideia de exigir melhores condições, através de greves ao trabalho, mas terá sido ultrapassado pela multidão em fúria que revoltada e descontrolada, começou a destruir propriedades e tudo o que encontrava nelas – no final e apesar de só se terem registado dois actos de violência contra colonos[16], o prejuízo causado rondaria 1.3 milhões de libras[17], para além da habitual vingança da repressão colonial: mais de 200 escravos terão morrido nos confrontos e outros 312 terão sido executados depois de julgados.  Sharpe viria a ser capturado e enforcado em Montego Bay, a 23 de Maio de 1832[18].

Sam Sharpe

Outro caso de resistência, é o dos já mencionados maroons.  Constituídos na sua origem por ex-escravos dos colonizadores espanhóis que, aquando da invasão inglesa, recusaram voltar à sua antiga condição e se refugiaram nas montanhas aonde fizeram renascer reminiscências das suas nações africanas num perímetro hoje conhecido por Cockpit Country.  Para além da agricultura e do gado de pequeno porte, sobreviviam à custa dos frutos que nasciam naturalmente nas suas zonas.  Outros bens de que necessitavam, eram geralmente obtidos através de incursões fortuitas que faziam às plantações ou do comércio com escravos que os furtavam.  Ao longo da segunda metade do século XVII, o seu número foi crescendo e construindo uma hierarquia poderosa e carismática – concentrados, essencialmente, em duas “tribos”, os Leeward e os Windward, lideradas respectivamente por Cudjoe e pela sua irmã, a rainha Nanny (ambos fugidos de uma plantação na paróquia de Saint Thomas, bem como os seus irmãos e futuros líderes, Accompong e Quao) – que alimentava uma guerrilha que conseguia manter os nervos das autoridades coloniais à flor da pele.

A rainha Nanny

O capitão Cudjoe

Em 1733, a guerra foi lhes declarada pelas autoridades coloniais mas após o falhanço das acções militares (que incluíram para além dos recursos tradicionais, trazer guerreiros misquito e uma companhia de negros, os Black Shot, para o cenário da guerrilha) e de quarenta e quatro resoluções aprovadas pela Assembleia da Jamaica, as mesmas autoridades assumiram que era tempo de tentar a paz.

Emboscada maroon, 1801

Em 1739, Cudjoe e Nanny assinam tratados de paz com o império britânico aonde fica assegurada a sua existência mas que marcam definitivamente, a sua separação das aspirações dos escravos das plantações: uma das alíneas dos tratados estabelecia que a nação maroon não poderia receber mais nenhum escravo fugido e, pior do que isso, ela deveria participar na sua “caça” bem como na repressão das suas revoltas.  Uma outra promessa, era a de atribuir ao Cockpit Country uma vasta área aonde eles pudessem viver (as fontes divergem entre os 1.5 e os 2.5 mil acres) que, evidentemente, nunca se chegou a concretizar.   Uma nova guerra contra os maroons, viria a iniciar-se em 1795 mas apenas contra uma das facções – cerca de 300 habitantes de Trelawney Town, agora liderada por um tal Old Montagu, revoltaram-se contra a falta de cumprimento dos tratados assinados e a pretexto de um incidente, iniciam uma nova guerra que irá durar cerca de cinco meses e que terminará com a derrota dos maroons e com a deportação de todos os seus habitantes para a Nova Escócia, Canadá, em 1796.  Quatro anos depois, os que tinham conseguido sobreviver aos invernos rigorosos, acabariam por ser enviados para Freetown, na Serra Leoa.  Por volta de 1841, cerca de noventa por cento dos seus descendentes acabariam por regressar à Jamaica para trabalhar como contratados nas suas plantações[19].

Maroons no começo do século XX

A 1 de Agosto de 1834, a escravatura é substituída por um sistema de aprendizagem de quatro anos, obrigatório para todos os escravos, durante o qual na prática nada mudará a não ser as compensações recebidas pelos seus donos[20] – o império britânico chamou a isso a abolição da escravatura.

Abolição da escravatura, 1838

Trinta anos depois, em Outubro de 1865, as condições dos descendentes dos ex-escravos pouco ou nada tinham alterado, levando-os a uma revolta tão ou mais violenta do que as que os seus antepassados várias vezes tinham iniciado.

Quase um século depois, a 6 de Agosto de 1962, a Jamaica torna-se independente num ambiente marcado pelo desemprego (20% da população activa) e pobreza, apesar do seu crescimento económico, graças à recente descoberta da existência de bauxite em grandes quantidades, rondar durante os anos 50, os 4,5%.

Comemorando a independência

 A distribuição da terra continuava a sofrer da herança histórica do colonialismo: apenas 10% da população dominava cerca de 64% da terra arável.  Nas grandes cidades concentra-se grande parte da população desempregada, jovens desiludidos com o sistema, os chamados rude boys que, quando não conseguem imigrar, encontram nas actividades criminosas a única saída.

Rude boys em Inglaterra

É neste ambiente que o rastafarianismo, enquanto religião inconformista perante o sistema, encontra os seus principais seguidores.

«Que é que eu devia fazer com a minha vida?
Trabalhar num campo de bananas? Cortar
cana?... vim para Kingston para ir à escola à
noite e aprender um negócio mas a minha ver-
dadeira intenção era cantar, porque eu sempre
cantei bem na escola.» – Jimmy Cliff[21]

Suficientemente liberal a ponto de não obrigar os seus seguidores a cumprirem todos os seus preceitos (o ser humano não pode julgar outro ser humano, dizem eles), o rastafarianismo é naturalmente fruto do esclavagismo – Zion (África) é o paraíso na Terra, e os seus filhos que lhe foram roubados e trazidos para a Babilónia (o mundo criado pelos europeus) hão-de um dia regressar a Zion.  Essa era a mensagem desse grande líder nacionalista negro, Marcus Garvey, considerado pelos rastafaris como um dos seus profetas.

«A África, a África sangrando, está a pedir
os serviços de cada homem e mulher negro
para a redimir da escravização do homem
branco. Todo o sacrifício que deve ser feito,
por isso, será do Negro, para o Negro, e
mais ninguém.» – Marcus Garvey[22]



2. Mento, Ska, Rock Steady e o Nascimento do Reggae

No início da década de 60, as tardes de domingo nos bairros pobres de Kingston, eram ocasião para bailes públicos ao som de mento e de muitos sucessos de R’n’B importados ou gravados por bandas locais, que eram debitados através de sistemas de som rudimentares, os chamados sound systems, colocados em locais estratégicos.  A indústria discográfica jamaicana era ainda uma criança: em 1958, Edward Seaga, que viria a ser primeiro-ministro umas duas décadas mais tarde, funda a WIRL (a West Indian Records Limited), dando assim o primeiro passo.  O seu grande propósito era fazer covers de sucessos de R’n’B com destino ao mercado dos sound systems.

