Love, o primeiro álbum
Capa do LP Love
Jac, entusiasmado com a sua nova aquisição e querendo captar toda a energia que descobrira nas actuações do grupo, inicia de imediato contactos para os gravar.
«Tínhamos ouvido coisas boas sobre o Sunset Sound.
Não havia qualquer probabilidade do Arthur estar
pronto para gravar até às sete horas da noite, então
decidi verificar as instalações antes disso, ver a mesa
de mistura, o Ampex de quatro pistas, os microfones
disponíveis e trocar ideias com o engenheiro que era
o Mark Abramson e eu. Eu entrei e vi esse rapaz, que
me pareceu não poder ter mais do que dezanove anos,
movendo habilmente os dedos sobre a consola e, em
geral, parecendo que sabia o que estava a fazer. Ele
disse-me que o seu nome era Bruce Botnick.»
– Jac Holzman(6 p.129)
A gravação, efectuada no Sunset Sound Recorders, iria decorrer sem grandes novidades entre 24 e 27 de Janeiro de 1966, e cada sessão acabaria por vir a ser altamente produtiva. Arthur encarregar-se-ia de tocar todos os instrumentos sempre que os membros do grupo não conseguissem a sonoridade por ele pretendida – isso aconteceu com a maior parte da secção rítmica em vários temas sendo que. para os restantes, trouxe dois novos membros para o grupo: Ken Forssi para o baixo e Alban “Snoopy” Pfisterer para a bateria.
«Os Love chegaram já preparados. Eles vinham a tocar
ao vivo. (...) Jac tinha visto a banda (...). Ele conhecia a
música quase tão bem como eles a faziam. E porque ele
sabia tanto, o grupo trabalhou realmente bem com ele.»
– Bruce Botnick(6 p.130)
«Nós estávamos a conseguir três boas faixas por dia. O
Arthur tocava frequentemente os instrumentos de outras
pessoas se achava que o podia fazer melhor, e ele conse-
guia-o sempre. (...) Foi um álbum numa semana. (...) o
Mark e eu revimos as misturas, fizemos algumas correc-
ções, e estava pronto. (...) A capa merecia um estilo vi-
sual diferente de outro álbum qualquer que a Elektra ti-
vesse lançado antes. (...) Eu pensei que se tivesse várias
fotografias dos Love em cada lado, iria aumentar o seu
impacto visual – e, esperava, as vendas. Pedi ainda ao
Bill [Harvey] para desenhar um logotipo distintivo do
grupo, para aparecer no álbum e em todo o material
promocional (...) [e] o Bill desenvolveu um elaborado
desenho psicadélico, com os símbolos masculino e fe-
minino. » – Jac Holzman(6 pp.130/131)
Em pouco tempo reuniram um número suficiente de músicas para fazerem um LP. O álbum abre com a já mencionada cover do tema de Burt Bachrach e Hal David, My Little Red Book que Arthur conhecia na versão original gravada pelos Manfred Mann mas à qual deu uma roupagem radicalmente oposta, adoptando antes um ritmo neurótico acentuado pela constante presença do baixo mas essencialmente da pandeireta que ele teima em não largar. Can’t Explain é toda ela The Who, desde o título (que foi descaradamente) surripiado até ao estilo de vocalização à Daltrey, embora Arthur atribua a sua origem antes a What A Shame dos Rolling Stones: «É uma música de estilo diferente mas as palavras são quase idênticas. O Johnny Fleckenstein e eu pusemo-las juntas num estilo folk rock.» – Arthur Lee(5 p.12). A Message To Pretty, é uma canção de Arthur para o seu grande amor, Anita, em forma de balada à Byrds, com uma parte de harmónica surpreendente. My Flash On You, de Arthur, é estruturalmente idêntica à cover de Hey, Joe (que aparece no lado 2 do disco), numa versão trabalhada por MacLean, não a partir do original de Billy Roberts mas sim da versão de David Crosby para os The Byrds. Softly To Me é uma composição típica de MacLean e do seu universo lírico colorido (Orange, sugar, chocolate, hot cinnamon and lovely things and you) erguido sobre um universo musical não menos “colorido” – nela podem adivinhar-se toda uma série de influências que mais tarde dariam corpo ao psicadelismo; de