quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Jethro Tull ~ Aqualung


Ian Anderson

O quarto LP dos Jethro Tull é, sem dúvida alguma, o mais conhecido e aclamado trabalho do grupo.  Para trás ficavam três álbuns que vincaram a singularidade do seu som no panorama da música rock.

O primeiro, This Was, disponibilizado ao público em Outubro de 1968, reflectia o som do grupo no início da sua carreira.

«Suponho que tocamos uma espécie de blues
progressivo com um pouco de jazz se o grupo
tiver de ser etiquetado.» – Ian Anderson(1)

O uso da flauta era algo de surpreendente numa banda de rock e Ian Anderson, o carismático líder do grupo, que tocava esse instrumento há menos de seis meses («Há uma grande variedade de citações registadas explicando por que ele optou pela flauta. Ele queria fazer alguma coisa com as suas mãos. É o instrumento mais fácil de transportar. A última versão é que, quando ele vendeu uma guitarra numa loja, o dono da loja não lhe queria dar dinheiro, apenas fazer uma troca. Então, ele escolheu um microfone, e as únicas coisas que faziam o preço certo era um violoncelo e uma flauta, e como disse o homem, uma flauta é mais fácil de transportar.» – Andrew Bailey(2)), consegue torná-lo numa peça fundamental – basta ouvir Serenade To A Cuckoo, uma cover dum tema do famoso Roland Kirk, para nos apercebermos disso.  Some Day The Sun Won’t Shine For You e Move On Alone, respectivamente, de Anderson e do guitarrista Mick Abrahams, são os pontos altos do álbum;  Beggar’s Farm e A Song for Jeffrey deixam algumas pistas para o futuro som do grupo e, quanto a mim, só Dharma For One e Cat’s Squirrel parecem estar desenquadradas, mas como o próprio nome do álbum indicava, “aquele era” o seu som e a partir dele nasceria um outro;  assim, a 21 de Dezembro, o Melody Maker anunciava a saída de Abrahams devido a “divergências musicais”.

Melody Maker, 21 de Dezembro de 1968

Em Maio de 1969, a anunciar uma nova orientação, sai Living In The Past em single, considerada por Anderson como «(...) uma tentativa de entrar nas tabelas sem um claro comercialismo. (...) um single honesto»(3) e que virá a tornar-se numa das mais emblemáticas canções do grupo.  Com o novo LP, Stand Up, posto à venda pela Island Records a 1 de Agosto, Anderson assumirá definitivamente a liderança do grupo tornando-o no veículo das suas propostas sonoras e líricas.  O blues e o jazz dão a vez à música erudita e ao folk, e a flauta e a voz de Anderson passam a ser as marcas definitivas do grupo.  Martin Barre, o novo guitarrista, embora menos subtil do que Abrahams substitui-o com um certo à vontade, e o resto da banda parece acompanhar as novas propostas sonoras de Ian com o mesmo nível de eficiência, variando entre as densas barragens sonoras (Nothing Is Easy) e as exóticas melodias com algo de medieval (Jeffrey Goes To Leicester Square, Look Into The Sun, Reasons For Waiting) ou de folk (Fat Man), isto quando ele não as junta num mesmo tema (Back To The Family).  O tema de abertura, A New Day Yesterday, faz a transição com o som do primeiro álbum, recuperando as raízes blues.  Bourée é uma divagação em torno de uma peça de J.S. Bach, Bourrée In E Mino.  O álbum chegará a #1 no Reino Unido, tendo recebido também, por parte da  crítica musical, algumas boas referências...

O grupo em 1969

«Sim, estamos satisfeitos com o álbum. Ele
mostra aonde estamos musicalmente. Temos
evitado a actual tentação de ir para marato-
nas de solos e envolvimentos... a improvisa-
ção é mantida bem baixa. Se acrescenta al-
guma coisa – óptimo. Se não, é esquecer.»
Ian Anderson(4)

Na sua pose mais conhecida

«O novo álbum dos Jethro Tull (...) é maravi-
lhoso.  (...) A banda é capaz de trabalhar com
diferentes estilos musicais, mas sem qualquer
vestígio de fácil, indiferente manipulação, o
que reclama por atenção.» – Ben Gerson(5)

Em Abril de 1970 sai o seu terceiro longa duração, Benefit.  Este é claramente um álbum de transição, no qual o grupo abandona definitivamente os blues e inicia a construção dum painel sonoro, que prosseguirá em futuros trabalhos, entre o hard-rock e a música folk com influências da música clássica isabelina.  Anderson consegue uma combinação perfeita entre o seu modo de cantar e de tocar flauta, com a guitarra de Barre na facha de abertura With You There To Help Me, no optimismo de Inside, e no galopante Play In Time com toda a sua cacofonia sonora, e com o órgão clássico de Evan em For Michael Collins, Jeffrey And Me, uma pastoral acústica dedicada aos antigos amigos do início de carreira.  Em Nothing To Say, aonde a flauta está ausente, Barre é o mestre da cerimónia.  Na versão para o mercado dos EUA, em vez da facha Alive And Well And Living In que, no meu entender, se enquadra mais no “espírito” do álbum, aparece a mais pop e apelativa Teacher.  O álbum chegaria #3 nas tabelas do Reino Unido.