Um sound system

Mais ou menos ao mesmo tempo, Chris Blackwell surge também a produzir na sua recém criada Island Records, o single Little Sheila/Boogie In My Bones, na voz de Laurel Aitken, um intérprete que ganhava a vida nos hotéis a cantar mento e que não possuía qualquer experiência no R’n’B. 

Chris Blackwell

Em menos de um ano, surgem ainda duas novas etiquetas, a Treasure Isle e a Studio One, respectivamente por  Duke Reid e Clement Dodd, dois nomes que possuíam já uma vasta tradição nos sound sytems.

Duke Reid com Fats Domino

Clement “Coxsone” Dodd

Para o historiador de reggae Steve Barrow, Prince Buster, com a colaboração do seu guitarrista, Jah Jerry, terá sido o primeiro a dar o passo que irá transformar a música jamaicana para sempre ao criar o ska.

Prince Buster

Buster que tinha trabalhado para Dodd era, desde o início da década, proprietário de um sound system chamado The Voice of the People e embora este fosse mais poderoso do que os de Reid e de Dodd, respectivamente, o Trojan e o Sir Coxsone Downbeat, nunca os conseguira bater em popularidade, mas com a introdução de vários temas desse novo tipo de ritmo, a situação acabará por vir a mudar.

O desafio tinha sido lançado e de repente, uma série de novos talentos apareceram do nada: Jimmy Cliff, Delroy Wilson, The Maytals, The Skatalites, The Wailers, etc, bem como uma série de novos produtores como Leslie Kong, Jackie Mittoo ou Lee Perry… e serão todos eles que, tempos mais tarde, irão fazer a transição, depois de uma brevíssima passagem pelo rock steady, para um novo tipo de som, mais complexo, mais rítmico, mais lento e, por isso, mais do agrado dos rude boys cujo hábito de consumo de ganja os fazia detestar o ritmo acelerado do ska.  De novo recorrendo a Steve Barrow, três nomes serão determinantes para essa transição: Edward “Bunny” Lee, Lee “Scratch” Perry e King Tubby – e eu tomo a liberdade de acrescentar um quarto, o de Clancy Eccles que reclama para si a “descoberta” da designação com que essa nova música viria a ser conhecida, reggae, a partir do calão streggae, mulher desavergonhada. 

Lee “Scratch” Perry e King Tubby

Com o aproximar do fim a década, o reggae viria a tornar-se cada vez mais lento e sincopado, e terá sido esse desaceleramento que permitiu a introdução de mensagens cada vez mais complexas e sofisticadas, essencialmente ligadas ao rastafarianismo, e no seu conjunto, a um consequente lançamento bem sucedido a nível internacional.

«Alguns irmãos Ras Tafari fixam os seus o-
lhos exclusivamente na ETIÓPIA.  Outros
entendem por “ETIÓPIA” o continente a-
fricano, e ficariam felizes por emigrar para
qualquer continente Africano da África, e
ficariam felizes por emigrar para qualquer
país Africano.» – Mortimo Planno[23]

Quando em meados de 1969, Desmond Dekker com o seu grupo The Aces, consegue chegar ao topo das tabelas internacionais (Reino Unido, Holanda, Suécia, Alemanha Federal, África do Sul, Canadá, e a um #9 nos EUA) com um tema que ele tinha escrito com o produtor Leslie Kong, Israelites, apesar de ninguém perceber sobre o que ele cantava, a mensagem rastafari já estava lá, entre a sempre presente escravatura e o fatídico futuro como rude boy, que é o essencial da letra da canção...

Get up in the morning, slaving for bread, sir,
So that every mouth can be fed.
Poor me, the Israelite. Aah.

Shirt them a-tear up, trousers are gone.
I don’t want to end up like Bonnie and Clyde.
Poor me, the Israelite. Aah.

After a storm there must be a calm.
They catch me in the farm. You sound the alarm.
Poor me, the Israelite. Aah.

Em 1972, Perry Henzell, um trintão pertencente à elite jamaicana, realiza o primeiro filme verdadeiramente jamaicano, The Harder They Came, aonde o enredo se desenvolve em torno da história de um rudy vagamente baseado numa lendária figura do submundo da ilha nos anos quarenta, Ivanhoe “Rhyging” Martin.  Jimmy Cliff viria a ser escolhido para o papel principal, o de Ivanhoe Martin.  O filme alcança a nível internacional um relativo sucesso, associado à vaga de filmes estado-unidenses que exploram a imagem de heróis negros, conhecida por blaxpoitation.

«Depois de vários sucessos fui para a Ingla-
terra em 1965;  e estava lá quando Perry
Henzell me mandou o guião do filme.  Eu
li-o e gostei muito porque tinha conhecido
uma pessoa chamada Rhyging, que tinha
sido um fora-da-lei nos anos 40.  (...)  Li o
guião e disse que sim, que gostava de fazer
o filme.» – Jimmy Cliff[24]

Na sua banda sonora que conseguiu tornar-se mais popular do que o próprio filme, vários temas incidem sobre o universo rudy e rastafari.   Deles todos, o mais conhecido hoje, é Rivers of Babylon então interpretado pelos The Melodians, mas apenas graças a uma versão disco com algumas “adaptações” na sua letra (por exemplo, o King Alpha na letra original, uma referência ao imperador etíope e deus na terra para os rastafari, Hailé Sellasié I, foi substituído pelo genérico “lord”), do grupo alemão Boney M, no ano de 1978.

By the rivers of Babylon
Where we sat down
And there we wept
When we remembered Zion

‘cause the wicked carried us away captivity
Requiring from us a song
How can we sing a king alpha’s song
In a strange land?

Jimmy Cliff terá sido o escolhido pelo seu estatuto, já então, de estrela internacional da Jamaica – a sua participação na Feira Internacional de Nova Iorque de 1964, em representação do seu país, iria ser o ponto de partida para a sua carreira fora da Jamaica.

Após uma infrutífera estadia em Paris, Chris Blackwell convence-o a assinar com a sua Island Records, e a mudar-se para Londres.  Blackwell sabia o que estava a assinar já que vinha a acompanhar a evolução da sua carreira desde que ele, com 14 anos, gravara para a Beverley’s de Leslie Kong, o primeiro single da etiqueta: Dearest Beverley/ Hurricane Hattie.

