terça-feira, 14 de setembro de 2010

Pink Floyd ~ Obscured By Clouds

   Que melhor maneira há para começar um blogue que resolvi intitular de PROTEGIDO PELAS NUVENS do que recorrer a esse álbum sempre tão subestimado que é OBSCURED BY CLOUDS dos Pink Floyd?!?

   Por mim, nenhuma... mas julguem por vocês mesmos.

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~  o LP  ~
1972:
Para os Pink Floyd, o ano inicia-se a 3 de Janeiro com a sua presença em estúdio para o desenvolvimento de novos temas, o que viria a prolongar-se até ao dia 15.  Cinco dias depois, iniciam em Brighton uma digressão por dez cidades da Grã-Bretanha – a primeira que faziam por lá desde há dois anos – e que terminaria em Liverpool, a 13 de Fevereiro.
O álbum Meddle, disponibilizado ao público britânico a 5 de Novembro do ano anterior, ainda andava pelas tabelas (#18 em 8 de Janeiro, #17 uma semana mais tarde, #20 na seguinte, e #24 no começo de Fevereiro).
Na segunda quinzena de Fevereiro, já em Londres aonde depois de uns dias de descanso, fazem 4 noites no Rainbow Theatre (de 17 a 20), surpreendem o público presente com o seu novo sistema quadrifónico controlado por Pete Watts através de uma consola de mistura com 28 entradas, e por um jogo de luzes sóbrio mas eficaz da responsabilidade de um tal Arthur Max, tendo neles dado a conhecer alguns dos temas do seu novo álbum que – anunciam eles então – se irá chamar de Eclipse.
A 21, partem para França com destino a Hérouville, nos arredores de Paris, aonde no castelo-estúdio local (que Elton John imortalizará no título do seu álbum desse ano, Honky Château) pretendem gravar a banda sonora do segundo filme de Barbet Schroeder, ainda na sua fase hippie, que tinha sido rodado na luxuriante paisagem da Papua Nova Guiné durante o ano anterior.

A relação dos Pink Floyd com o cinema em geral e, em especial, com o de Schroeder já não era uma novidade.  O seu primeiro contributo para a “sétima arte” recua a excertos de uma das suas actuações ainda com Syd Barrett, no ano de1967, em Tonite Lets All Make Love In London - A Pop Concerto, um documentário de Peter Whitehead sobre a Swinging London, seguindo-se-lhe uma banda sonora nunca disponibilizada ao público, para um filme a preto-e-branco de Peter Sykes, The Committee, em 1968, que também nunca viria a ser comercializado.  Um ano depois, surge uma colaboração pouco frutuosa mas muito conflituosa com Michelangelo Antonioni, para Zabriskie Point, com vários (9?) temas inéditos dos quais só dois seriam aproveitados pelo realizador, para além de uma versão trabalhada para o filme, de Careful With That Axe, Eugene.
Barbet entra pela primeira vez no destino do grupo em 1969 ao pedir-lhes que traduzissem para som o enredo do seu filme sobre os últimos meses de um junkie na ilha de Ibiza – surge More.  «Os Pink Floyd fizeram-me uma música absolutamente ideal.  Mostrei-lhes o filme e pedi-lhes uma música que estivesse de acordo, sem lhes dar qualquer directiva.  Eles encontraram um elemento mágico impressionante e sobretudo o sentido de espaço... a tal ponto que tive de baixar o volume da música.  A sua qualidade aniquilava literalmente algumas cenas!» - Barbet Schroeder(1).
E o entusiasmo de Schroeder encontrou correspondência no grupo: «Depois do sucesso de More, concordámos em fazer uma outra banda sonora para Barbet Schroeder.  O seu novo filme chamava-se La Vallée e viajámos até França na ultima semana de Fevereiro, para gravarmos a música.» - recorda Nick Mason(2). 
 
