Aqui, como em qualquer estória, há sempre uma pré-estória e esta começa algures em São Francisco no ano de 1965, quando a cidade se preparava para ser conhecida por “be sure to wear some flowers in your hair”, com o nosso herói como guitarrista de uns Quicksilver Messenger Service ainda na sua atribulada formação, a ser desencaminhado por um tal Balin, de primeiro nome Marty e que para além de ser o proprietário de um ex-restaurante de pizzas na rua Fillmore convertido em clube, o Matrix, andava à procura de um baterista para o grupo residente do clube, que tinha como nome Jefferson Airplane desde a noite de abertura do clube a 13 de Agosto de 1965... mas como ia dizendo: ele andava à procura de um baterista porque o anterior os tinha abandonado devido ao “mau” hábito de consumo de drogas por parte dos restantes membros do grupo.
Bom, os Jefferson acabariam por se tornar num dos grupos mais conhecidos da chamada Bay Area e por isso, assinarem um contrato com a Columbia Records, e a 15 de Setembro de 1966 “descolavam” com o seu primeiro trabalho que tinha o apropriado título de Jefferson Airplane Takes Off mas por esta altura, já o nosso herói que tinha abandonado o grupo sem vai, nem vem, para uma viagem “romântica” ao México com duas raparigas, estava de regresso e com o ex-manager e produtor dos Jefferson, um sacanóide com tendências autoritárias que se chamava Matthew Katz, procurava recrutas para a sua nova formação em que ele pretendia voltar a ser guitarrista e ela, a nova formação, seria conhecida por Moby Grape.
Os Moby Grape terão a sua primeira actuação ao vivo no California Hall a 4 de Novembro, e com eles, o nosso herói irá gravar dois (três?) álbuns: Moby Grape, publicado em meados de 1967, e os dois-a-preço-de-um Wow/Grape Jam, lançado(s) em Abril de 1968.
No auge da fama, quando se encontravam em Nova Iorque a gravar o seu segundo trabalho, o nosso herói devido ao excesso de consumo (principalmente) de LSD, passa-se da cabeça e, com um machado de incêndio, arrebenta a porta do quarto aonde dormiam o baterista Don Stevenson e o guitarrista Jerry Miller, para os excomungar, mas como não os encontrou dirigiu-se ao estúdio aonde o resto do grupo ensaiava e é o produtor David Rubinson que o consegue travar e retirar a perigosa arma das mãos. Na verdade, o nosso herói não era o único tresloucado no grupo: o baixista Bob Mosley também não era muito saudável...
“Skip” Spence, 1966/67
À pergunta de que «What changed when you cut the second album?» feita por Jud Cost numa entrevista para a Sundazed Records, o guitarrista Peter Lewis responde assim:
«We had to do it in New York because the producer wanted
to be with his family. So we had to leave our families and
spend months at a time in hotel rooms in New York City .
Finally I just quit and went back to California . I got a phone
phone call after a couple of days. They'd played a Fillmore
East gig without me, and Skippy took off with some black
witch afterward who fed him full of acid. It was like that
scene in The Doors movie. He thought he was the anti-Christ.
He tried to chop down the hotel room door with a fire axe
to kill Don to save him from himself. He went up to the 52nd
floor of the CBS building where they had to wrestle him
to the ground. And Rubinson pressed charges against him.»(1)
A polícia acabaria por o levar para o centro de detenção de Manhattan (mais conhecido por The Tombs), daonde seguirá para a ala psiquiátrica do hospital Bellevue, e aonde ficará por cerca de cinco meses.
William R. Carney, Jr., um ex-paciente da ala psiquiátrica do Bellevue em meados da década de 60, recorda assim a sua estadia naquela infame instituição:
«Bellevue was a nightmare – extremely crowded, with
many patients' beds in the hallways. The conflicts among
the patients were never-ending. My treatment consisted of
my old standby, chlorpromazine, with Stelazine (trifluope-
razine) added. The trifluoperazine made me extremely
agitated, so I spent most of my time at Bellevue pacing the
floors.»(2)
Durante o seu internamento, o nosso herói acabará por aproveitar os seus “tempos livres” para arquitectar a estrutura musical que servirá de base sonora para as palavras que entretanto ia passando para o papel.