«Uma noite, quando eu passava por uma dis-
coteca e restaurante quando eles estavam a
fechar, entrei e cantei para os donos chineses
da loja, e convenci um deles, Leslie Kong, a
meter-se no negócio dos discos começando
comigo.» – Jimmy Cliff[25]

Hurricane Hattie, o lado b do single, uma canção sobre o furacão Hattie que assolou a ilha em 1961, acabaria por se tornar num enorme sucesso.  Mostrando-se reconhecido a Kong, Cliff irá gravar com ele até à sua morte, em 1971, vários sucessos para os sound systems: Miss Jamaica, em 1962; My Lucky Day com One-Eyed Jacks no lado b, em 1963 e, ainda nesse mesmo ano, King Of Kings.

Capa de Hard Road To Travel

O seu primeiro trabalho para a Island Records, Hard Road To Travel, saído no início de 1968, é um álbum descaracterizado, feito de canções pop, com alguns R’n’B e mesmo uma cover, e quanto a mim, sem qualquer interesse para além da faixa-título, um tema muito pessoal e cheio de soul, sobre a sua experiência na capital inglesa.

Let me tell you
I'm all alone, this lonesome road I roam
I've got no love to call my very own
Oh the river gets deeper, the hills get steeper
And the pain gets deeper every day, yeah

Mas é com Waterfall, uma faixa pop composta pelos membros do grupo rock britânico Nirvana, Alex Spyropoulos e Patrick Campbell-Lyons, que ele conseguirá propalar a sua carreira a nível internacional quando com ela ganha um festival internacional de música no Brasil.

Capa de Jimmy Cliff

Os próximos meses serão passados na América do Sul, aonde ele recupera a sua veia criativa e, no final de 1969, regressa ao reggae através do excelente Jimmy Cliff, mais tarde, lançado nos EUA, com o título de Wonderful World, Beautiful People, precisamente por incluir esse hino à geração flower-power saído entretanto em single, bem como Viet Nam, que tanto Bob Dylan como Paul Simon consideram das melhores canções feitas sobre aquele tema, e Sufferin' In The Land, um reggae-pop com uma letra “revolucionária”.  Many Rivers To Cross, é um clássico inscrito na tradição gospel, para o qual contribui a introdução e presença do órgão, e dos coros – sem dúvida alguma, do melhor que Cliff alguma vez compôs.

Many rivers to cross
But just where to begin I'm playing for time
There have been times I find myself
Thinking of committing some dreadful crime

Yes, I've got many rivers to cross
But I can't seem to find my way over
Wandering, I am lost
As I travel along the white cliffs of Dover

My Ancestors é o tema em que mais se aproxima da tradição rastafari no reconhecimento da sua ancestralidade africana e da sua herança.

Yeah, whoah-o-oh! look at me
I'm a stranger in this land
Watch me stand tall
Help me, help me be just a man, oh!

My ancestors - they were mighty men
And my son - he will be one of them
And they'll just look at him
Yeah, they'll look at him
And they'll say, he's a man, he's a man
My son's a man, oh!

Em Agosto de 1970, publica um single com uma versão então inédita de uma música de Cat Stevens, Wild World, que cerca de um mês mais tarde consegue chegar a #8 das Charts britânicas, enquanto os dois álbuns que se seguem, Goodbye Yesterday (em 1970) e Another Cycle (em Setembro de 1971), são no seu conjunto ambos para esquecer.

Em Julho de 1972, sai a banda sonora do filme The Harder They Come, aonde ele, como já se disse, para além de ser o actor principal, contribui com quatro músicas, qualquer delas excepcional: You Can Get It If You Really Want, e as já conhecidas Many Rivers To Cross, The Harder They Come, e Sitting In Limbo.

Jimmy “Ivanhoe Martin” Cliff

Achando que a Island Records não cuidava o suficiente da sua carreira, abandona a etiqueta em favor de um contrato mais lucrativo, regressa à Jamaica e gradualmente começa a assumir-se como islâmico, seguindo assim uma tendência crescente entre os negros no Ocidente, em especial nos EUA.  Esporadicamente, ao longo da sua carreira irá conseguir ter alguns sucessos mas nunca mais ninguém o há-de ligar ao reggae.

«Bom, antes de mais vejo-me como um artista,
um artista criativo. Lembrem-se de que quan-
do entrei em cena não havia nada chamado reg
gae. Então tive de o ajudar a criar e pus nisso
a minha energia, que é mesmo minha... uma
muito optimista parte da coisa! E criar o que
hoje é conhecido por reggae. Mas eu sou um
artista criativo e pus isso em muitos diferentes
géneros de música, mas porque as minhas raí-
zes são o reggae vou ser sempre rotulado como
reggae, mas se ouvir uma música como Many
Rivers To Cross, pode classificá-la como reg
gae?» – Jimmy Cliff[26]



3. A Conquista do Mundo

Se o ska e o reggae não eram de todo desconhecidos nos EUA e principalmente em Inglaterra, isso devia-se essencialmente à crescente comunidade imigrante jamaicana e aos, surpresa das surpresas, skinheads ingleses que, vá-se lá saber porquê, adoptaram a música jamaicana como sua.  Entretanto, alguns sucessos isolados (para além dos atrás já mencionados, há que destacar Monkey Man pelos Toots & the Maytals, em 1969; Bob Andy & Marcia com Young, Gifted & Black, no ano de 1970, e Pied Piper, no ano seguinte; Johnny Nash, com I Can See Clearly Now, em 1972, e com uma composição de Bob Marley, Stir It Up, em 1973) conquistavam esses dois mercados mas, a verdade é que a sua internacionalização ficou em muito a dever-se ao interesse demonstrado por vários músicos ligados ao rock.  Paul Simon é um exemplo perfeito pela sua abordagem honesta com Mother and Child Reunion, canção gravada em Kingston com Jimmy Cliff e alguns membros dos The Maytals e publicada no seu primeiro álbum a solo em Janeiro de 1972.

Quando em Setembro de 1974, Eric Clapton consegue um #1 no Billboard Hot 100, com o single I Shot The Sheriff, apenas alguns privilegiados sabiam da existência no catálogo da Island Records, de um tipo chamado Bob Marley que com o seu grupo, The Wailers, já tinha gravado dois dos mais importantes álbuns desse género de música: Catch A Fire e Burnin’ (respectivamente, em Abril e Outubro de 1973).