«Eu gostei de cantar neste álbum porque foi
muito mais fácil. (...) A guitarra em To Cry
You a Song tem, acho eu, um som muito bom,
e não há nenhum efeito nela. Saiu do modo
que Martin queria, limpa e certa, e agrada-
-me que a tenhamos conseguido desse modo
para ele.»Ian Anderson(6)

«Sublinhada está a verve de Ian Anderson
enquanto compositor – ele escreveu todas
as dez faixas; a inglesidade da sua música,
a sua singularidade que desnuda a carência
de originalidade, entre a maioria dos seus
contemporâneos; enquanto uma agradável
revelação é o trabalho do guitarrista-líder
Martin Barre.»Nick Logan(6)
O grupo em 1970

«Este álbum não dá um salto tão drástico co-
mo o Stand Up com o This Was. É mais pare-
cido com o Jethro Tull que temos visto e ou-
vido durante o ano passado. Parece ser um
álbum extremamente longo, e mostra o quan-
to excitante é este grupo.»(7)

«O novo álbum, Benefit, é um buraco indolen-
te – uma espécie de Antologia do rock Muzak,
tocada sem espírito e mecanicamente.» – Jack
ShadoIan(8)

Cartaz a anunciar o álbum

Quando entram no estúdio para gravar o seu quarto álbum de originais, Aqualung, o grupo era constituído por Ian Anderson, Martin Barre, John Evans, Jeffrey Hammond e Clive Bunker, o que de certo modo se aproximava de uma das formações do tempo em que eram conhecidos por John Evan Band ou John Evan Smash, se tirar-mos Bunker que tinha sido introduzido pelo guitarrista Mick Abrahams.  Para trás tinham ficado para além de Abrahams, o baterista Barrie Barlow e o baixista Glenn Cornick (que ainda contribuiu até Junho de 1970), isto se não contarmos com as breves passagens pelo grupo, dos guitarristas Tony Iommi, ex-Earth (grupo que mais tarde seria conhecido pelo nome de Black Sabbath), e David O’List, ex-Nice.

O grupo quando gravou o álbum

Posto à venda no Reino Unido a 19 de Março de 1971, o álbum já vinha a ser preparado desde há muito... numa entrevista dada ao New Musical Express, em Julho de 1970, Evans explicava a Nick Logan como ele seria: «Musicalmente, os arranjos serão mais complexos, assim como as canções. Haverá uma espécie de sentimento muito mais profundo.»(9)  As longas digressões pelos EUA, ocupavam muito tempo e energia e por isso pouco tempo sobrava para os estúdios.  Em Janeiro de 1971, Barre afirmava ao Record Mirror que «O Ian tem escrito canções para o álbum, mas as coisas mudam sempre»(10).  Num artigo posterior à saída do álbum, Logan descreve a sua evolução: «Na realidade, a gravação começou logo após o lançamento de Benefit, um ano inteiro atrás, mas a maioria foi retrabalhada quando a banda regressou de uma digressão Americana e mudou de estúdios. Eles continuaram a mudar e a aperfeiçoar até à última, regravando três faixas depois da digressão Europeia de Janeiro-Fevereiro de modo a ter os arranjos que se desenvolveram no palco. As sessões finais, porque o tempo de gravação se esgotava, eram do tipo início à meia-noite, terminando às 10:00 da manhã, tornando a branda declaração de Ian, de que “um monte de trabalho foi utilizado” um colosso de um eufemismo.»(11)

Segundo Ian ao canal Living Legends Music, as condições no novo estúdio da Island Records, uma antiga igreja recuperada pela etiqueta, na rua Basing, em Londres, não eram as melhores pois nem o equipamento tinha sido testado, o que obrigava a constantes interrupções, nem a sala tinha as condições acústicas ideais – os Led Zeppelin que se encontravam a gravar o seu quarto álbum na mesma altura, tinham ficado com a sala menor que apresentava melhores condições. 

