Arredores (Pré-Período Europeu...)
Alguém imagina Lou Reed como dactilógrafo mesmo que na firma do seu pai? Sim, estou a falar desse mesmo... desse que cantava “‘Cause it makes me feel like I’m a man/ When I put a spike into my vein/ Then I tell you things aren’t quite the same”(1) sob aquele fundo de energia rítmica neurótica, mas era para aonde ele estava destinado depois de ter concluído que não era pelos Velvet Underground que passava o seu futuro.
«Fui-me embora somente porque não tínhamos
um tostão. (...) como alguns outros membros do
grupo, perguntei-me durante muito tempo se se-
ríamos algum dia aceites por um público sufi-
cientemente grande para transformar o grupo
num sucesso.» – Lou Reed(2)
Lou nunca teve uma vida “normal”; desde muito cedo manifestou tendências homossexuais e para as quais, o tratamento adequado na altura – falamos da década de cinquenta – eram os electrochoques. Essa experiência tê-lo-á marcado para sempre.
«Lou tinha passado por um período muito dolo-
roso de terapia por electrochoques. (...) Creio
que ele guardava um ressentimento terrível por
ter sofrido essa provação. Uma vez explicou-me
mas nunca compreendi verdadeiramente por-
que é que lhe tinham feito aquilo... (...) Imagino
que, para Lou, todo este período estaria ligado
aos horrores dos electrochoques, ao ódio de se
dirigir ao consultório do médico onde o faziam
conviver na sala de espera com pessoas que não
passavam de vegetais. Ele não suportava olhar
para eles. Creio que isso anulou nele qualquer
sentimento de compaixão.» – John Cale(2, p.18)
Em Junho de 1964, acaba os seus estudos na Universidade de Syracusa e passa a dedicar-se à composição de canções por encomenda para a Pickwick Records, uma companhia de edições baratas. Esta não era a sua primeira experiência discográfica pois já em 1957, com um grupo formado com os seus colegas de liceu, The Jades, tinha gravado o single So Blue/Leave Her for Me, para a Time Records, de Bob Shad(3).
«Na Pickwick eles não queriam saber das mi-
nhas canções. Só lhes interessava que eu e
mais três tipos escrevêssemos o que podia ser
popular naquele momento: dez canções de
surf ou dez canções de automóveis. Ao mesmo
tempo, eu ia escrevendo as minhas. Mas eles
não ligavam nenhuma, diziam-me só: “Es-
creve o que te pedem e não faças floreados.”»
– Lou Reed(2, p.16)
É por essa altura que numa festa, Reed encontra John Cale, um jovem galês que desde há dois anos residia em Nova Iorque para aonde tinha ido estudar música e que entretanto tinha entrado para os Dream Syndicate, o grupo de música experimental de La Monte Young, e que a partir daí se tornam inseparáveis. A eles junta-se-lhes um velho conhecido de Reed, Sterling Morrison, e é este trio que, com Walter de Maria, forma os The Primitives.
«Voltei a cruzar-me com Lou no início de 65, no
metro de Nova Iorque. Estava na companhia de
John que ele, entretanto, tinha encontrado... Era
Janeiro, Fevereiro. Gravámos algumas fitas e fi-
cámos bastante contentes com o resultado: “E es-
ta? Ficou bem melhor do que pensávamos...”»
– Sterling Morrison(2, p.19)
de Maria, irá dar lugar a Angus MacLise, baterista de formação jazz e muito ligado às correntes artísticas subterrâneas de Nova Iorque, que arrastará o grupo para os meios ditos underground, mas este deixará o grupo em Novembro.
«O Al Aronowitz era o manager de uns rapa-
zinhos bem comportados de New Jersey, os 40
Fingers. (...) Barbara Rubin, uma das ami-
gas, tinha-nos ouvido tocar aquando de umas
projecções de filmes underground e disse-lhe:
“Conheço um grupo que toca umas canções
um bocado estranhas.” “OK, 75 dólares”, dis-
se ele. Angus foi-se embora, não queria ser
pago. Nós Então convidámos a Maureen. To-
cámos três canções naqueles auditórios da Su-
Goes Again, Venus In Furs e Heroin. Era 11
de Novembro de 65, data do nosso primeiro
concerto com o nome de Velvet Underground.