Bob Marley, é um caso à parte no panorama de toda a música saída da Jamaica.  Marley começa a gravar muito cedo tendo como mentor Joe Higgs, um desses muitos heróis desconhecidos de que a música jamaicana é rica e que surgem sempre como sombras quando outros brilham perante os holofotes.  É através dele que Marley e o seu amigo Neville Livingston (aliás “Bunny” Livingston ou Jah B) encontram Peter McIntosh (mais tarde conhecido por Peter Tosh), e formam o trio que desde o começo estará na base dos The Wailers, grupo formado em 1963 que, ao longo dos anos, adoptará nomes como The Teenagers, The Wailing Rudeboys ou The Wailing Wailers, e por aonde passaram ainda o vocalista Junior Braithwaite, e os coristas Beverley Kelso e Cherry Smith que abandonaram o grupo em 1966.  Gravando várias vezes com o famoso produtor Lee “Scratch” Perry, naturalmente, começaram a usar a sua banda de estúdio, The Upsetters, como grupo de suporte.

«Os Wailers? Bem... eu fui o criador. Fui eu
que verdadeiramente moldei os Wailers como
um grupo. Ensinei-lhes harmonias, ensinei-
-lhes técnicas e truques. (...) Bob Marley foi
influenciado pelo meu trabalho, mas também
não me interessa falar sobre esse assunto.
Não me sinto orgulhoso de ter sido professor
de Bob Marley, sinto-me orgulhoso de ser Joe
Higgs.» – Joe Higgs[27]

Joe Higgs

Embora já com alguns álbuns gravados (The Wailing Wailers, em 1965; Soul Rebels, em finais de 1970; Soul Revolution, no ano seguinte, e um The Best of, também no ano de 1971), os The Wailers virão a ter a sua grande quando Jimmy Cliff abandona a Island Records e Blackwell, que embora se encontrasse concentrado no mercado pop não pretendia perder a sua quota no mercado jamaicano, começa a procurar um nome que o pudesse substituir.  Segundo reza a lenda, depois de os ter ouvido ele não teve qualquer dúvida de que eram o que procurava e, confiando totalmente neles, terá adiantado uma quantia de cerca de 4 mil libras para que regressassem à Jamaica e gravassem um álbum[28].

Capa de Catch A Fire

Durante o mês de Outubro, o grupo grava em três estúdios de Kingston e será o material saído dessas sessões que irá ser enviado para Londres aonde Blackwell, assumindo-se como produtor, virá a retocá-lo adicionando-lhe partes de guitarra (ritmo, slide e mesmo algum baixo) e de teclados, de modo a que o som não parecesse tão cru, tornando-o assim mais acessível ao público acostumado à música pop.  Lançado em Abril de 1973, com o título de Catch A Fire, as primeiras 20 mil cópias foram brindadas com uma capa que reproduzia o famoso modelo clássico do isqueiro Zippo, tendo a partir daí aparecido com uma capa feita com uma foto de Ester Anderson, de Marley a fumar um imponente charro e com os seus dreadlocks ainda em formação.

Os acordes iniciais, caóticos, gradualmente vão construindo uma barreira sonora que nos dá acesso a um extraordinário arranque de ritmo e revolta, que fazem de Concrete Jungle uma das mais agradáveis e surpreendentes peças de descoberta de um novo tipo de música.  Revelam-se aqui e ali, as suas origens R’n’B e as nuances rock que Blackwell pretendia mas ele é, no seu conjunto, um som nunca ouvido antes... e depois, as suas palavras, violentas de revolta, são ditas com uma precisão sentimental religiosa muito próxima do gospel.  Antes de embarcar num solo feito de choro, Marley afirma-se como um “escravo” que nunca será feliz na terra da escravatura...

No chains around my feet
But I’m not free, ooh
I know I am bound here in captivity
G’yeah, now
(Never know )
I’ve never known happiness;
(Never know)
I’ve never known what sweet caress is
Still
I’ll be always laughing like a clown
Won’t someone help me ‘cause I
(Sweet life)
I’ve got to pick myself from off the ground
(Must be somewhere for me)
He-yeah!
In this a concrete jungle
I said, what do you cry for me now, ooh
Concrete jungle
Ah, won’t you let me be
Hey! Oh, now!

A escravatura e as suas sequelas são, abertamente, o sujeito dos dois temas que se lhe seguem, em Slave Driver...

Ev’rytime I hear the crack of a whip
My blood runs cold
I remember on the slave ship
How they brutalize the very souls
Today they say that we are free,
Only to be chained in poverty.
Good God, I think it’s illiteracy;
It’s only a machine that makes money.
Slave driver, the table is turn now – Ooh-ooh-oo-ooh

e em 400 Years, a primeira das contribuições de PeterTosh para o álbum.  Mais densa e dura que as duas anteriores composições, incluindo a voz ríspida de místico seguro de si, ela marca definitivamente a ideia que criamos de Tosh: um intransigente e indomável, um fundamentalista!

Peter Tosh

Come on, let’s make a move
(Make a move, make a move)
I can see... time
(Wo-o-o-oh)
Time has come
(Wo-o-o-oh)
And if a fools don’t see
(Fools don’t see, fools don’t see)
I can’t save the youth
(Wo-o-o-oh)
The youth Is gonna be strong.
(Wo-o-o-oh)
So, won’t you come with me;
I’ll take you to a land of liberty
(Libertyyyyy!)
Where we can live
(We can live)
Live a good, good life
And be free.
(Freeeee!)

Stop That Train, o outro tema de Tosh, transborda soul e misticismo por todos os poros.

All my good life I’ve been a lonely man
Teachin’ my people who don’t understand
And even though I tried my best
I still can’t find no happiness

Kinky Reggae, a segunda faixa do lado dois, mostra toda a subtileza da poesia de Marley, sob um ritmo irresistivelmente sincopado – isto é roots reggae e talvez seja, por isso, kinky... e é como ele diz algures na canção, Take it or leave it!

I went down to Piccadilly Circus
Down there I saw Marcus
He had a candy tar
All over his chocolate bar

I think I might join the fun
But I had to hit and run
See I just can’t settle down
In a kinky, kinky part of town.

Na letra de No More Trouble muita gente viu incoerência e falta de solidez mas apenas porque não perceberam que Marley fala para os seus – a mensagem não é pacifista mas sim a de apelo à solidariedade entre rastas.

Make love and not war
‘Cause we don’t need no trouble.
What we need is love
To guide and protect us on
If you hope good down from above
Help the weak if you are strong now

E a fechar o álbum, o místico-apocalíptico Midnight Ravers.