Capa

Na capa, da autoria do pintor norte-americano Burton Silverman, aparece o retrato do personagem da canção-título, AqualungO seu nome vem do chiado da tosse de que sofre.» – explicava o manager do grupo, Terry Ellis(12)) que, apesar de ser negado pelo próprio Ian, tem muitas semelhanças fisionómicas com ele,

Ian Anderson vs. Aqualung

parecendo caminhar por uma ruela medieval – nada indica que o possamos colocar nessa época, a não ser talvez as letras a gótico, com os nomes do grupo e do álbum, e as ilustrações do interior aonde os cinco membros do grupo aparecem numa igreja gótica em poses que nos remetem para estarem a representar uma sátira à igreja.

O interior

Na contra-capa, um outro retrato do mesmo personagem mas numa imagem mais ligada à miséria do que à desconfiança, ou loucura, transmitida pela capa, com ele quase sentado na sarjeta, tendo como companhia um cão esquelético.

Contra-capa

Por cima, em letras góticas, aparece um texto que nada mais é do que um trocadilho de passagens do livro do Génesis, do Antigo Testamento (“In the beginning Man created God; and in the image of Man created he him...”)

O texto inserido na contra-capa

A cada lado do álbum, Ian resolveu atribuir um título: ao lado um, Aqualung, e ao dois, My God.  «O primeiro lado é basicamente sobre a natureza humana e os vários aspectos. O segundo lado tem a ver com ideias mais objectivas sobre Deus e os meus sentimentos em relação à religião e à igreja.» – Ian Anderson(13)

Aqualung, o tema de abertura, é desde os acordes iniciais da guitarra e bateria, um tema que se advinha violento mas cerca de um minuto depois, a primeira mudança de ritmo e de vocalização.  Um novo período mais calmo aparece depois de um excelente solo de Barre e antes do retomar do ritmo inicial da canção.  A letra (...Sitting on a park bench/ Eyeing little girls with bad intent/ Snot running down his nose/ Greasy fingers smearing shabby clothes...) tem na voz e na capacidade de mudança de tom de Ian, a necessária empatia para descrever «(…) um personagem patético, alguém socialmente degradado»(14).  A canção nasce a partir de uma série de anotações da então mulher de Ian, Jennie, no verso de fotos tiradas por ela a vários sem abrigo e o texto, na sua maioria, acabaria por lhe vir a ser atribuído.  Cross Eyed Mary retoma, de um modo evidente, as preocupações sociais, fazendo o retrato de uma jovem prostituta – «É sobre uma prostituta colegial mas não em termos tão grosseiros»(14).  Crescendo gradualmente com um ritmo vibrante imposto pelo som da flauta e do piano, e mais tarde da bateria, até que entra o grupo todo, em pleno, numa das melhores músicas do grupo.  Realce para o trabalho do baterista Clive Bunker e, claro, do solo de flauta a partir dos dois minutos e meio.  A simples menção de Aqualung (...Or maybe her attention is drawn by Aqualung/ Who watches through the railings as they play...) neste tema, para além da existência de subtítulos para cada lado do álbum, iria dar origem a que a maioria dos críticos dessem Aqualung como um trabalho conceptual e dificilmente se poderá deixar de pensar nisso.  Ian Anderson iria reagir aos críticos com um inquestionável álbum conceptual, Thick As A Brick, e dirá então: «Aqualung nunca foi concebido para ser um álbum conceptual, os críticos é que disseram que era. (...) Desde então, por causa de Aqualung, eu quis fazer um álbum que é realmente um álbum conceptual.»(15)  Em Cheap Day Return Ian adquire um tom intimista, já que o tema, segundo ele, «é sobre um dia em que fui visitar o meu pai ao hospital em Blackpool»(14), deixando a banda de lado e recorrendo apenas à guitarra acústica, em gravação sobreposta, e vagamente a uma secção de sopro, com uma intervenção a soar algo a medieval.  Mother Goose, ainda segundo ele, «É o mesmo tipo de ideias abstractas como em “Cross-Eyed Mary”, imagens de 100 alunas todas a chorar; está cheia de surrealismo. É divertida.»(14), trata-se de um número basicamente acústico mas incorporando uma certa atmosfera étnica graças à associação da percussão, o que lhe transmite um certo ar festivo.  É, na minha opinião, um momento hippie (...And a foreign student said to me/ Was it really true there are elephants and lions too/ In Piccadilly Circus?...).  Wond’ring Aloud «é uma canção de amor. (...) o amor é uma coisa separada, pessoal.»(14)  Um novo momento intimista mas desta vez, ele faz-se acompanhar por um secção de cordas e pelo piano.  Um excelente tema que serve como interlúdio entre a festa e a loucura que se irá descobrir em Up To Me que Anderson diz ser «uma canção sobre o egoísmo.»(14).  Também ela basicamente acústica, os principais instrumentos são a guitarra acústica e a flauta, mas incorpora uma série de outros instrumentos que lhe dão uma textura caótica.  Por entre gargalhadas e berros, a voz de Ian é um misto de ironia e afirmação (...Well I'm a common working man/ With a half of bitter bread and jam/ And if it pleases me I'll put one on you man/ When the copper fades away/ Ooh, It's up to me...).