~  o DVD  ~
Depois de montada a aparelhagem que, pela primeira vez, incluía um sintetizador (o EMS VCS3), nos Strawberry Studios, os ensaios para a gravação iniciam-se no dia 23, e prolongar-se-ão por seis dias, aquando o grupo por motivos que se prendiam com uma digressão já agendada pelo Japão, adiou o trabalho em mãos para o mês seguinte, também num dia 23, tendo então utilizado outros 4 dias: ao todo, 12 dias.  «O tempo de gravação foi muito apertado. Tivemos apenas duas semanas para gravar a banda sonora, com um curto período de tempo depois, para a transformar num álbum.» - recorda Mason(1) embora Gilmour fosse categórico ao afirmar que «É bom trabalhar assim com restrições extremas de tempo e tentar encontrar o que alguém nos pede.»(3)
~ Cartaz da digressão japonesa ~
A verdade é que quem ouça o álbum, apercebe-se que muitos dos sons nele registados já deveriam fazer parte do novo material que o grupo ensaiara durante a primeira quinzena do ano, devido às suas semelhanças rítmico-melódicas, mesmo que pouco trabalhadas, com Dark Side Of The Moon.  Gilmour: «Certas partes foram compostas em Inglaterra por um de nós. As outras, escrevemo-las aqui, em Hérouville, vendo o filme. Era mais espontâneo. Gravávamos duas horas por dia, entre a tarde e as cinco da manhã.»(2)
Tal como em More, a ideia base de Schroeder era utilizar as músicas gravadas pelo grupo, em situações esporádicas e ocasionais como se no universo por ele criado não houvesse outra banda para ser transmitida pela estação sintonizada pelos seus personagens, dando espaço a fachas completas apenas na abertura e no final do filme aonde viria a recorrer a, respectivamente, Obscured By Clouds e Absolutely Curtains.  Richard Wright: «Ele queria que a banda sonora se relacionasse exactamente com o que estava a acontecer no filme»(4)
O trabalho gráfico viria, uma vez mais, a ser entregue aos seus amigos da Hipgnosis, Aubrey Powell e Storm Thorgerson, que utilizaram uma imagem de uma sequência desfocada do filme, de um homem numa árvore a tentar alcançar algo («De repente, diante dos nossos olhos, a qualidade de uma imagem comum desfocada imbuída com mais qualidades transcendentais. Ou foi isso que dissemos a Barbet.» recorda Storm Thorgerson no seu livro Mind Over Matter(3)) e que viria a gerar uma polémicazita que se mantém até hoje entre os fãs do grupo, sobre quem será o vulto desfocado... com uns a afirmarem que é Gilmour que, como sabemos, não entrou no filme, e outros a apontarem para o que é mais provável, Jean-Pierre Kalfon, o actor principal da película.

O álbum viria a ser posto à venda a 3 de Junho e o filme teria a sua estreia oficial, cerca de um mês depois.  Ambos seriam alvo de críticas demolidoras (Jean-Marie Leduc, da melhor revista francesa sobre música Rock, a Rock & Folk: «descem ao fundo dos abismos neste disco inconsciente, bastardo e destituído de qualquer personalidade»... contundente, não?) ou de, no mínimo, um certo desdém (por exemplo, a conceituada Rolling Stone não lhe iria dedicar qualquer espaço na sua análise de LPs) mas, em termos de grande público, o acolhimento foi mais do que caloroso (#6 no Reino Unido, #4 na Holanda, e mesmo um #1 em França; tendo nos EUA, pela primeira vez, ultrapassado a barreira do Top50 da Billboard).