Capa de Burnin’

Apesar da relativa fraca recepção ao álbum, Blackwell manteve o grupo na sua lista, empurrando-o para digressões não só no Reino Unido mas também nos EUA, e ainda nesse mesmo ano, em Novembro, é editado o seu segundo longa-duração, Burnin’, tendo na capa uma espécie de litografia, como que feita a ferro em brasa sobre placas de madeira, a partir de uma foto tirada (uma vez mais) por Esther Andherson aos seis Wailers – na contra-capa, Marley com o já habitual charro-cone...

Gravado em Kingston, durante o mês de Abril, pouco trabalho de produção (efectuado entre Maio e Julho) recebeu de Blackwell que optou por o deixar, no geral, como o tinha recebido – claro que o grupo entretanto já tinha assimilado uma série de truques no sentido de “adocicar” o seu som, mas se ele se tinha suavizado, as palavras eram ainda mais directas e violentas...

Get Up, Stand Up é um apelo directo, mesmo que pela perspectiva rastafari, à luta pelos direitos de cada um de nós – não terá sido por mero acaso que a Amnistia Internacional a terá num dos seus hinos!  A repetição do refrão, Get up, stand up, stand up for your rights!/ Get up, stand up – don’t give up the fight! até à quase exaustão, é do mais militante que a “babilónia”, para usar a terminologia rastafari, vira ser registado em vinil mas, evidentemente, ela não se limita ao refrão ao premiar-nos com poemas carregados de lirismo militante, em resultado de uma colaboração (que julgo) única em toda a obra do grupo, entre Tosh e Marley:

Preacherman, don’t tell me
Heaven is under the earth
I know you don’t know
What life is really worth
It’s not all that glitters is gold
‘alf the story has never been told
So now you see the light, eeeh

E eles terminam, com Tosh avisando...

We sick an’ tired ofa your ism-skism game
Dyin’ ‘n’ goin’ to heaven ina jesus’ name, lord
We know when we understand
Almighty God is a living man
You can fool some people sometimes
But you can’t fool all the people all the time
So now we see the light
(what you gonna do?)
We gonna stand up for our rights!

Hallelujah Time, uma das composições de “Bunny” Livingston que aparecem neste trabalho, é um hino religioso com um gongo apocalíptico a marcar uma presença constante para reforçar a intervenção mística quer do órgão gospel, quer dos coros messiânicos... e serve como que para congregar as hostes para um dos temas mais rudy saídos da veia de Marley, I Shot The Sheriff que originalmente tinha como alvo a polícia e, na qual, ele confessa ironicamente ter morto o polícia mas não o ajudante, e tudo porque aquele o perseguia cada vez que ele plantava a “semente”.

Sheriff John Brown always hated me
For what, I don’t know
Every time I plant a seed
He said kill it before it grow...
He said kill them before they grow

Com Burnin’ And Lootin’, Marley relata, a partir de um episódio vivido pessoalmente, a violência policial a que os habitantes de Trench Town  e de outros bairros pobres de Kingston, eram sujeitos quase diariamente:

This morning I woke up in a curfew
O god, I was a prisoner, too... yeah!
Could not recognize the faces standing over me
They were all dressed in uniforms of brutality... eh!

How many rivers do we have to cross
Before we can talk to the boss?... eh!
All that we got, it seems we have lost
We must have really paid the cost

(That’s why we gonna be)
Burnin’ and a-lootin’ tonight

O lado dois do álbum, abre com Small Axe, um tema antigo mas que é recuperado com arranjos sofisticados.  Eventualmente escrito a pensar nos gananciosos produtores jamaicanos que controlavam o negócio discográfico, retribuindo com miséria aos músicos, a sua abrangência não tem de ter limites...

Why boasteth thyself
Oh, evil men
Playing smart
And not being clever, Oh, no
I seh, you’re working iniquity
To achieve vanity
(If I-so I-so)
But the goodness of Jah, Jah
I-dureth forIver
If you are the big tree
We are the small axe
Sharpen to cut you down
(Well sharp!)
Ready to cut you down

Pass It On é um perfeito hino religioso desde a sua introdução com um órgão cheio de gospel, passando pela sua letra cheia de regras protestantes.  Duppy Conqueror é, tal como Small Axe um tema antigo mas, neste caso, muito mais próxima do som original e na qual adivinho um certo orgulho no produto inicial reivindicando assim a honestidade da sua mensagem.

The bars could not hold me
Force could not control me, now
They try to keep me down
But Jah put I around
  
A encerrar o álbum, dois hinos rastafari, um em ritmo reggae, One Foundation de Tosh, e o outro através de um tradicional nyabinghi, Rasta Man Chant, cujo arranjo umas vezes é atribuído ao grupo, outras a Marley.

And I hear the angel with the seven seals say
Babylon throne gone down, gone down
Babylon throne gone down

I say fly away home to Zion (fly away home)
I say fly away home to Zion (fly away home)
One bright morning when my work is over
Man will fly away home

Sem grandes concessões, os Wailers tinham entrado no universo rock e quando conseguem um contrato para fazer a primeira parte dos concertos da digressão Fresh, dos Sly & Family Stone, nos EUA, esse universo parecia definitivamente conquistado.  Infelizmente, após quatro concertos o grupo estava a ser despedido –dizem uns que porque o público não respondia à música do grupo (agora com Joe Higgs no lugar de Livingston – este jurara nunca mais entrar em digressões!), outros, que Sly não gostou de ver o público a exigir mais Wailers em vez dele...

Antes do ano terminar, ainda dão uma dezena de concertos em Inglaterra mas o grupo acaba por se separar, não antes sem uma sessão de pugilismo entre Marley e Tosh, e do organista Earl “Wya” Lindo partir afirmando-se farto do grupo e que regressava à sua banda original[29].

Quando o trio se separa prosseguindo cada um deles, os seus próprios projectos musicais, Marley cria a partir da secção rítmica, entregue aos irmãos Barret, Aston “Family Man” e Carlton (mais conhecidos pela Wailers Band), um novo grupo para o acompanhar.  Dele farão parte, os guitarristas Junior Marvin e Al Anderson, os teclistas Earl “Wya” Lindo e Tyrone Downie, e o percussionista Alvin Patterson e, por fim, um trio feminino para os coros (algo já presente em alguns temas do álbum Burnin’), as I Threes, aonde para além da sua mulher, Rita, aparece a compositora-cantora Judy Mowatt e a designada “rainha do reggae”, Marcia Griffiths.