Em palco

O lado dois abre com My God, cuja longa introdução (de cerca de cinquenta e cinco segundos) de guitarra acústica nos leva a aguardar ansiosamente o que aí virá, e quando o piano entra introduzindo a voz para a declamação dos primeiros versos (People, what have you done/ Locked him in his golden cage/ Made him bend to your religion/ Him resurrected from the grave...) temos a certeza de que Ian nos vai apresentar uma das mais violentas e mordazes opiniões sobre a religião, alguma vez expressas na canção moderna.  Ainda sobre o fundo criado pela guitarra acústica e piano, ele continua a declamar o seu «blues para Deus, na forma de um lamento»(14) até que uns segundos depois, logo a seguir a berrar and don't call on Him to save, entra a guitarra, poderosa e realçando o verso, acompanhada de perto pela secção rítmica.  Uma nova mudança de ritmo dar-se-á depois da vocalização de uma das mais mordazes partes do poema (...The bloody Church of England/ In chains of history/ Requests your earthly presence at/ The vicarage for tea...) dando oportunidade a dois extraordinários solos por parte da  guitarra e da flauta, antes de passar a um novo ambiente marcado pela presença de coros que nos transportam – pelo menos assim me parece – para uma cerimónia litúrgica.  Os coros hão-de aparecer de novo na fase descendente final da canção preparando terreno para a violenta entrada de Hymn 43, «um blues para Jesus, sobre os sangrentos que buscam a glória e que utilizam o seu nome como uma desculpa para um monte de coisas desagradáveis»(14), aonde Anderson aprofunda as suas reflexões sobre o cristianismo (...If Jesus saves, well, he'd better save himself/ From the gory glory seekers who use his name in death/ Oh Jesus save me!...) acompanhado por uma barreira sonora densa, aonde a voz, ora com ironia, ora com raiva, se destaca.  Slipstream é mais um interlúdio acústico, «sobre morrer»(14), em guitarra acústica, de novo, em sobreposição nas suas muitas variações, e uma secção de cordas que no final da canção deambula numa espiral decrescente dando acesso a Locomotive Breath, que Ian descreve como «outra canção sobre morrer, mas não é tão séria como 'Slipstream'. É uma analogia da interminável viagem do comboio da vida»(14).  Uma boa introdução liderada pelo piano erudito de Evans, entre o clássico e jazz, acompanhado por umas intervenções lancinantes da guitarra, até que a banda entra com toda a sua força, num ritmo sincopado e Ian passa a contar a estória de um derrotado pela vida, investindo contra o sistema e as religiões organizadas (... And the all-time winner/ Has got him by the balls/ He picks up Gideons Bible/ Open at page one/ I say, God he stole the handle and/ The train won't stop going/ Oh it couldn’t slow down/ No way could slow down...).  A fechar o álbum, Wind Up, que com a sua introdução pelo piano e guitarra acústica, e a voz de Ian, aparentemente vai “acalmar” o ritmo mas eis que aos quarenta e cinco segundos, rapidamente nos apercebemos que ele está em crescendo e assim, ao minuto e trinta e dois, já quase não nos resta qualquer dúvida – pouco depois dos dois minutos chega-nos a confirmação com a introdução da guitarra num riff violento seguida de uma das mais importantes partes da letra (...How do you dare tell me that I'm my Father's son/ When that was just an accident of Birth/ I'd rather look around me, compose a better song/ `cos that's the honest measure of my worth/ In your pomp and all your glory you're a poorer man than me/ As you lick the boots of death born out of fear...).  Aos quatro minutos vinte, o ritmo volta a acalmar para um novo arranque mas sem grande extensão. No final (5’41’’) faz uma espécie de resumo do tema (...I don't believe you/ You had the whole damn thing all wrong/ He's not the kind you have to wind up on Sundays...) que segundo Anderson, «É sobre a minha indignação e crença de que as crianças não devem ser educadas para seguir uma religião que é uma crença essencialmente dos seus pais»(11), e termina com uma espécie de gargalhada cínica, deixando-nos com um sentimento de vazio.