E agora a estória: em meados de Novembro, o nosso herói que se chama Alexander Lee Spence, também conhecido por “Skip”, ou “Skippy”, Spence, está de novo na rua e é Rubinson quem se encontra à sua espera. Este, numa entrevista dada ao jornalista Andrew Lau para um artigo (Oar After 40 Years: Brilliant or Mere Ramblings?) publicado a 24 de Novembro de 2009, na revista Crawdaddy, descreve assim o reencontro:
«I “asked, ‘What do you want to do?’ He said he wanted
a Harley-Davidson and he wanted to go to Nashville
and wanted to record; he’d written a lot of songs while
he was in the hospital. Then he wanted to get on his
motorcycle and drive home to his wife. I said, ‘Fine.’”»(3)
No dia 3 de Dezembro, depois de ter conseguido um avanço da Columbia Records (há quem jure que foi cerca de mil dólares!), ele está nos estúdios decadentes e ultrapassados daquela etiqueta em Nashville aonde inicia as sessões de gravação tendo apenas como companhia o engenheiro de som Mike Figlio. Rubinson recorda para o já mencionado artigo de Andrew Lau, a conversa que teve com Figlio:
«I said, ‘Mike, I’m sending Skip Spence down and he’s
going to do an album. Listen to me very carefully: I want
you to get a lot of tape. I want you to load up the machines
with tape and have one of them running all the time. Never
stop recording. Whatever happens, even if it gets crazy,
even if it gets quiet for 20 minutes, I want you to record
everything.’ Everybody had heard about the ax and Bellevue .
He said, ‘This guy’s crazy, what are you doing?’ I said,
‘He’s a good guy, he’s harmless.’»
De acordo com Bob Irwin, o patrão da Sundazed:
«The first few days in the studio (in early December) were
spent laying down the basic tracks to quite a few songs,
the next two were spent overdubbing additional parts on
them – guitars, drums, vocals, etc. – creating Skip's
'finished master' takes. But it's really December 12, 1968 –
the very last day of the 'Oar' sessions – that intrigues me
most. That was the day Skip went in and recorded 15 plus
"songs". As the clock on his allotted studio time ran down,
Skip was pouring it out. As far as I can discern (both from
interviews and the little existing vintage paperwork),
Skip spent the morning of December 12th completing
overdubs on "All Come To Meet Her", finalizing the
components for the master version as we know it. In the
afternoon and evening of that same day, playing a Fender
bass and singing live vocals, Skip recorded nearly non-
stop. He then added a drum kit overdub to some of the
tracks that evening. A busy day for sure. This one, intense
day of recording was responsible for some of Oar's
simplest, yet most texturally intricate moments. For
folks familiar with the original album, this is where
"Margaret-Tiger Rug" is culled from...it's also where and
when "Grey/Afro" was recorded.»(4)
No dia 19 de Maio de 1969, e depois de uma batalha de Rubinson com a Columbia Records (por causa do desprezo a que votaram) Oar é disponibilizado ao público tendo como capa um trabalho gráfico de Bob Cato. Uma vez mais, Rubinson recorda o momento para Andrew Lau:
«(I) Begged. Pleaded. They had no motivation to put
this record out, they didn’t think it was ever going
to sell and it came out to complete silence. Nobody
said, ‘Jesus Christ, this is a masterpiece. This is great
work of poetry; this man has created a great work of
art.’ It wasn’t packaged, no promotion campaign,
no release party. I actually don’t recall anything
happening.»
De entre as críticas especializadas que ou ignoraram o álbum, ou o assumiram como o trabalho de um louco a que se deveria dar um desconto, na Rolling Stone, Greil Marcus teve a ousadia de o dar como «quiet and insinuating» e terminava com um «Get ahead of the game, and buy Oar before you no longer have a chance.»(5)
Edição da Rolling Stone, com a famosa crítica de Marcus Greil
Little Hands, que abre o album, é uma melodia quase infantil para um hino ao “beautiful people” (Children are singing/ The truths that they're bringing/ Freedom is ringing all 'round the world). A introdução é feita por acordes de guitarra a que gradualmente se vai juntando o baixo e a bateria. A(s) voz(es), em eco, surge(m) descuidada(s) e relaxada(s), apropriada(s) para uma marcha folk. Em Cripple Creek, “Skip” dá à voz a pitada de drama adequada ao humor da letra (He left his wheelchair spinning/ Deeper in the mud/ In it set his memories/ In its body and its blood) aonde se pode descobrir algo do que ele terá sentido durante os meses de internamento. Uma facha country a fazer lembrar Kris Kristofferson ou/e mesmo Leonard Cohen. Com Diana, uma nova mudança de voz (a de um bêbado em plena pieguice? – Oh, oh, Diana/ Tears fall like rain/ Oh, oh, Diana/ I am in pain) e um trabalho incrível de guitarras para uma melodia blues. Margaret-Tiger Rug, uma valsa aonde sobressai o baixo, é mais uma das canções sobre o seu internamento (It appears I sent you off to treatment/ With the tiger by the tail/ If he could be free/ He wouldn't have stripes on him, like jail). Weighted Down (The Prison Song) é um country muito simples em termos instrumentais, com uma vocalização quase apenas para quem o ouve como convém a uma canção sobre o isolamento de um prisioneiro (A best friend to your ear of true said I was guilty of sin/ Said my being gone was the best thing for you/ But the truth, it all comes through for me and my kin/ It wasn't the best thing for me but was the best for him), e para fechar o lado A, War In Peace, um pedaço de psicadelismo, cheio de efeitos especiais, com a guitarra situada algures entre Grateful Dead e Jefferson Airplane, e uma letra cheia de ironia (It's a joy to see you in your red risen dead/ Risen dead will cross another generation/ And the cosmic federation/ Sees you clear). Supostamente, esta canção é dedicada a Ginger Baker, o baterista dos Cream (It's good to see you in your red, red resin), daí a introdução no seu final, do principal riff de Sunshine Of Your Love.