Capa de Natty Dread

É com este grupo que ele irá conquistar ao longo da década o mundo: em 1974, com o álbum Natty Dread (que inicialmente era para se chamar de “knotty dread”), consegue finalmente ter um sucesso internacional ao ver a sua composição No Woman, No Cry chegar ao #22 nas Charts britânicas, enquanto os restantes temas que compõem o álbum mostram um Marley cada vez mais seguro do seu processo criativo apesar de, devido a uma disputa legal com a sua antiga editora, só três das nove faixas aparecerem como suas.  Como sempre, os hinos rastafari (como o soberbo Lively Up Yourself, So Jah S’eh, e a faixa-título Natty Dread) ocupam posição de destaque ao lado dos mais militantes, aonde Them Belly Full (But We Hungry) é, de facto, marcante:

A belly full, but them hungry,
A hungry mob is a angry mob.
A rain a-fall, but the dirt it tough,
A pot a-cook, but d’ food no ‘nough.
A hungry man is a angry man;

Em Rebel Music (3 O’clock Roadblock) é é o regresso ao tema de Burnin’ And Lootin’.

Take my soul and suss me out
Check my life if I am in doubt
3 o’clock... roadblock!
And hey mr. cop, ain’t got no
- What you say down there?
Ain’t got no birth certificate on me now

Em Talkin' Blues, Marley leva o conflito entre o rastafarianismo e as igrejas oficiais, já abordado em Get Up, Stand Up, a um outro patamar:

Butta I, I'm gonna stare in the sun,
Let the rays shine in my eyes… I
I'm a gonna take a justta one step more
'Cause I feel like bombin' a church… now
Now that you know that the preacher is lyin'
So who's gonna stay at home… when
When the freedom fighters are fighting?

e em Revolution, misturando a mensagem bíblica com a da revolução afro-americana, ele investe contra os políticos como falsos pagadores de promessas:

Revelation reveals the truth… revelation (ooo-ooo-ooo)
Revolution, revolution, revolution (ooo-doo-doo-doo-doo)
Revolution (ooo-doo-doo-doo-doo)

It takes a revolution (revolution-ooo-ooo) to make a solution (doo-doo-doo-doo)
Too much confusion (aaa-aaah), so much frustration, yeh
I don't wanna live in the park (live in the park)
Can't trust no shadows after dark (shadows after dark), yeah-eh
So, my friend, I wish that you could see
Like a bird in the tree, the prisoners must be free, yeah! (free-eee-eee)

Never make a politician (aaa-aaah) grant you a favour (doo-doo-doo-doo)
They will always want to (aaa-aaah) control you forever, eh!(forever, forever)

No ano seguinte, lança um excelente trabalho ao vivo, Live!, gravado a partir de material recolhido em dois concertos dados no Lyceum Theatre de Londres quem lá esteve descreve assim o ambiente no primeiro desses concertos: «No Lyceum, pela primeira vez, uma multidão racialmente integrada misturava-se engrossando metade da sala, os brancos felizes por desfrutarem a onda e viverem a atmosfera, os negros ferozmente orgulhosos desta extraordinária música original mas um pouco ressentimentos da sua iminente absorção pela audiência normal.»[30], e em 1976 sai Rastaman Vibration, aonde Marley, uma vez mais, demonstra prestar uma atenção redobrada à sua mensagem construindo letras com um lirismo extraordinário.

Capa de Rastaman Vibration

Com Roots, Rock, Reggae faz a ligação, quase inevitável, entre o reggae e a sua origem, o r’n’b, e com Want More atinge um momento excepcional permitindo momentos brilhantes aos restantes membros do grupo – na minha opinião, uma das melhores músicas do grupo enquanto um colectivo de mestres, que só peca por ser tão curto.

A situação política jamaicana a partir de um ponto de vista rasta, está presente em Crazy Baldhead (“baldhead” é todo aquele que não usa dreadlocks) , i.e. num sentido mais lato, quem não é rasta)

I ‘n’ I build a cabin
I ‘n’ I plant the corn
Didn’t my people before me
Slave for this country?
Now you look me with that scorn
Then you eat up all my corn

We gonna chase those crazy
Chase them crazy
Chase those crazy baldheads out of town!

Build your penitentiary
We build your schools
Brainwash education to make us the fools
Hate is your reward for our love
Telling us of your God above

Em War, sob um fundo musical vibrante, Marley faz uma montagem interessante de excertos de um discurso de Hailé Sellasié proferido perante a Assembleia Geral da ONU, em Outubro de 1963

Hailé Sellasié discursando na ONU

e, na última música do álbum, Rat Race, atribuída à sua mulher, Rita, adopta um discurso revolucionário terceiro-mundista:

I’m singin’ that
When the cat’s away
The mice will play
Political voilence fill ya city, yeah!
Don’t involve rasta in your seh seh
Rasta don’t work for no CIA
Rat race, rat race, rat race! rat race,
I’m sayin’:
When you think is peace and safety:
A sudden destruction
Collective security for surety, ye-ah!
Don’t forget your history
Know your destiny
In the abundance of water
The fool is thirsty

Em Dezembro de 1976, uns dias antes de participar num concerto patrocinado pelo governo Michael Manley, o Smile Jamaica e enquanto ensaiava em casa, Marley sofre uma tentativa de assassinato.  Logo após o concerto, aonde adopta uma atitude desafiante, parte para Londres aonde nos 16 meses seguintes, passa a residir.  É aí que termina aquele que para muitos, é considerado o seu melhor trabalho de sempre: Exodus.

Capa de Exodus

Lançado no começo do verão, oito dias depois, a 11 de Junho, o álbum entra nas tabelas britânicas no #22 e, a 2 de Julho, atinge a sua melhor posição, o #8.  No final do século a muito conservadora revista norte-americana Time, viria a considerá-lo como o álbum do século: «Cada canção é um clássico, das mensagens de amor aos hinos de revolução. Mas mais do que isso, o álbum é um nexos político e cultural, recebendo inspiração do Terceiro Mundo e, em seguida, dando voz a ele por todo o mundo.»[31]

