terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Love ~ A Primeira Formação, 1966/68 (Parte III)

Forever Changes

Capa do LP Forever Changes

Depois da publicação de Da Capo, a união do grupo começou a deteriorar-se.  Arthur analisa essa situação, numa entrevista dada em finais da década de setenta: «Depois de começarmos a ganhar dinheiro, quanto mais ganhávamos, menos trabalhávamos, menos éramos uma unidade, e o grupo deteriorou-se. Os hábitos pessoais das pessoas começaram a estar antes da música. Todos tinham dinheiro, todos tinham uma casa, um carro, um Cadillac vistoso.»(5 p.20), e por outro lado, a heroína entra na rotina do grupo pela mão do road manager do grupo, Neil Rappaport, e depressa agarra quase todos os seus membros: «Foi o Arthur quem me meteu nisso, embora pense que eu fosse o que se poderia chamar de iniciado ou de fim-de-semana. O Johnny e o Kenny estavam mesmo mal.» – Bryan MacLean (3 p.20)

Entretanto, Arthur Lee reage mal ao sucesso obtido pelos seus “protegidosDoors, acusando a Elektra de «usar o dinheiro que tinham feito connosco para promover os Doors e fazer deles número 1.»(3 p.82), chegando mesmo a invocar o facto de ele ser negro, como um factor determinante nessa “escolha”.  David Anderle, que produziu vários artistas do catálogo da Elektra, recorda: «Quando cheguei à Elektra, ela era território dos Love.  Rapidamente se tornou em território dos Doors. Isso nada teve a ver com os Doors serem todos brancos; isso teve a ver que essa coisa dos Doors foi tão rápida. Nem o Arthur, aparentemente, tinha esse desespero pelo sucesso que os Doors tinham.»(5 p.82)

Para a gravação do seu terceiro álbum, inicialmente agendado para meados de 1967, Bruce Botnick é encarregue de o produzir em colaboração com Neil Young mas este acabaria por não conseguir compatibilizar este seu interesse com as obrigações que o ligavam à sua banda de então, os Buffalo Springfield (embora ainda tenha chegado a contribuir com os arranjos para The Daily Planet).

Botnick estava a par dos problemas existentes no seio do grupo que agora estava reduzido ao quinteto formado por Arthur Lee, MacLean, Echols, Forssi, e Stuart, e quando a 9 de Junho o grupo entra nos Sunset Sound Records, três músicos de estúdio que geralmente trabalhavam com Phil Spector (o guitarrista Billy Strange, o baterista Hal Blaine e o pianista Don Randi) estão a postos para o que der e vier.  Como Botnick previra, a sessão iria correr mal.

Os Love no período Forever Changes

«No primeiro dia, o Johnny e o Bryan não conseguiam a-
finar as guitarras. O Arthur, não tendo qualquer responsa-
bilidade instrumental, estava sentado na cabina com o en-
genheiro, ocasionalmente carregava no botão para entrar
em contacto com o Johnny, o Kenny, o Bryan, e comigo.
(...) O Arthur ria-se, e os empregados do estúdio sorriam,
porque achavam que deviam participar de um modo apro-
priado na frivolidade. Foi mau.» – Michael Stuart(9 p.4)

No dia seguinte, com o resto dos membros apáticos, Arthur e os músicos de estúdio trazidos por Botnick gravam dois temas.

«O Arthur tocou guitarra e nós trabalhámos os arranjos, e
[os músicos de estúdio] gravaram duas músicas em três
horas. “The Daily Planet” e uma outra [“Andmoreagain”]
que estão no álbum. O grupo também estava presente, e
lembro-me de chorarem fisicamente durante a sessão. O
grupo estava tão chocado, tão deslocado, tão magoado,
que isso os levou a esquecerem os seus problemas e a tor-
narem-se num grupo de novo.» – Bruce Botnick(10 p.29)