realçar ainda o seu trabalho vocal. You I’ll Be Following, que abre o lado 2, é Arthur em busca de alguém que lhe indique o “caminho” – talvez da sua amada, talvez de um ser superior (Went to Baghdad/ I went to Laurel/ Tripped in the canyon/ My head is still bent, but now/ You I’ll be following). Interessante é a referência a dois membros do grupo (I went to Johnny/ I went to Conka/ One of them told me/ That he was holding, but now/ You I’ll be following) nessa busca. Sobre Hey, Joe, Arthur Lee dirá: «Bryan foi road manager dos The Byrds, e nós tocávamo-la porque eles a tocavam.» Signed D.C. é, quanto a mim, das melhores composições deste álbum e de todas as compostas por Arthur Lee – há algo de Doors (ou será vice-versa?) e das músicas dos cowboys solitários nela, da solidão de todos os Don Conkas (My soul belongs to the dealer/ He keeps my mind as well/ I play the part of the leecher/ No one cares for me, cares for me”) «Foi escrita sobre a época e as pessoas que eu via quando saía do palco – os encostados às paredes que não podiam destapar os braços. Não foi escrito acerca de uma pessoa. A maioria das pessoas estava a fazer o que foi escrito nessa canção. D.C. significa Distrito da Columbia. A ouvir “St. James Infirmary”e “House Of The Rising Sun” eu descobri a linha melódica a partir delas.» – Arthur Lee(5 p.14)], e Mushroom Clouds é um tema em que todo o grupo se empenhou tentando indo buscar aos Simon & Garfunfel o que poderia ser adaptado à nova música eléctrica.
Arthur Lee
O álbum virá a ser publicado em Maio de 1966 e embora tenha vendido bem na Costa Oeste, nas tabelas da Billboard não ultrapassará o #57. Dele virá a ser extraído o single My Little Red Book/A Message To Pretty que, em Junho, subirá ao #52 nas tabelas nacionais.
«O que podem ouvir naquele primeiro álbum é apenas
uma versão enervada, atenuada, de como éramos ao vi-
vo. Nele não encontram a distorção, ou a energia, ou o
impacto.» – Bryan MacLean(3 p.79)
«O Jim e eu íamos de carro de Laurel Canyon ao res-
taurante chinês perto do Deli de Greenblatt para com-
prar arroz frito com ovo para o pequeno-almoço. Nu-
ma dessas excursões “My Little Red Book”, saía do rá-
dio, a cover dos Love da canção de Burt Bacharach-Hal
David. “Se pudéssemos fazer um disco tão bom quanto
este”, disse Jim, “eu ficaria feliz.”» – John Densmore(7)
Da Capo
Capa do LP Da Capo
O relativo sucesso do primeiro trabalho do grupo não virá a alterar os seus hábitos – talvez fora da zona hip de Los Angeles lhes tenha trazido um pouco mais de notoriedade mas nem isso irá ser uma motivação suficiente para convencer Arthur a aventurar-se para muito longe da casa-comuna em Laurel Canyon [«Nós éramos os mais populares - e os mais preguiçosos. A Costa Leste em digressão? Esqueçam isso. Nós estávamos a dar-nos muito bem em L.A.» – Arthur Lee(5 p.4)] aonde o grupo agora habitava, o famoso “the castle” que, supostamente, em tempos pertencera ao actor de filmes de terror Béla Lugosi e aonde, também supostamente, lhes foram tiradas as suas fotografias mais conhecidas numa sessão feita de propósito para a capa do seu álbum inaugural.
«Todos lhe chamam “The Castle”, mas não se parece
em nada com um castelo, verdade. Apenas uma casa
muito, muito grande. A primeira vez que Bryan me
pediu para aparecer, eu entrei e o Arthur estava a an-
dar de skate ao longo do perímetro da sala de estar
(...). Tinha um chão de madeira e não havia qualquer
mobília no meio do caminho – apenas um sofá e uma
mesa no meio – por isso, ela era perfeita.» – Michael
Stuart-Ware(8 p.10)
«Eu adorava a casa do Arthur, lá em Hollywood Hil-
ls. Tudo estava do género escondido ou coberto com
peles.» – Mark Abramson(6 p.133)
Entretanto passam também a actuar no Whisky A Go Go, aonde se encontram com uma banda que Arthur Lee praticamente viria a apadrinhar, os The Doors.
