Os Band
Escrita pelo guitarrista Robbie Robertson, um canadiano incondicionalmente rendido à “Americana”, provavelmente, pelas suas muitas digressões pelo sul dos EUA, desde os tempos dos The Hawk (o grupo de suporte a Ronnie Hawkins), ou pelas histórias que ouvia a Levon Helm, o baterista e principal vocalista do grupo, natural dum estado situado no “deep South”, o Arkansas, é, quanto a mim, uma versão musical concentrada do On The Road, de Jack Kerouac, com as suas personagens “exóticas” de vagabundos, velhos tresloucados, e mulheres de comportamento estranho, sob um som, ao mesmo tempo, eclético mas seguramente ligado às raízes.
«Quando escrevi ‘The Weight’, a primeira canção
para ‘Music From Big Pink’, ela tinha uma espécie
de mitologia americana que eu estava a reinventar
usando a minha ligação à linguagem universal. A
Nazaré em ‘The Weight’ era a Nazaré, Pensilvâni-
a. Era um pouco improvisado – ‘I pulled into Na-
zareth’. Bem, não sei se a Nazaré daonde veio Je-
sus era o tipo de lugar a que vais, mas sei que vais
a Nazaré, Pensilvânia! Experimento com a mitolo-
gia norte-americana. Não quero dizer pegar em
coisas sagradas, preciosas, e transformá-las em
humor.» – Robbie Robertson(1)
Os Band na Big Pink
«Tínhamos duas ou três músicas, ou pedaços de
músicas, e The Weight era uma que eu gostaria de
ter trabalhado. Robbie tinha essa coisa de descer
até Nazaré, Pensilvânia, aonde está a fábrica das
guitarras Martin. A canção estava cheia dos nos-
sos personagens favoritos. ‘Lucas’ era Jimmy Ray
Paulman. ‘Young Anna Lee’ era a Anna Lee Wil-
liams, de Turkey Scratch. ‘Crazy Chester’ era um
tipo que todos nós conhecíamos de Fayetteville
que, aos sábados, vinha até à cidade, com um con-
junto completo de armas nos quadris e, era tipo,
andava pela cidade para ajudar a manter a paz, se
me entendes!?! Ele era como o Hopalong Cassidy,
e um amigo dos Hawks. Ronnie consultava sempre
o Crazy Chester para se certificar de que não ha-
via qualquer problema na cidade. E o Chester as-
segurava-lhe que tudo estava calmo e para não se
preocupar, porque ele tinha tudo sob controlo. Ele
usava dois grandes revólveres, mais uma peruca!
Havia também ‘Carmen and the Devil’, ‘Miss Moi-
ses’ e ‘Fanny’, um nome que apenas parecia encai-
xar num filme (acredito que ela se parecia muito
com a Caladonia.). Nós gravámos a canção talvez
umas quatro vezes. Não tínhamos a certeza de que
ia entrar no álbum, mas as pessoas realmente gos-
taram. Rick, Richard, e eu gostávamos de trocar os
versos entre nós, e todos nós cantávamos o refrão:
Put the load right on me!» – Levon Helm(2)
Lançada quatro dias antes do seu primeiro álbum, Music From Big Pink, ser publicado, a música viria a tornar-se numa apetitosa entrada para o banquete que se lhe seguiria, sendo uma das estreias mais aguardadas, claro, pela notoriedade já alcançada pelo grupo através da sua ligação a Dylan. Robertson e Helm, por sugestão do cantor de blues John Hammond, tinham sido contratados por Bob Dylan para fazerem parte da banda para a sua digressão “eléctrica”, em 1965; aos poucos, os restantes membros do grupo – Richard Manuel, Garth Hudson e Rick Danko, todos canadianos – juntar-se-lhes-iam. Após um grave acidente de moto, em Julho de 1966, Dylan retira-se para a sua nova casa em Woodstock daonde viria a convidar o grupo a juntar-se a ele, tendo então alugado um casarão (o Big Pink), em West Saugerties – perto de Woodstock, e é lá que nas horas livres da sua colaboração com Dylan (que deu origem ao álbum The Basement Tapes, que só viria a ser publicado em Junho de 1975), irão dar corpo ao seu primeiro trabalho de longa duração. Nasciam assim os The Band que, como é evidente, foram buscar o nome à sua ligação ao então “profeta” Dylan.