A 3 de Abril, aparece pela primeira vez na tabela britânica, ocupando o #5.  Uma semana depois irá atingir a sua melhor posição, o #4.  Nos EUA, chegará ao #7 da tabela Billboard de álbuns.

O percurso nas Charts

«Ian Anderson e os Jethro Tull conseguem fazer
com que vocês queiram ouvir o seu novo álbum,
Aqualung, mais do que uma vez, porque muitas
das faixas deixá-los-ão a meio tempo, elas ter-
minam quando vocês estavam à espera de mais,
e isso faz uma grande diferença nestes dias de
sons pesados e explosivos.»Roy Shipston(14)

«Há duas qualidades em particular que fazem
deste o melhor álbum dos Jethro: paladar e va-
riedade, nenhuma das quais estavam presentes
com tanta abundância nos seus trabalhos ante-
riores.»Royston Eldridge(16)

«Assim, apesar da fina musicalidade e da mui-
tas vezes brilhante organização estrutural das
músicas, o álbum não é elevado, mas prejudi-
cado pela sua seriedade.»Ben Gerson(17)

«Existe a demonstração, a lembrança aos ou-
vintes, de que a raiva e a compaixão estão fre-
quentemente muito próximas, o que encontra-
mos em ‘Aqualung’. (...) Por causa dessas su-
gestões de universalidade, desses re-pensamen-
tos de aspectos perenes da condição humana, é
música útil. "Boa" pode não ser o suficiente.
Juntem "boa" a "útil" e, assim, descobrimos o
quanto eu estava errado na minha declaração
inicial de que Aqualung foi apenas do seu tem-
po. Ele não o é.»Allan Moore(18)

Na minha opinião, o álbum terá sido o último grande trabalho do grupo e tem envelhecido com uma certa elegância o que nos permite ouvi-lo hoje como um produto datado mas com a naturalidade e prazer que se descobre em qualquer clássico.  Os trabalhos posteriores, numa primeira fase (1972/77), dos quais destaco Thick As A Brick e A Passion Play, perdem-se numa megalomania que geralmente acaba por dar, ao fim de uns minutos, em monotonia sensaborona e, numa segunda fase (1977/78), dos quais destaco Songs From The Wood, em propostas que se me parecem interessantes não são totalmente conseguidas, mas confesso que a partir do duplo Bursting Out (1978), gravado ao vivo, deixei de os acompanhar...


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(1)   MIDDLETON, Ian. “Jethro Tull: We’re Really Human…”. Record Mirror, 12 October, 1968;
(2)   BAILEY, Andrew. “Ian Anderson, in it for the birds”. Rolling Stone No. 72, December 2, 1970. p.14;
(3)   GODDARD, Lon. “The underground seems to have gotten a little out of hand”. Record Mirror, 24 May, 1969;
(4)   P.G.Jethro Tull”. Beat Instrumental, Nr. 76, August 1969;
(5)   GERSON, Ben. “Records. Stand Up!”. Rolling Stone No. 48, December 13, 1969 p.52;
(6)   LOGAN, Nick. New Musical Express Nr. 1213, 11 April 1970;
(7)   Jethro Leaps – But Not Quite So High”. Disc & Music Echo, 18 April 1970;
(8)   SHADOIAN, Jack. Records. Benefit”. Rolling Stone No. 64, August 6, 1970;
(9)   LOGAN, Nick. “Has Jethro’s Path Been Self-destrutctive?”. New Musical Express Nr. 1226, 11 July 1970;
(10) “We’re Not Involved In Politics”. Record Mirror, 2 January 1971
(11) LOGAN, Nick. “On The Side Of God And The Outcast Tramp”. New Musical Express Nr. 1263, 27 March 1971. pp.6/7;
(12) “New Jethro Tull Album Is A 'Punch In The Face For The Church'”. Disc & Music Echo, 6 February 1971;
(13) GIBBS, Vernon. “The Rise And Fall Of God As Told By Ian Anderson”. Circus, August 1971;
(14) SHIPSTON, Roy. “Good Heavens, Now Ian Anderson Wants Us To Think!”. Disc & Music Echo, 20 March 1971;
(15) DITLEA, Steve.  Ian Anderson Shows You How To Lose Your Way Through 'Thick As A Brick'”. Circus, April 1972
(16) ELDRIDGE, Royston.Jethro Tull: Aqualung”. Sounds, 27 March 1971. p.16;
(17) GERSON, Ben. “Aqualung”. Rolling Stone No. 87, July 22, 1971. pp.36/37;
(18) MOORE, Allan F.Aqualung”, 33⅓ Series. New York: The Continuum International Publishing Group Inc., 2004. p.110.


terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Love ~ A Primeira Formação, 1966/68 (Parte III)