Dificilmente, poderia aceitar este trabalho de Marley como o melhor álbum do século ou mesmo, para ser sincero, o de toda a sua discografia.  Sim, é um álbum com vários temas bem conseguidos e, por isso, uma das grandes fontes de uma qualquer boa compilação da sua obra (Exodus, Jamming, Waiting In Vain, Three Little Birds e, claro, One Love/People Get Ready) mas, do meu ponto de vista, não é isso que faz um álbum ser extraordinário: essencialmente, acho que lhe falta aquele rasgo de génio natural a que nos habituara nas suas letras e, nesse campo, as que melhor funcionam no álbum, são as mais simples e comerciais (Jamming, Waiting In Vain, e Three Little Birds), e depois, uma certa coerência entre as canções apresentadas, de resto, sou obrigado a concordar com a opinião de Vivien Goldman: «Os prognósticos apontam para que apesar de todo o talento, dinheiro e promoção pelo mundo, o reggae nunca irá VENDER como o rock. Se algum álbum conseguir quebrar essa barreira, Exodus deverá ser esse álbum. O habitual som nítido e limpo de Karl Pitterson foi calculado para ser flexível o suficiente para os adeptos de rock enquanto permanece suficientemente enérgico para manter os seguidores das raízes 'apenas' satisfeitos. »[32]

Natural Mystic é um bom número de abertura com as suas profecias apocalípticas :

This could be the first trumpet
Might as well be the last
Many more will have to suffer
Many more will have to die
Don’t ask me why
Things are not the way they used to be

I won’t tell no lie

One and all got to face reality now
Though I try to find the answer
To all the questions they ask
Though I know it’s impossible

To go living through the past

Don’t tell no lie

So Much Things To Say promete manter o álbum num bom nível:

Eih! But I'll never forget no way, they crucified Jesus Christ
I'll never forget no way, they stole Marcus Garvey for rights
Oo-ooh!
I'll never forget no way: they turned their back on Paul Bogle
Hey-ey!
So don't you forget (no way) your youth,
Who you are and where you stand in the struggle.

a passagem para Guiltiness é preciosa embora sinta que quanto mais vou avançando nela, algo se vai perdendo...

The Heathen é um tema sem qualquer interesse e Exodus, embora seja uma das grandes canções de Marley, se ouvida isolada, no álbum não funciona.

O lado dois, geralmente considerado o lado “mundano” do álbum, apresenta-nos um Marley mais coincidente com o seu lado “socialite”, faceta que não pretendo abordar aqui, contudo não quero deixar de reconhecer que são um excelente grupo de canções.

Capa de Kaya

Kaya, publicado em Março de 1978, é uma espécie de alter ego do lado dois de Exodus – as músicas ligeiras e despretensiosas que o compõem, diz-se, terão sido as preteridas aquando da selecção para o seu antecedente, muito provavelmente, digo eu, pelo excesso de temas profanos sobre amor e ganja que Marley tinha composto então.  Destaque para Kaya (uma das poucas músicas de Marley, em que ele aborda a ganja de um ponto de vista profano),  Sun Is Shining (de longe, uma das melhores do álbum!), e as mais “sérias”, Crisis e Running Away, que não ficariam mal em Exodus.

A ganja, ou kaya, é aquela parte em que todos os que gostam a sério de reggae aceitam terem de comum com os rastafari – nunca conheci alguém que gostasse realmente de reggae e não fumasse erva mas os rastafari asseguram que a sua relação com ela é estritamente religiosa: não diz o “bom livro” em Salmos 104:14: «Ele fez crescer a relva para os animais, e a erva para uso do homem, para que ele pudesse tirar alimento da terra»?  Mas o que a maioria dos rastafari não sabe (e não quer saber), é que a ganja apenas apareceu na ilha, em meados do século XIX, trazida pelos trabalhadores imigrantes indianos contratados para suprirem a falta de mão de obra nas grandes plantações, provocada pela abolição da escravatura.  O seu consumo espalhou-se rapidamente ao longo da ilha, passando a ter vários usos, em especial, no campo medicinal e místico.  Em 1913, as autoridades coloniais, sob pressão dos grandes plantadores e de instituições religiosas locais, ilegalizaram a sua plantação, transacção e consumo.  Supõe-se que a primeira associação entre ganja e rastafarianismo se concretizou na Comuna de Pinnacle, no início da década de 40 do século passado.  Quando em 1954, a comuna foi desmantelada definitivamente, os seus habitantes que não tinham sido detidos acabaram por se deslocar para Kingston, aonde se juntariam em novas comunas, fazendo crescer não só o culto em si mas também o consumo de ganja.  Tradicionalmente cultivada por pequenos proprietários que não só a cultivavam para consumo próprio mas também para abastecer o mercado interno, com a transformação de costumes operada nos EUA a partir de meados da década de 60, começou a abrir-se um vasto mercado naquele país e, consequentemente, a aparecer grandes produtores que ao contrário dos tradicionais, passam a utilizar todas as técnicas e conhecimentos científicos necessários para que as plantas produzam mais: o seu único objectivo passa a ser o de exportar toda a produção para os EUA com lucros apetecíveis.

Desde a criação dos dois principais partidos jamaicanos, em 1938, o Partido Nacional Popular (PNP), e em 1943, o Partido Trabalhista da Jamaica (JLP), ambos rodearam-se daquilo a que chamavam de segurança e que, depois da independência, gradualmente, começaram a tornar-se em forças para-militares, recrutando os seus membros entre a escória dos bairros suburbanos de Kingston, geralmente membros dos gangs associados ao crescente tráfico de droga.  Com a nomeação de Michael Manley, líder do PNP, para a chefia do governo, em Março de 1972, a Jamaica vê iniciada uma quase década de tentativas de transformação da sua realidade sócio-económica.  Naturalmente, as elites crioulas e as grandes empresas que controlavam a economia da ilha, pressentiram de imediato o perigo.  Em Washington, essa mudança não viria a passar despercebida e as manobras de desestabilização passaram então a ser frequentes[33].  Ao longo de 1974/75 e apesar de uma série de medidas legislativas, a violência entrou numa espiral incontrolável – o turismo, uma das grandes fontes de divisas, foi o primeiro sector a sofrer consequências.  No ano seguinte, com eleições marcadas para finais do ano, os gangs voltariam à violência política – do qual o atentado contra Bob Marley é apenas um exemplo – e, diz-se, a serem reforçados com armamento cada vez mais sofisticado mas é, uma vez mais, o mercado de drogas dos EUA, quem irá influenciar a situação, quando a cocaína e o crack, passaram a ser as drogas mais rentáveis – nascem então os famosos e “independentes” posses, que rapidamente se estabelecem em todas as principais cidades dos EUA e, na Jamaica, uma nova geração de rastafaris troca a ganja pela cocaína[34].