O melhor tema de sempre de MacLean, Alone Again Or, abre o disco – quando entraram no estúdio pela penúltima vez, a 10 de Setembro, Bryan apenas tinha um esboço da canção e é lá que ele a desenvolve, valendo-se das recordações de infância quando ouvira muito flamenco (a sua mãe era dançarina dessa música cigana da Andaluzia) e, em termos de letra, recorre a um recente episódio com uma namorada.  Ouvindo a letra (Yeah, I heard a funny thing/ Somebody said to me/ You know that I could be in love with almost everyone/ I think that people are/ The greatest fun) não há qualquer dúvida de que entre os dois compositores do grupo, Bryan com a sua habitual escrita “acerca de gelados”, é o escritor apropriado para melhor captar o espírito da época, mas também muito graças ao arranjo “mexicano” dado por David Angel.  Surpreendentemente, quando em Janeiro o tema é lançado em single, nunca conseguirá ultrapassar o #99 nas tabelas nacionais.  A House Is Not A Motel, de Arthur Lee, gravada na mesma sessão, é o outro lado do grupo, com a sua lírica precisa e crua (The bells from the schools of walls will be ringing/ More confusions, blood transfusions/ The news today will be the movies for tomorrow/ And the water’s turned to blood, and if/ You don’t think so/ Go turn on your tub/ And if it’s mixed with mud/ You’ll see it turn to gray/ And you can call my name/ I hear you call my name), e o seu ritmo neurótico.  A ligação acústica inicial a Alone Again Or é perfeita mas a evolução é rápida e violenta – pouco depois de um minuto, a guitarra transforma-a completamente e, quer a letra, quer os instrumentos, (a)parecem possessos na distorção caótica que se lhe segue.  O tema terá sido inspirado pelas estórias de um indivíduo regressado do Vietname [«Ele estava no exército (e) contava-nos sobre a experiência no Vietname. O sangue embrenhava-se na terra e quando se misturava com a lama, tornava-se cinzento. Ele dizia-nos estas coisas todas. Em qualquer altura das nossas vidas durante aquele período, nós tínhamos medo de que nos fossem agarrar e atirar para aquele esgoto.» – Johnny Echols(9 p.7)].  Andmoreagain resulta da “complexidade” sonora da cultura musical de MacLean (em que os arranjos têm, uma vez mais, um papel fundamental) confrontada com a “simplicidade crua” da letra (And I’m/ Wrapped in my armor/ But my things are material/ And I’m/ Lost in confusions/ ‘cause my things are material) arquitectada por Lee – a junção do melhor de ambos.  The Daily Planet, tal como a anterior, é mais uma crónica do quotidiano observado e registada por Lee e, em ambos os casos, fazem-se marcar por uma série de influências sonoras vindas do outro lado do Atlântico, da swinging London.  Old Man, registada no dia 12 de Agosto, é um número folk-rock cheio de melancolia composto por MacLean.  The Red Telephone, de Arthur Lee, inicialmente conhecida com o título de “Hillside” [«De onde a tirei foi, nos anos 60, toda agente utilizava o polegar para um passeio. “Para aonde vais?” “Vamos para Haight-Ashbury.” “Nós vamos para Big Sur. Tens de vir.” “Bom, como vais até lá?” “Apanhamos uma boleia.” Até que apareceu um louco e começou a esfaquear pessoas, como o Hillside Strangler ou o Charlie Manson.» – Arthur Lee(9 p.8)] foi gravada na última sessão de gravações, no dia 25 de Setembro.  Estes dois últimos temas, aonde as cordas têm um papel determinante, conseguem encerrar o lado 1 de um modo perfeito.

O lado 2, inteiramente da responsabilidade de Arthur Lee, inicia com Maybe The People Would Be The Times Or Between Clark And Hilldale, gravada no mesmo dia que a faixa de abertura do álbum e que julgo ter uma estranha ressonância à mesma, sem dúvida, mais acelerada e também mais “cínica” (Crowds of people standing everywhere/ 'cross the street I'm at this laugh affair/ And here they always play my songs/ And me, I wonder if it's...), mas não deixa de ser, de qualquer modo, uma celebração do universo urbano hippie de Los Angeles.  Depois de em Live And Let Live Arthur voltar à guerra do Vietname (Yes I've seen you sitting on the couch/ I recognize your artillery/ I have seen you many times before/ Once when I was an indian/ And I was on my land), servindo-a como uma espécie de “protest song” que me faz lembrar os DoorsJohnny Echols recorda: «Apercebi-me de que quando estávamos a fazer o álbum, falávamos muitas vezes sobre a guerra. Era estranho como se sentiam os adultos e os idosos sobre aquela guerra. Foi romantizada como foi a Segunda Guerra Mundial. Mas não para nós.»(9 pp.9/10) – não posso deixar de encarar a singeleza melódica e lírica (Hummingbirds hum, why do they hum, little girls wearing/ Pigtails in the morning, in the morning/ La da da, da da da da) de The Good Humor Man He Sees Everything Like This como um exercício de ironia da sua parte [«Eu fui de propósito sentar-me em frente de uma escola e observar os miúdos, porque queria escrever uma canção sobre a maneira como achava que a vida deveria ser, crianças a se divertirem e outras coisas, e a canção a ser divertida e a beleza da música – tudo isso. Mas nada daquilo se estava a passar.» – Arthur Lee(9 p.10)].  Ambas seriam registadas na primeira sessão de Agosto, no dia 11.   Bummer In The Summer, gravada assim como a seguinte, no segundo dia da sessão de Agosto, é toda ela Bob Dylan da época (Well I remember when you used to look so good/ And I did everything that I possibly could for you/ We used to ride around all over town/ But they're puttin' you down for bein' around with me) embora Arthur atribua o riff da guitarra a uma canção de Ike Turner.  A fechar o álbum, uma suíte de quase sete minutos, You Set The Scene, que arranca como um tributo à soul music e, a partir dos dois minutos, começa a encenar uma mudança gradual, percorrendo vários estilos sonoros... sem dúvida alguma, uma das mais complexas composições de Lee, servida por uns arranjos brilhantes e por uma lírica muito pessoal.