Forever Changes

Capa do LP Forever Changes

Depois da publicação de Da Capo, a união do grupo começou a deteriorar-se.  Arthur analisa essa situação, numa entrevista dada em finais da década de setenta: «Depois de começarmos a ganhar dinheiro, quanto mais ganhávamos, menos trabalhávamos, menos éramos uma unidade, e o grupo deteriorou-se. Os hábitos pessoais das pessoas começaram a estar antes da música. Todos tinham dinheiro, todos tinham uma casa, um carro, um Cadillac vistoso.»(5 p.20), e por outro lado, a heroína entra na rotina do grupo pela mão do road manager do grupo, Neil Rappaport, e depressa agarra quase todos os seus membros: «Foi o Arthur quem me meteu nisso, embora pense que eu fosse o que se poderia chamar de iniciado ou de fim-de-semana. O Johnny e o Kenny estavam mesmo mal.» – Bryan MacLean (3 p.20)

Entretanto, Arthur Lee reage mal ao sucesso obtido pelos seus “protegidosDoors, acusando a Elektra de «usar o dinheiro que tinham feito connosco para promover os Doors e fazer deles número 1.»(3 p.82), chegando mesmo a invocar o facto de ele ser negro, como um factor determinante nessa “escolha”.  David Anderle, que produziu vários artistas do catálogo da Elektra, recorda: «Quando cheguei à Elektra, ela era território dos Love.  Rapidamente se tornou em território dos Doors. Isso nada teve a ver com os Doors serem todos brancos; isso teve a ver que essa coisa dos Doors foi tão rápida. Nem o Arthur, aparentemente, tinha esse desespero pelo sucesso que os Doors tinham.»(5 p.82)

Para a gravação do seu terceiro álbum, inicialmente agendado para meados de 1967, Bruce Botnick é encarregue de o produzir em colaboração com Neil Young mas este acabaria por não conseguir compatibilizar este seu interesse com as obrigações que o ligavam à sua banda de então, os Buffalo Springfield (embora ainda tenha chegado a contribuir com os arranjos para The Daily Planet).

Botnick estava a par dos problemas existentes no seio do grupo que agora estava reduzido ao quinteto formado por Arthur Lee, MacLean, Echols, Forssi, e Stuart, e quando a 9 de Junho o grupo entra nos Sunset Sound Records, três músicos de estúdio que geralmente trabalhavam com Phil Spector (o guitarrista Billy Strange, o baterista Hal Blaine e o pianista Don Randi) estão a postos para o que der e vier.  Como Botnick previra, a sessão iria correr mal.

Os Love no período Forever Changes

«No primeiro dia, o Johnny e o Bryan não conseguiam a-
finar as guitarras. O Arthur, não tendo qualquer responsa-
bilidade instrumental, estava sentado na cabina com o en-
genheiro, ocasionalmente carregava no botão para entrar
em contacto com o Johnny, o Kenny, o Bryan, e comigo.
(...) O Arthur ria-se, e os empregados do estúdio sorriam,
porque achavam que deviam participar de um modo apro-
priado na frivolidade. Foi mau.» – Michael Stuart(9 p.4)

No dia seguinte, com o resto dos membros apáticos, Arthur e os músicos de estúdio trazidos por Botnick gravam dois temas.

«O Arthur tocou guitarra e nós trabalhámos os arranjos, e
[os músicos de estúdio] gravaram duas músicas em três
horas. “The Daily Planet” e uma outra [“Andmoreagain”]
que estão no álbum. O grupo também estava presente, e
lembro-me de chorarem fisicamente durante a sessão. O
grupo estava tão chocado, tão deslocado, tão magoado,
que isso os levou a esquecerem os seus problemas e a tor-
narem-se num grupo de novo.» – Bruce Botnick(10 p.29)

