Dylan durante a gravação
Ao fim de dois dias de gravação, a 16 de Junho de 1965, sob a direcção do produtor vindo da área do jazz, Tom Wilson, a gravação de Like A Rolling Stone é dada por concluída – no estúdio A da Columbia Records, em Nova Iorque, para além de Dylan e Wilson, encontravam-se Mike Bloomfield na guitarra, Joe Macho Jr. no baixo, Bruce Langhorne na pandeireta, Al Kooper (por mero acaso do destino) no órgão, Paul Griffin no piano e Bobby Gregg na bateria.
Dylan e Tom Wilson
Quatro dias depois, contrariando a vontade da Columbia Records, a canção é editada em single, estendendo-se por ambos os lados do mini-disco devido à sua extensão “anormal” para o formato: 6:09 minutos! Durante doze semanas ela manter-se-á na tabela da música pop da Billboard, sendo apenas travada pelos Beatles que ocupavam o primeiro lugar com Help. Pouco tempo depois e por pressão dos ouvintes sobre os DJs das rádios, a Columbia Records é obrigada a fazer uma prensagem extraordinária em que a música aparece inteira num dos lados do disco – no lado B, surge Gates of Eden.
Na lista das “500 Greatest Songs of All Time”, elaborada pela revista Rolling Stone, Like A Rolling Stone, é eleita a melhor delas todas, merecendo o seguinte comentário:
«Nenhuma outra canção pop contestou e trans-
formou tão profundamente as leis comerciais e
as convenções artísticas do seu tempo, para to-
do o sempre.»(1)
Para Dylan, a passagem da folk ao rock, acentuada definitivamente através deste tema, virá a criar-lhe alguns “inimigos” – os “puristas” que a 25 de Julho o aguardavam no Newport Folk Festival presentearam-no com assobios e apupos
Dylan no Newport Folk Festival
e em Manchester, a 17 de Maio de 1966, no concerto dado no Free Trade Hall, alguém chegará a chamá-lo de “judas”!
Cartaz da digressão britânica de 1966
Partindo da simplicidade na escolha de palavras para descrever o universo privilegiado da “protagonista”, recurso típico na música folk, Dylan avança galopante na criação de um outro mundo, complexo e adulto, definitivamente surreal, aonde as palavras do poema podem ter uma outra leitura e o refrão, mesmo que esteja sempre colocado na sequência dessas (outras) palavras sobre a (ou dirigidas à) “protagonista”, não pode deixar de ser interpretado como autobiográfico ou, numa outra perspectiva, com o que ele representa, ao mesmo tempo, sobre e para uma geração:
“How does it feel
How does it feel
To be without a home
Like a complete unknown
Like a rolling stone?”
Os baby boomers do primeiro período começavam a fazer sentir a sua presença em cada esquina da “America” mas a simples existência agradecida pela riqueza nunca antes vista por outra geração, num subúrbio em casas desenhadas à medida das ilusões das mães que substituíram os pais dispersos pelas várias frentes de combate e que regressaram como heróis domesticados, não lhes era suficiente. Sim, havia essas juke-boxes privadas que eram os gira-discos portáteis, os carros transformados em quartos nos drive-ins mas também, o perigo vermelho com o formato, ao mesmo tempo, excitante e aterrador do cogumelo nuclear da vitória sobre os “japs” e os negros a quererem um pedaço da “America” para além dos bairros degradados abandonados pelos brancos, mas todos unidos por essa nova quimera que era o sonho liberal: John Kennedy tinha sido eleito na esperança de personificar esse sonho mas Malcolm X insistia em atirar em todas as frentes, avisando a nação branca e os “uncle toms” de que os negros não se iriam contentar com as migalhas, e ali bem perto, os barbudos de Cuba recusavam-se a acatar uma evidência tão simples como a da força do seu vizinho todo poderoso; e o empenhamento voluntário da juventude nas diferentes formas de manifestação pró-direitos civis arranjava uma nova frente quando o governo do seu país resolveu enviar tropas de combate para o Vietname, mas para além dessas razões evidentes e factuais havia algo mais a corroer as suas almas, a criar-lhes uma constante inquietação, uma angústia indecifrável... e é sobre ela que Like A Rolling Stone é feita.
Em entrevista ao jornalista Jules Siegel, Dylan explica-se:
«Era de umas dez páginas. Não lhe chamei de
nada, apenas uma coisa rítmica no papel – tudo
sobre o meu firme ódio dirigido numa determi-
nada altura em que me sentia honesto. No fim
de contas não era ódio (...). Eu nunca a tinha
pensado como uma canção, até que um dia es-
tava ao piano, e no papel estava a cantar “How
does it feel?” num movimento lento... era como
estares a ver a tua vítima a nadar em lava (...).
Eu escrevi-a e não falhei. Era directa.»(2)
Quando Like A Rolling Stone começou circular, vários “especialistas” em Dylan, engalfinharam-se numa polémica sobre quem seria a “protagonista”: de um lado, os que apontavam para Joan Baez, a já “rainha” da música folk quando Dylan começou a andar com ela, em Maio de 1963
Joan Baez
, e do outro, os que garantiam antes ser – contra todas as evidências na altura! – Edie Sedgwick, uma “enfant terrible” de boas famílias, que conheceu Bob num bar de Nova Iorque, em Dezembro de 1964, enquanto este se encontrava com aquela que a partir de Novembro de 1965 viria a ser a sua mulher, Sara Lownds.
Edie Sedgwick
A relação entre Bob e Baez viria a terminar em Maio de 1965 depois de ela o ter apanhado a dormir num quarto de hotel, em Londres, com Sara.