O álbum estaria disponível ao público em finais de Novembro de 1967. Nos EUA, atingiria apenas o #154, tendo no entanto no RU conseguido um #25.

«Apesar da falha de inconsistência do álbum, ele é agra-
dável de se ouvir. A orquestração de fundo é prazerosa e
a gravação é tecnicamente boa. Os Love desapareceram
por algum tempo antes de lançarem o álbum e é bom tê-
-los de volta.  Forever Changes oferece algumas coisas
boas para os ouvidos abertos.» – Jim Bickhart(1)

«Forever Changes destaca-se pela sua fusão de Broadway,
imagética psicadélica, arranjos aventureiros de metais e
cordas, e os trocadilhos espirituosos que o torna num tes-
temunho focado para o movimento hippie de L.A.» – Phil
Gallo(5 p.17)

«Pensei que ia morrer aos vinte e seis anos, eu acredita-
va que aquelas seriam as minhas últimas palavras para o
 planeta.» – Arthur Lee(11)

Cartaz do Fillmore de São Francisco

A 30 de Janeiro de 1968, o grupo regressa ao Sunset Sound Recorders para gravar um novo single, Your Mind And We Belong Together / Laughing Stock, com Arthur a encarregar-se da produção.  Seria a última vez que os elementos iniciais do grupo se encontrariam em estúdio.  Quando é posto à venda, em Junho, o grupo já estava separado.  MacLean é o primeiro a abandonar o grupo e se, inicialmente, pensava em retomar uma carreira a solo, com os patrões da Elektra a incentivá-lo, acabaria por ter de lutar contra a dependência do álcool e da heroína – anos mais tarde converte-se a um culto cristão e passa a cantar temas religiosos. Arthur Lee, por sua vez e depois de ter escapado a uma overdose, regressa em Agosto com uma nova formação, mas outras tantas depois dessa se lhe seguirão, assim como vários álbuns que no entanto não conseguem ter a auréola de qualidade alcançada com os trabalhos da primeira formação.  Echols e Forssi, conta a lenda, para sustentar o vício tornam-se nos “the doughnut bandits” que depois de terem sido apanhados e de terem cumprido o tempo de castigo, desaparecem no anonimato.  Dos quatro, apenas Echols ainda se encontra entre nós.

«Nós estávamos a ter suficiente sucesso para nos estragar-
mos. Era uma grande festa, mas havia um preço a pagar, e
algumas pessoas não sobreviveram.» – Bryan MacLean(11)

________________________
(1)   BICKHART, Jim. “Forever Changes”. Rolling Stone Vol. 1, No. 5, February 10, 1968. p.21;
(2)   FRICKE. David. “Arthur Lee, 1945-2006”. Rolling Stone Nr. 1007, August 24, 2006. p.24;
(3)   HOSKYNS, Barney. “Through The Keyhole”. Mojo Nr. 43, June 1997;
(4)   HOFFMANN, Frank. “The Byrds. Encyclopedia of Recorded Sound (Garland Reference Library of the Humanities)”. 1993, 2005. p.306;
(5)   GALLO, Phil. “Love Story, 1966~1972” CD Sleeve Notes. 1995;
(6)   HOLZMAN, Jac, and DAWS, Gavan. “Follow the Music: The Life and High Times of Elektra Records in the Great Years of American Pop Culture”. 1998, 2000;
(7)   DENSMORE, John. 1965, the Strip and Lee. Los Angeles Times. August 07, 2006;  (     )
(8)   SANDOVAL, Andrew. “An Elektra Classic. Love Da Capo”. CD Sleeve Notes. 2000;
(9)   ___________________. In the summer of 1967”. Forever Changes (Collector’s Edition) CD Sleeve Notes. 2008;
(10) ___________________.The Love Elektra Sessions, 1966-1968”. Love Story, 1966~1972, CD Sleeve Notes. 1995;
(11) PUTERBAUGH, Parke. “Where Are They Now? Love”. Rolling Stone Nr. 533, August 25, 1988.




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