Cartaz do Whisky A Go Go
«Em Maio de 1966, voei para Los Angeles (...). O
Arthur Lee estava a tocar no Whisky e esperava-
-me lá. (...) O Arthur pediu-me para ficar por ali
para a próxima banda. Quem quer que eles fossem,
o Arthur tinha uma boa opinião sobre eles, e eu ti-
nha uma boa opinião da opinião do Arthur, então
eu fiquei.» – Jac Holzman(6 p.162)
«Quando os Love tocaram no ainda na moda Whis
ky A Go Go, mais a oeste na Sunset, Lee afirma que
eles “começaram toda essa coisa hippie” em con-
junto com uma multidão de frequentadores malucos
liderados pelo idoso escultor beatnik Vito Paulekas.
“Era o Vito, o Carl Franzoni, a Sue, o Beatle Bob, o
Bryan e eu,” diz ele, “o Bryan colocava uma fita no
cabelo e, depois de darmos os nossos espectáculos,
as pessoas iam até ao Ben Frank para estarem con-
nosco.”»(3 p.75)
A 20 de Junho, o grupo está de regresso ao Sunset Sound Records para gravar aquele que em Julho viria a ser o seu segundo single, 7 And 7 Is. Para o lado B, a Elektra recuperou um tema gravado nas sessões de Janeiro, No. Fourteen. O single entrará nas tabelas em finais de Julho e atingirá o #33.
«Quando o Arthur a tocou para nós era uma música
totalmente diferente. Nós vínhamos a trabalhar uma
outra canção chamada “In My Time”. Ela era seme-
lhante a “7 & 7 Is” na qual queríamos como que ex-
perimentar usar tons fuzz e coisas diferentes no bai-
xo. (...) Nós procurávamos o caos controlado – é des-
ta maneira que eu gosto de a descrever – porque “7
& 7 Is” é como isso. O Bryan começou a improvisar
mas isso inicialmente não fazia parte da “7 & 7 Is”.
Isso surgiu depois de o Jac ter posto a explosão lá e
então fizemos isso.» – Johnny Echols(8 p.4)
«é uma obra-prima apocalíptica, metralhada furiosa-
mente ao longo de dois minutos e um quarto, culmi-
nando com o som de uma bomba atómica.» – Barney
Hoskyns(3 p.79)
O single acabaria por ser a quarta música do novo álbum, Da Capo, mas aparecendo por extenso: Seven And Seven Is. Com uma nova formação, Michael Stuart na bateria – “Snoopy” passaria para os teclados – e Tjay Cantrelli (John Barberis) no saxofone e flauta, o grupo passa cinco dias (de 27de Setembro a 2 de Outubro) no RCA Victor Studios, de Hollywood, tendo como produtor Paul Rothchild, e como engenheiros, Bruce Botnick e Dave Hassinger.
Os Love no período Da Capo
«Ele falou-me deste produtor que tinha acabado de sa-
ir da prisão por erva, e que era fantástico, e que tinha
trabalhado com todas essas pessoas de que eu gostava.
(...) Então nós dissemos, “Boa”, e encontrámo-nos e
demo-nos bem imediatamente. (...) Ele estava à espera
de um grupo diferente. Nós tínhamos mudado para um
som mais suave tipo jazzy. Foram 180 graus do primei-
ro álbum para Da Capo. (...) mas quando estávamos lá e
começámos a correr as músicas e a ensaiá-las então co-
meçámos a sentir que ele estava connosco. Ele estava
ao mesmo tempo com os Doors e penso que foi por isso
que fomos agendados para o RCA Studio B em vez do
Sunset Sound, pelo facto de os Doors estarem agendados
para lá.» – Johnny Echols(8 p.9)
O tema de abertura, Stephanie Knows Who, arranca com uns acordes de cravo, um instrumento mais conotado com a música dita erudita, soando a valsa mas imediatamente a secção rítmica e a voz de Arthur tomam conta da canção, transformando-a numa cacofonia aonde o jazz surge pelo saxofone a querer romper a barreira erguida pelas guitarras, muito mais violentas do que nunca e fazendo lembrar vagamente o estilo de S. Francisco. Echols explica assim o tema: «Eu acho que ela primeiro foi namorada do Bryan, em seguida o Arthur começou a ir com ela e terminou com ambos a perderem-na.»(8 p.12). A música que se lhe segue, Orange Skies, é, pela sua construção melódica com algo de melancólico, como não podia deixar de ser de Bryan, a partir de The Bells of Rhymney, dos Byrds, e de quando ele ainda trabalhava para eles. Tjay, desta vez na flauta, volta a injectar um pouco de jazz (bossa nova?) à composição – «era uma boa canção mas tive de ir ter com o Bryan e perguntar-lhe “Porque é que não escreves sobre coisas que são reais? Porque é que estás sempre a escrever acerca de gelados?”» – Arthur Lee(5 p.15). ¡Que Vida! é música no seu mais alto gozo: aquele pop! da garrafa de champanhe aberta para comemorar a vida, sobre um ritmo latino contagiante marcado pelo órgão tipo bar de hotel, só encontra paralelo na letra de Arthur (With pictures and words/ Is this communicating?