Por mim, é um álbum em que apesar de ser notória uma participação criativa mais aberta do que até então se tinha verificado, por parte de todos os membros do grupo (a que não devem ter sido alheias as limitações de tempo) Gilmour, com a sua guitarra e voz melódica, assume um papel preponderante. 
~ Etiqueta do lado A do LP ~
A introdução é feita por essa parelha indissociável que é Obscured By Clouds e When You're In, dois instrumentais poderosos em que Waters está praticamente ausente, e em que a guitarra de Gilmour sobressai, quer na liderança da primeira facha, quer na parceria que forma na outra, com o órgão e o sintetizador de Wright, e a bateria de Mason.  Alheando-me do filme, Obscured By Clouds com os seus acordes iniciais extraídos do EMS VCS3 e da posterior entrada da bateria electrónica (que, diz Mason, seriam então mais parecidas com congos electrónicos!), criam a imagética de uma lente em pleno zoom em busca do vento que permita o voo planado da guitarra lacinante de Gilmour e finalmente o regresso a terra, quando o sintetizador dá lugar à bateria despertadora que introduz When You're In.
Burning Bridges é toda ela vozes suaves e melódicas em dueto para as palavras de Waters, soletradas até ao infinito, nesse duelo entre Gilmour e Wright que se encarregam ainda dos principais instrumentos: a guitarra e o órgão. Sem dúvida alguma uma das grandes composições do grupo que se manteve até hoje praticamente esquecida.  Sim, falta-lhe a devida lapidação... e sim, uma má produção também (aos 2:15 isso é mais do que evidente!) mas também aonde estão presentes todas as componentes que farão de Dark Side Of The Moon um grande álbum.
The Gold It's In The... faz-me lembrar Glam Rock, em especial no floreado da guitarra – Gilmour a fazer de conta que é Dick Wagner e Steve Hunter? Ou Mick Ronson? – e à companhia que lhe é feita pela irrequieta bateria de Mason, mas também aonde Gilmour demonstra todas as suas limitações enquanto vocalista.
Wot's... Uh The Deal?, é uma balada semi-acústica com uma letra acima do normal (esperado?) de Waters e, uma vez mais, brilhantemente interpretada por Gilmour com a ajuda de... Gilmour e aonde Wright desenvolve uma intervenção interessante nas teclas.
Em Mudmen, o grupo retoma uma série de pistas lançadas em álbuns anteriores para encerrar o lado A do disco. O grupo está que nem peixe dentro de água neste tipo de música: o espaço é o limite e eles flutuam seguros nele sem se distraírem com vozes e palavras desnecessárias. Comparem-na com Burning Bridges para me perceberem melhor.
~ Parte de trás da capa do LP ~ 
O lado B (e não se esqueçam que nos álbuns de vinil, as músicas eram “ordenadas” de acordo com o espaço limitado de cada lado do disco) começa com Childhood's End, uma introdução cheia de swing da autoria de Gilmour – para mim, uma das melhores (se não a melhor das) fachas do álbum – aonde todos os elementos do grupo têm lugar e prestam uma notável interpretação. Waters, aqui, é puro Funky! E a guitarra de Gilmour tem, como não poderia deixar de ser, um solo curto mas vivíssim.
Segue-se-lhe a contribuição individual de Waters, Free Four, que mais uma vez destoa do ambiente geral do álbum. Em Meddle, saíra-se com St. Tropez cujo “sabor ligeiro” com que recorreu ao Jazz “anos 30” até se adaptava ao tema, mas que dizer desta batida para um tema tão dramático como a morte do seu pai na IIGM? Acabaria, no entanto, por se tornar no verdadeiro hit do álbum graças à frequência com que as estações de FM dos EUA o punham no ar.
Stay, que seria o tema escolhido para o lado B do single estado-unidense, era o tema perfeito para encerrar o álbum, com toda a sua melancolia depressiva da solidão dos “coitados das estrelas de Rock em digressão”, versão Waters. A voz de Wright, por uma vez no álbum, em lugar de destaque (são poucas as vezes que ele antes teve a sua oportunidade... talvez umas 3 vezes – Remember A Day e See-Saw, em A Saucerful Of Secrets, e Summer ’68, em Atom Heart Mother), está incrível – não sendo tão suave quanto a de Gilmour consegue ter uma rispidez que falta a este e que julgo ser necessária neste tema. As poucas intervenções da guitarra de Gilmour são brilhantes.
Absolutely Curtains, por fim, é a "banda sonora" aonde se destaca o cântico dos Magapua (uma espécie de versão “etno” dos cânticos hooligans de Fearless?) e, claro, Wright criando ambientes à la Eno, com o apoio do resto do grupo...

E agora digam-me: algum outro grupo faria melhor em menos de doze dias?


Um trailer do filme La Vallée pode ser visto aqui: http://www.youtube.com/watch?v=q3ROovzY6Fg . 
~ Cartaz do filme aquando da estreia nos EUA ~
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(1) Leduc, Jean-Marie. Pink Floyd, 1982;
(2) Mason, Nick. Inside Out: A personal History of Pink Floyd, 2005;
(3) Blake, Mark. Comfortably Numb: The Inside Story of Pink Floyd. 2008;
(4) The Source, 1984

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