O melhor tema de sempre de MacLean, Alone Again Or, abre o disco – quando entraram no estúdio pela penúltima vez, a 10 de Setembro, Bryan apenas tinha um esboço da canção e é lá que ele a desenvolve, valendo-se das recordações de infância quando ouvira muito flamenco (a sua mãe era dançarina dessa música cigana da Andaluzia) e, em termos de letra, recorre a um recente episódio com uma namorada.  Ouvindo a letra (Yeah, I heard a funny thing/ Somebody said to me/ You know that I could be in love with almost everyone/ I think that people are/ The greatest fun) não há qualquer dúvida de que entre os dois compositores do grupo, Bryan com a sua habitual escrita “acerca de gelados”, é o escritor apropriado para melhor captar o espírito da época, mas também muito graças ao arranjo “mexicano” dado por David Angel.  Surpreendentemente, quando em Janeiro o tema é lançado em single, nunca conseguirá ultrapassar o #99 nas tabelas nacionais.  A House Is Not A Motel, de Arthur Lee, gravada na mesma sessão, é o outro lado do grupo, com a sua lírica precisa e crua (The bells from the schools of walls will be ringing/ More confusions, blood transfusions/ The news today will be the movies for tomorrow/ And the water’s turned to blood, and if/ You don’t think so/ Go turn on your tub/ And if it’s mixed with mud/ You’ll see it turn to gray/ And you can call my name/ I hear you call my name), e o seu ritmo neurótico.  A ligação acústica inicial a Alone Again Or é perfeita mas a evolução é rápida e violenta – pouco depois de um minuto, a guitarra transforma-a completamente e, quer a letra, quer os instrumentos, (a)parecem possessos na distorção caótica que se lhe segue.  O tema terá sido inspirado pelas estórias de um indivíduo regressado do Vietname [«Ele estava no exército (e) contava-nos sobre a experiência no Vietname. O sangue embrenhava-se na terra e quando se misturava com a lama, tornava-se cinzento. Ele dizia-nos estas coisas todas. Em qualquer altura das nossas vidas durante aquele período, nós tínhamos medo de que nos fossem agarrar e atirar para aquele esgoto.» – Johnny Echols(9 p.7)].  Andmoreagain resulta da “complexidade” sonora da cultura musical de MacLean (em que os arranjos têm, uma vez mais, um papel fundamental) confrontada com a “simplicidade crua” da letra (And I’m/ Wrapped in my armor/ But my things are material/ And I’m/ Lost in confusions/ ‘cause my things are material) arquitectada por Lee – a junção do melhor de ambos.  The Daily Planet, tal como a anterior, é mais uma crónica do quotidiano observado e registada por Lee e, em ambos os casos, fazem-se marcar por uma série de influências sonoras vindas do outro lado do Atlântico, da swinging London.  Old Man, registada no dia 12 de Agosto, é um número folk-rock cheio de melancolia composto por MacLean.  The Red Telephone, de Arthur Lee, inicialmente conhecida com o título de “Hillside” [«De onde a tirei foi, nos anos 60, toda agente utilizava o polegar para um passeio. “Para aonde vais?” “Vamos para Haight-Ashbury.” “Nós vamos para Big Sur. Tens de vir.” “Bom, como vais até lá?” “Apanhamos uma boleia.” Até que apareceu um louco e começou a esfaquear pessoas, como o Hillside Strangler ou o Charlie Manson.» – Arthur Lee(9 p.8)] foi gravada na última sessão de gravações, no dia 25 de Setembro.  Estes dois últimos temas, aonde as cordas têm um papel determinante, conseguem encerrar o lado 1 de um modo perfeito.

O lado 2, inteiramente da responsabilidade de Arthur Lee, inicia com Maybe The People Would Be The Times Or Between Clark And Hilldale, gravada no mesmo dia que a faixa de abertura do álbum e que julgo ter uma estranha ressonância à mesma, sem dúvida, mais acelerada e também mais “cínica” (Crowds of people standing everywhere/ 'cross the street I'm at this laugh affair/ And here they always play my songs/ And me, I wonder if it's...), mas não deixa de ser, de qualquer modo, uma celebração do universo urbano hippie de Los Angeles.  Depois de em Live And Let Live Arthur voltar à guerra do Vietname (Yes I've seen you sitting on the couch/ I recognize your artillery/ I have seen you many times before/ Once when I was an indian/ And I was on my land), servindo-a como uma espécie de “protest song” que me faz lembrar os DoorsJohnny Echols recorda: «Apercebi-me de que quando estávamos a fazer o álbum, falávamos muitas vezes sobre a guerra. Era estranho como se sentiam os adultos e os idosos sobre aquela guerra. Foi romantizada como foi a Segunda Guerra Mundial. Mas não para nós.»(9 pp.9/10) – não posso deixar de encarar a singeleza melódica e lírica (Hummingbirds hum, why do they hum, little girls wearing/ Pigtails in the morning, in the morning/ La da da, da da da da) de The Good Humor Man He Sees Everything Like This como um exercício de ironia da sua parte [«Eu fui de propósito sentar-me em frente de uma escola e observar os miúdos, porque queria escrever uma canção sobre a maneira como achava que a vida deveria ser, crianças a se divertirem e outras coisas, e a canção a ser divertida e a beleza da música – tudo isso. Mas nada daquilo se estava a passar.» – Arthur Lee(9 p.10)].  Ambas seriam registadas na primeira sessão de Agosto, no dia 11.   Bummer In The Summer, gravada assim como a seguinte, no segundo dia da sessão de Agosto, é toda ela Bob Dylan da época (Well I remember when you used to look so good/ And I did everything that I possibly could for you/ We used to ride around all over town/ But they're puttin' you down for bein' around with me) embora Arthur atribua o riff da guitarra a uma canção de Ike Turner.  A fechar o álbum, uma suíte de quase sete minutos, You Set The Scene, que arranca como um tributo à soul music e, a partir dos dois minutos, começa a encenar uma mudança gradual, percorrendo vários estilos sonoros... sem dúvida alguma, uma das mais complexas composições de Lee, servida por uns arranjos brilhantes e por uma lírica muito pessoal.