1978 não terminará sem que Marley viva vários acontecimentos que serão importantes na sua carreira.  O primeiro, é uma digressão recheada que o levará aos pontos mais distantes do planeta, um reflexo natural do seu crescente sucesso universal e, cujo testemunho, é o excelente duplo álbum ao vivo Babylon By Bus, que espelha bem a sofisticação que os seus concertos conseguiram alcançar.  O segundo, é o seu regresso à Jamaica para participar num concerto que tinha por base a pacificação do ambiente escaldante pré-eleitoral que se vivia então, o One Love Peace concert, na National Arena de Kingston, aonde ele consegue que os dois principais rivais políticos jamaicanos, Michael Manley e Edward Seaga, hipocritamente, concedam por pressão sua, dar as mãos num gesto simbólico de união.

Michael Manley, Bob Marley e Edward Seaga

O terceiro, para mim, sem qualquer dúvida, o mais importante deles todos, é a sua primeira viagem a África e, em especial, à mítica e sagrada Etiópia aonde, apesar de o seu deus vivo, Hailé Sellasié, já ter falecido e, mais tarde veio a saber-se, estar enterrado numa das casas de banho de um dos seus muitos palácios, supostamente por ordem do directório de militares revolucionários que o tinham deposto uns anos antes acusando-o de ser um déspota feudal que tinha causado a miséria do seu povo, ele conviveu com os primeiros repatriados rastas na cidade que deveria servir de modelo para o regresso a África, Shashamane, e aonde Marley desenvolverá vários temas que farão parte de um dos seus álbuns fundamentais: Survival!

«Yeah mon! O tempo [de regressar a África]
chegou, compreendes? Marcus Garvey disse
 "a África para os africanos". E isso não pode
ser posto em causa. (...) Nós somos oriundos de
África, mas ninguém no governo o aceita. Eles
querem que nós pensemos que somos jamaica-
nos. A maioria dos jamaicanos quer regressar
a África, mas o governo diz que devemos viver
e morrer aqui. Ainda não é hoje, mas quando
o dia chegar, 144.000 regressarão.  (...) Yeah
mon! É a guerra! A Jamaica é o inferno. Até
encontrarmos as nossas raízes, a política con-
tinuará a existir. Se encontarmos as nossas raí-
zes, poderemos viver.» – Bob Marley[35]


Um nota final: muito do que aqui ficou escrito sem ser citado tem origem no artigo incorporado no CD The Story of Jamaican Music, publicado pela Island Records, Ltd.
____________________________
1)   DE LAS CASAS, Bartolomé. “De Las dos Islas de Sant Juan Y Jamaica”. Brevísima relación de la destrucción de las Indias. 1552;
2)   PATTERSON, Orlando. Appendix C: The Large-Scale Slave Systems”. Slavery And Social Death: A Comparative Study. Harvard University Press. USA. 1982. p.358;
3)   DOAK, Robin Santos. “Slave Rebellions in the New World. The Earliest Revolts”. Slavery in the Americas: Slave Rebellions. New York: Chelsea House. 2006. p.20;
4)   KRITZLER, Ed. “Oy-yuy-yuy, & a bottle of Schnaps”. United Congregation of Isrealites in Jamaica. 2009;
5)   HILDRETH, R. “Chapter I – Historical Introduction”. The “Ruin” of Jamaica. Anti-slavery Tracts No. 6. The American Anti-Slavery Society. p.3;
6)   Na verdade trata-se de um monopólio que surge na sequência do desaparecimento, em 1667, da Company of Royal Adventurers Trading to Africa, que tinha sido criada em 1660.  Com o surgir da Royal African Company, a coroa pretende ainda assumir o monopólio do comércio da prata e do ouro a partir de África.  Só entre o ano em que surgiu e 1689, terá espoliado a África entre 90 a 100 mil dos seus filhos.  Em 1698 acabaria por perder o monopólio e a partir de 1731 passou a dedicar-se apenas ao tráfico de marfim e ouro. Fonte: Wikipedia – “Royal African Company;
7)   PRICE, Jacob M. “The British Slave Trade, 1713-75. Credit in the slave trade and plantation economies”. Slavery and the Rise of the Atlantic System. Edited by Barbara L. Solow. Cambridge: Cambridge University Press. 1991. p.305;
9)   Slaves and Slavery in Jamaica”. Jamaican Family Search. 2009;
10) SYLVESTER, Theodore M.The law of the whip. Colonial Latin America. The West Indies”. Slavery Throughout the History: Almanac. Farmington Hills: U•X•L. p.93;
11) “Return of Inhabitants of Jamaica 1788”. Spanish Town, November 1788. Jamaican Family Search. 2006;
12) SYLVESTER, Theodore M.The law of the whip. Colonial Latin America. The West Indies”. Slavery Throughout the History: Almanac. Farmington Hills: U•X•L. pp.93/94;
13) “Resistance on Board the Ships”. The Abolition Project. E2BN - East of England Broadband Network e MLA East of England. 2009; Consultem também: GREENE, Lorenzo J.Mutiny on the slave ships”. Phylon (1940-1956), Vol. 5, No. 4 (4th Qtr., 1944). 1944. pp.346/354;
14) “Tacky’s War”. Wikipedia. 2011;
15) DOAK, Robin Santos.Unrest Everywhere. Abolition, Religion, and Insurrection”. Slavery in the Americas: Slave Rebellions. New York: Chelsea House. 2006. p.79;
16) ELAM, Rachel.Jamaican Christian Missions: Their Influence in the Jamaican Slave Rebellion of 1831-32 and the End of Slavery”. Historia, Volume 14, 2005. Epsilon Mu Chapter of Phi Alpha Theta e Department of History, Eastern Illinois University. USA. pp.102/104;
17) DRESCHER, Seymour. “Expanding Abolitionism. British Emancipation”. Abolition: A History of Slavery and Antislavery. New York: Cambridge University Press. 2009. p.261;
18) MORGAN, Kenneth. “Slave Revolts In The Caribbean. Resistance and Rebellion”. Slavery and the British Empire: From Africa to America. New York: Oxford University Press Inc. 2007. p.147;
19) MORGAN, Kenneth. “Maroons In The West Indies. Slave Resistance and Rebellion”. Slavery and the British Empire: From Africa to America. New York: Oxford University Press Inc. 2007. pp.134/136; “Jamaican Maroons”. Wikipedia. 2011; HIGGINSON, Thomas Wentworth. “The Maroons of Jamaica”. Black Rebellion: Five Slave Revolts. Wattpad;
21) DAVIS, Stephen e SIMON, Peter.”Três Mestres do Reggae”. Reggae: Música e Cultura da Jamaica. Tradução de Fernando Costa e Avelino Ferreira. Colecção Rock On, n.º 7. Coimbra: Centelha. 1988. p.79;
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