/ The sounds that I’ve heard/ The growling voice then fading/ And yes my heart was beating/ Or was it just repeating?). Seven And Seven Is é a urgência da angústia dos tempos que corriam e que Botnick captou perfeitamente ao introduzir a explosão atómica final, seguida dum excelente prolongamento melódico pela guitarra de Bryan. The Castle é das canções mais ambiciosas do grupo com as suas constantes variações rítmicas, principalmente se tivermos em consideração que foi toda criada a partir do nada [Echols: «Essa foi uma das canções do Arthur que ele trouxe para esta coisa no último minuto. Nós nunca ensaiámos essa música em lugar nenhum antes.»(8 p.12)] A introdução acústica e o baixo que se lhe segue, conduzem a música por universos surpreendentes – do norte-africano ao hispânico, com uma breve passagem pelo vitoriano introduzido pelo uso do cravo. She Comes In Colors está impregnado de samba e permite a Tjay sobressair uma vez mais e de novo, na flauta. Interessante é também a contribuição de “Snoopy” no cravo.
«Quando ouvi a parte de “When I was in england town”
eu pensei que tinha piada. A menos que haja uma “en-
gland town” algures entre o Tennessee e a Califórnia, a
única maneira de o Arthur ter estado lá antes de escrever
o material para Da Capo era como a de James Taylor ter
ido à Carolina! Talvez como daquela vez que estava a fu-
mar um pouco de erva com o Kenny e ele disse: “Man,
Michael, a Disneylândia é um lugar para explodir a men-
te.” E eu disse, “Sim, quando é que foste até lá?” Então
ele sorriu e disse, “Estou lá agora.”» – Michael Stuart-
Ware(8 p.10)
Por mim, o álbum termina aqui: os restantes dezanove minutos de Revelation são para esquecer – supostamente, seriam para reproduzir um tema que fazia parte do seu reportório no Whisky, com o titulo de John Lee Hooker, e no qual recorriam a uma novidade que tinham visto em concertos no novo jazz e que consistia em dar tempo a cada membro do grupo para sozinho fazer a sua jam session, mas a verdade é que é uma faixa difícil de agarrar o ouvinte, longa e tocada com pouco entusiasmo e, por isso, difícil de acompanhar. O grupo viria a atribuir o falhanço ao mau trabalho de produção de Rothchild: «Ele ia dizendo que estava a tentar “pintar um quadro”. Eu ia explicando-lhe que cabia a nós pintar o quadro e a ele colocá-lo na tela – ou na bobine – e não por iniciativa própria fazer algo como aquilo.» – Johnny Echols(8 p.13)
Um mês antes do álbum ser posto à venda, a Elektra disponibiliza o single She Comes In Colors/ Orange Skies. O álbum é posto à venda em Janeiro de 1967 e atingirá o #80 nas tabelas de álbuns da Billboard. Dele irá ainda a ser extraído mais um single com ¡Que Vida! tendo como lado B, Hey Joe.
«O Arthur perguntava ao Snoopy qual é o termo musical
para regressar ao começo e o Snoopy disse-lhe que é Da
Capo. Então foi assim que acabámos por ficar com esse
nome. Era regressar às raízes, porque estávamos a regres-
sar aonde estávamos antes de termos chegado a Holly-
wood e tipo, termos mudado para este grupo de rock. (...)
Basicamente estávamos a falar em regressar a isso. Como
o álbum materializa não regressámos a nada.» – Johnny
Echols(8 p.14)
«Eu sinto que me encontrei, ou plantei uma semente de
quem sou hoje, em Da Capo. Eu nasci em Da Capo.» –
Arthur Lee(3 p.80)
«O que houve foi um gajo que cresceu com Rodgers &
Hammerstein e Aaron Copland, e que adorava o Burt
Bacharach, e por outro lado, outro gajo que cresceu no
lado oeste de LA – no distrito de Crenshaw-Adams –
com R&B. E foi essa mistura que tornou isso interes-
sante e único.» – Bryan MacLean(3 p.79)
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