O álbum estaria disponível ao público em finais de Novembro de 1967. Nos EUA, atingiria apenas o #154, tendo no entanto no RU conseguido um #25.

«Apesar da falha de inconsistência do álbum, ele é agra-
dável de se ouvir. A orquestração de fundo é prazerosa e
a gravação é tecnicamente boa. Os Love desapareceram
por algum tempo antes de lançarem o álbum e é bom tê-
-los de volta.  Forever Changes oferece algumas coisas
boas para os ouvidos abertos.» – Jim Bickhart(1)

«Forever Changes destaca-se pela sua fusão de Broadway,
imagética psicadélica, arranjos aventureiros de metais e
cordas, e os trocadilhos espirituosos que o torna num tes-
temunho focado para o movimento hippie de L.A.» – Phil
Gallo(5 p.17)

«Pensei que ia morrer aos vinte e seis anos, eu acredita-
va que aquelas seriam as minhas últimas palavras para o
 planeta.» – Arthur Lee(11)

Cartaz do Fillmore de São Francisco

A 30 de Janeiro de 1968, o grupo regressa ao Sunset Sound Recorders para gravar um novo single, Your Mind And We Belong Together / Laughing Stock, com Arthur a encarregar-se da produção.  Seria a última vez que os elementos iniciais do grupo se encontrariam em estúdio.  Quando é posto à venda, em Junho, o grupo já estava separado.  MacLean é o primeiro a abandonar o grupo e se, inicialmente, pensava em retomar uma carreira a solo, com os patrões da Elektra a incentivá-lo, acabaria por ter de lutar contra a dependência do álcool e da heroína – anos mais tarde converte-se a um culto cristão e passa a cantar temas religiosos. Arthur Lee, por sua vez e depois de ter escapado a uma overdose, regressa em Agosto com uma nova formação, mas outras tantas depois dessa se lhe seguirão, assim como vários álbuns que no entanto não conseguem ter a auréola de qualidade alcançada com os trabalhos da primeira formação.  Echols e Forssi, conta a lenda, para sustentar o vício tornam-se nos “the doughnut bandits” que depois de terem sido apanhados e de terem cumprido o tempo de castigo, desaparecem no anonimato.  Dos quatro, apenas Echols ainda se encontra entre nós.

«Nós estávamos a ter suficiente sucesso para nos estragar-
mos. Era uma grande festa, mas havia um preço a pagar, e
algumas pessoas não sobreviveram.» – Bryan MacLean(11)

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(1)   BICKHART, Jim. “Forever Changes”. Rolling Stone Vol. 1, No. 5, February 10, 1968. p.21;
(2)   FRICKE. David. “Arthur Lee, 1945-2006”. Rolling Stone Nr. 1007, August 24, 2006. p.24;
(3)   HOSKYNS, Barney. “Through The Keyhole”. Mojo Nr. 43, June 1997;
(4)   HOFFMANN, Frank. “The Byrds. Encyclopedia of Recorded Sound (Garland Reference Library of the Humanities)”. 1993, 2005. p.306;
(5)   GALLO, Phil. “Love Story, 1966~1972” CD Sleeve Notes. 1995;
(6)   HOLZMAN, Jac, and DAWS, Gavan. “Follow the Music: The Life and High Times of Elektra Records in the Great Years of American Pop Culture”. 1998, 2000;
(7)   DENSMORE, John. 1965, the Strip and Lee. Los Angeles Times. August 07, 2006;  (     )
(8)   SANDOVAL, Andrew. “An Elektra Classic. Love Da Capo”. CD Sleeve Notes. 2000;
(9)   ___________________. In the summer of 1967”. Forever Changes (Collector’s Edition) CD Sleeve Notes. 2008;
(10) ___________________.The Love Elektra Sessions, 1966-1968”. Love Story, 1966~1972, CD Sleeve Notes. 1995;
(11) PUTERBAUGH, Parke. “Where Are They Now? Love”. Rolling Stone Nr. 533, August 25, 1988.