Os Band em frente da Big Pink
Multi-instrumentistas rodados em anos de digressões e de actuações em bares e clubes, individualmente dominavam um vasto leque de correntes musicais que ia da chamada música erudita ao cajun da Lousiana, passando – naturalmente – pelo rockabilly; colectivamente, devido à sua idade (o mais novo, Robertson, já tinha 25 anos, enquanto o mais velho, Hudson, ultrapassava já os 30) situavam-se naturalmente acima dos habituais cânones adolescentes das bandas que se estreavam, o que contribuía para uma assumida maturidade patente em Music From Big Pink.
Gravada em Janeiro de 1968, em duas sessões nos estúdios da A&R, em Nova Iorque, tendo como produtor John Simon que, previamente tinha sido obrigado a ir ouvi-los no seu ambiente “natural” em Woodstock, viria a ser editada em single para distribuição às principais estações radiofónicas, e ainda sob o nome dos elementos da banda, em Junho desse ano. Quando posto à venda ao público, atingiria o #63 nas tabelas dos EUA e, o #21 em Inglaterra.
Comummente aceite como um country-rock, The Weigth tem tido contudo, na minha opinião, melhores interpretações quando adaptadas por artistas da área da música gospel/soul (Aretha Franklin, as Supremes c/os Temptations, mas em especial, os Staplers Singers), quiçá porque encontrem na letra um sentido bíblico-metafórico próprio daqueles géneros musicais – «Ao escrever "The Weight" eu tinha sido influenciado por Buñuel, em especial por Nazarín. Parecia que por muito que tentasse ser correcto, alguma coisa me puxava na outra direcção (...) A coisa mais importante era a conotação religiosa da canção. (…) Para mim era uma combinação entre Catolicismo e música gospel.» – Robbie Robertson(3).
As muitas análises da sua letra, feitas por críticos musicais e fãs, conseguem “situá-la” nas mais diferentes situações, como no caso de Jay Cocks, na revista Time, num imagético encontro entre «um personagem do Velho Testamento face a face com um músico rock de 1970.»(4) Um outro, algures na NET e por certo influenciado pelas cenas iniciais do filme Easy Rider, do qual a canção faz parte da banda sonora mas tocada por um outro grupo, e por determinadas palavras que no calão da contracultura, se encontravam conotadas com droga (weight, fix, etc), descobre uma transacção de drogas mal sucedida.
A capa da Time de 12 de Janeiro de 1970
O grupo:
Nas vozes principais, o baterista Levon Helm e o baixista Rick Danko. Robbie Robertson encarrega-se da guitarra acústica e Richard Manuel do órgão Hammond e do coro, enquanto Garth Hudson se senta diante do piano.
Os Band
The Weight
(No fim desta mensagem pode
ouvir a música na versão dos
Band e dos Staples Singers).
I pulled into Nazareth
I was feelin' about half past dead
I just need some place
Where I can lay my head
“Hey, mister, can you tell me
Where a man might find a bed?”
He just grinned and shook my hand
And “No!”, was all he said
Refrão:
Take a load off Fannie,
Take a load for free;
Take a load off Fannie,
And (and… and…) you can put the load right on me.
I picked up my bag
I went lookin' for a place to hide
When I saw
Carmen and the Devil walkin' side by side
I said, “Hey, Carmen,
Come on, let's go downtown”
She said
“I gotta go, but m'friend can stick around”
(Refrão)
Go down, Miss Moses
There's nothin' you can say
It's just ol' Luke
And Luke's waitin' on the Judgement Day
“Well, Luke, my friend
What about young Anna Lee?”
He said, “Do me a favor, son
Woncha stay an' keep Anna Lee company?”
(Refrão)
Crazy Chester followed me
And he caught me in the fog
He said, “I will fix your rags
If you'll take Jack, my dog”
I said, “Wait a minute, Chester
You know I'm a peaceful man”
He said, “That's okay, boy
Won't you feed him when you can”
(Refrão)
Catch a Cannonball,
Now, it take me down the line
My bag is sinkin' low
And I do believe it's time
To get back to Miss Annie
You know she's the only one
Who sent me here
With her regards for everyone
(Chorus)
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(1) Vox, October 1991;
(2) HELM, Levon, e DAVIS , Stephen. “This Wheel’s On Fire: Levon Helm And The Story Of The Band”. 2000. p.167;
(3) KELLEY, Mary Pat. “Martin Scorsese: A Journey”. 1992, 1997. p.115;
(4) COCKS, Jay. “Down to Old Dixie and Back”. Time, Vol. 95 No. 2, January 12, 1970;