Joan Baez
Quanto a Edie, desde Maio de 1965, passará a frequentar o universo ambíguo e perverso de Andy Warhol situado na famosa The Factory. Em Novembro de 1966 virá a saber, por uma intriga de alguém ligado a Andy, que Bob tinha casado com Sara há já algum tempo. Morre a 16 de Novembro de 1971 enquanto dormia, vítima de uma mistura de barbitúricos e álcool, ao lado do seu marido, Michael Post, que conhecera numa clínica de reabilitação...
Edie e Andy Warhol
Andy através de Pat Hackett conta este episódio:
«Eu até lhe dei [a Dylan] uma das minhas
pinturas de Elvis em prata, no tempo em que
ele andava por perto. Mais tarde, porém, fi-
quei paranóico quando ouvi rumores de que
tinha usado o Elvis como alvo para dardos.
Quando perguntava “Por que é que ele fez
isso?” invariavelmente obtinha boatos como
resposta, algo do género “Ouvi dizer que ele
pensa que destruíste a Edie” ou “Ouve ‘Like
a Rolling Stone’ - acho que és o ‘diplomat on
the chrome horse’. “ Eu não sabia exactamen-
te o que queriam dizer com aquilo - nunca fui
muito de ouvir as letras das canções - mas ca-
ptei o que as pessoas iam dizendo - que Dylan
não gostava de mim, que ele me culpava por
Edie tomar drogas. O que é que alguém possa
ter pensado, a verdade é que eu nunca dei uma
única droga à Edie, nunca.»(3)
Em 1965, quando “Like a Rolling Stone” é
lançada, Dylan tornar-se-á oficialmente o jo-
vem revoltado da contracultura – o primeiro
punk, se não o primeiro rebelde, com uma
causa que não é exactamente conhecida.» –
Barbara O’Dair(4)
«Quando se ouvia “Rolling Stone” na altura,
era como se fosse um cataclismo, como se
tivesse sido levado até à beira do abismo, a-
tirado para alguma guilhotina de experiên-
cias. [Dylan] mordia as palavras, cuspia ve-
neno, espalhava uma emoção virulenta, in-
fectando o ouvinte.» – Anthony Scaduto(5)
«Podem ouvir “Like a Rolling Stone” como
um blues berrado pela própria experiência
brutal do cantor. Ou podem ouvi-lo como u-
ma sátira social cortante, um clássico bota a-
baixo sobre uma rapariga oca que não parti-
lha da superior visão sobre a condição huma-
na do poeta. Eu ouço “Like a Rolling Stone”
como um puro e profundo blues: a confissão
de Dylan de que ele está tão perdido como o
resto de nós.» – Craig Werner(6)
Músicos:
Bob Dylan – voz, guitarra e harmónica
Mike Bloomfield – guitarra
Joe Macho Jr. – baixo
Bobby Gregg – bateria
Bruce Langhorne – pandeireta
Al Kooper – órgão
Paul Griffin – piano
Like A Rolling Stone
a música pode ser ouvida
no final desta mensagem,
no final desta mensagem,
Once upon a time you dressed so fine
You threw the bums a dime in your prime, didn’t you?
People’d call, say, “Beware doll, you’re bound to fall”
You thought they were all kiddin’ you
You used to laugh about
Everybody that was hangin’ out
Now you don’t talk so loud
Now you don’t seem so proud
About having to be scrounging for your next meal
How does it feel
How does it feel
To be on your own
With no direction home
Like a complete unknown
Like a rolling stone?
You’ve gone to the finest school all right, Miss Lonely
But you know you only used to get juiced in it
And nobody has ever taught you how to live on the street
And now you find out you’re gonna have to get used to it
You said you’d never compromise
With the mystery tramp, but now you realize
He’s not selling any alibis
As you stare into the vacuum of his eyes
And ask him do you want to make a deal?
How does it feel
How does it feel
To be on your own
With no direction home
Like a complete unknown
Like a rolling stone?
You never turned around to see the frowns on the jugglers and the clowns
When they all come down and did tricks for you
You never understood that it ain’t no good
You shouldn’t let other people get your kicks for you
You used to ride on the chrome horse with your diplomat
Who carried on his shoulder a Siamese cat
Ain’t it hard when you discover that
He really wasn’t where it’s at
After he took from you everything he could steal
How does it feel
How does it feel
To be on your own
With no direction home
Like a complete unknown
Like a rolling stone?
Princess on the steeple and all the pretty people
They’re drinkin’, thinkin’ that they got it made
Exchanging all kinds of precious gifts and things
But you’d better lift your diamond ring, you’d better pawn it babe
You used to be so amused
At Napoleon in rags and the language that he used
Go to him now, he calls you, you can’t refuse
When you got nothing, you got nothing to lose
You’re invisible now, you got no secrets to conceal
How does it feel
How does it feel
To be on your own
With no direction home
Like a complete unknown
Like a rolling stone?
_______________________________
(1) “500 Greatest Songs of All Time”. Rolling Stone Nr. 963, December 9, 2004. p.66;
(2) SIEGEL, Jules. “Well, What Have We Here?” Saturday Evening Post, July 30, 1966; citado em HEYLIN, Clinton. “Revolution In The Air. The Songs of Bob Dylan 1957–1973”. 2009. p.239;
(3) HACKETT, Pat. “POPism: The Warhol Sixties”. 2006. p.108;
(4) O’DAIR, Barbara. “Bob Dylan And Gender Politics The Cambridge Companion To Bob Dylan”. Edited by Kevin J.H. Dettmar. 2009. p.84;
(5) SCADUTO, Anthony. “Bob Dylan: A Biography”. 2001. p.245;
(6) WERNER, Craig. “A Change Is Gonna Come. Music, race and the soul of America”, p.80;
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