Metade do público abandonou a sala, a outra
gostou. Aronowitz (...) disse-nos: “Vocês são
realmente capazes de fazerem coisas, mas pre-
cisam de tocar em frente de público e descon-
traírem-se um pouco. Vou arranjar-vos um con-
certo num clube.” Rimo-nos na cara dele. (...)
Mas ele conseguiu, arranjando-nos o Café Bi-
zarre para Dezembro: seis noites por semana,
um número ilimitado de espectáculos de qua-
renta minutos cada um, com vinte minutos de
intervalo.» – Sterling Morrison(2, pp.26/27)
Em Dezembro, e já com Maureen Tucker a bordo, os recém intitulados Velvet Underground travam conhecimento com Andy Warhol, que os convence a deixarem o Café Bizarre e a irem trabalhar para ele.
«Na época do Natal começámos então a frequen-
tar a Factory. (...) Entre o Natal e o Ano Novo eu
não fui à faculdade, estive permanentemente na
Factory, aonde começámos a discutir a possibili-
dade de um espectáculo com Andy. Quanto mais
o Ano Novo se aproximava menos a ideia de tocar
nessa noite nos encantava. Era, por isso, preciso
sermos despedidos até essa altura. A 29 ou 30 o
proprietário veio ter connosco logo a seguir a Bla
ck Angel’s Death Song para nos dizer que, se to-
cássemos essa canção outra vez, nos punha na
rua. Adivinhem com que canção é que iniciámos o
“set” seguinte?» – Sterling Morrison(2, pp.28/29)
Rapidamente, o grupo começa a fazer parte do universo warholiano. Foi a época da Exploding Plastic Inevitable e, quando dão conta, passam a Velvet Underground & Nico – deCurtis dirá mais tarde que ela, a Nico, «emprestou um elemento relaxante da Euro-decadência às canções»(4, pp.3/4) enquanto Sterling sugere que ela «(t)alvez fosse para nós uma ligação física com a Factory»(2, p.38) – e aceitam inclusive gravar um álbum sobre essa designação; mas assim como ela entrou, assim saiu: como um autêntico meteorito da galáxia warholiana.
Nico, Andy Wahrol e os VU (Moe Tucker, Lou Reed, Sterling Morrison e John Cale)
Em meados de 1967, Reed faz com que o grupo se afaste de Warhol e é já longe da sua presença tutelar, uns dois meses depois, que acabam por iniciar as gravações do seu novo álbum, White Light/White Heat, que será publicado em Janeiro do ano seguinte. Em Setembro de 1968, Lou Reed impõe aos restantes membros do grupo a saída de John Cale.
Cartaz da época
«Lou disse-nos que queria que o John abando-
nasse o grupo. Nós que escolhêssemos com quem
queríamos ir. Não houve discussão. Se nós tivés-
semos dito “está fora de questão, ele tem de conti-
nuar no grupo”, o Lou ter-se-ia ido embora.»
– Maureen Tucker(2, p.58)
A saída de Cale abrirá as portas a Doug Yule, e é com esta formação que o grupo grava The Velvet Underground, publicado em Março de 1969, Loaded*, em Novembro do ano seguinte, e quase todo o material para um álbum que só virá a ser divulgado em 1985, com o título de VU.
Perante o impasse a que o grupo chegou, em Agosto de 1970, Reed decide abandonar tudo e recolher ao lar familiar.
«O Lou nunca me anunciou que ia abandonar o
grupo. Um dia chegou ao Max’s com os pais pa-
ra mos apresentar. Foi com eles para casa e nun-
ca mais voltou.» – Sterling Morrison(2, p.64)
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*Embora Maureen Tucker conste da lista de créditos, a verdade é que ela não participou na gravação do álbum por estar grávida. Em sua substituição, o grupo recorreu a três outros bateristas (Adrian Barber, Tommy Castanero, e a um irmão de Doug Yule, de nome Billy).
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