O lado B abre com mais um country, Broken Heart, cuja letra cheia de metáforas é pessoal demais para ser entendida (Like a thirsty cowboy/ In a lake his tongue does rest/ Jumps in and he cannot swim/ And drowns himself to death) embora fique aquela sensação de que é uma auto-análise. All Come To Meet Her é tipicamente west coast sound e a letra tem algo de místico (Hmmm... I, Amen... I, Amen.../ All come to meet her now/ And I'll come to meet her now). Books Of Moses é uma worksong com um ambiente muito gospel (Hero's welcome/ There stands your king/ Where serpent shudders/ And the angels sing). Os efeitos especiais e a voz de Spence dão um dramatismo quase apocalíptico à canção. Com Dixie Peach Promenade (Yin For Yang), regressa o country e uma certa dose de brejeirice (I could use me some yin for my yang/ That would make everything all right/ I will stay by your side by the day/ You'll stay underneath me at night) para desanuviar o ambiente. Lawrence Of Euphoria, é outra facha “alegre” aonde, tal como em Yin For Yang, se espelha os novos costumes (There's Ellie Mae from California/ She does it all right but her lips are tight/ She tucks me in to bed at night/ She's Vivian's twin sister Ellie Mae). Para fechar o álbum, Grey/Afro, um mantra psicadélico composto por duas parte em que as palavras (Let us start a nice old new organization/ To try and be hands heaven from this civilization/ Only trust in our destination, you need me/ And only then I'd let you hide behind me) são diluídas, sussurradas no resto da barreira sonora aonde a secção rítmica sobressai. O 1:47 final vale o resto da facha.
Fachas a não perder: Little Hands, Cripple Creek , Diana, War In Peace, All Come To Meet Her, Books Of Moses, Grey/Afro.
“Skip” Spence, 1968
Depois de gravado o álbum, “Skip” desapareceu por uns meses tendo-se, segundo se diz, retirado para a cidade aonde cresceu, São José, e aonde continuou a tocar em grupos locais, regressando esporadicamente aos Moby Grape (algures em 1970, de meados de 1977 a princípios de 1978 e, por fim, em 1996), passando o resto do tempo como “sem abrigo” ou a viver numa rulote degradada e a tentar livrar-se da dependência da heroína e do álcool. A 16 de Abril morre num hospital em Santa Cruz, aonde tinha dado entrada por ter contraído uma pneumonia mas aonde rapidamente lhe diagnosticaram um cancro nos pulmões na fase final.
“Skip” Spence, Março/1994
Outras canções de autoria/co-autoria de Alexander “Skip” Spence:
- Early Flight (1974, c/material de 1966/67 e 1970)
It's Alright (c/Marty Balin)
- Jefferson Airplane Takes Off (1966)
Blues from an Airplane (c/Marty Balin)
Don't Slip Away (c/Marty Balin)
- Surrealistic Pillow (1967)
My Best Friend
Moby Grape:
- Moby Grape (1967)
Indifference
- Wow/Grape Jam (1968)
Just Like Gene Autry: A Foxtrot [numa versão a 78 rpm]
Motorcycle Irene
Funky-Tunk
- Moby Grape ‘69 (1969)
Seeing
You Can Do Anything [Demo] [Bónus em CD]
- Truly Fine Citizen (1969)
Tongue-Tied (c/Jerry Miller)
Rounder" [Live] [Bónus em CD]
Skip’s Song [Seeing Demo] [Bónus em CD]
Cockatoo Blues [Tongue-Tied Demo] (c/Miller) [Bónus em CD]
- 20 Granite Creek (1971)
Chinese Song
- Live Grape (1978)
Must Be Goin' Now Dear
- Legendary Grape (1989)
All My Life
- Vintage: The Very Best of Moby Grape (1993)
Rounder [instrumental]
Someday (c/Miller, Don Stevenson)
Sweet Ride (Never Again) (c/Peter Lewis, Miller, Bob Mosley, Stevenson)
A solo:
- All My Life (I Love You)/Land of the Sun (Single, 1972)
- Oar (Bónus em CD, 1991)
This Time He Has Come
It's the Best Thing for You
Keep Everything Under Your Hat
Furry Heroine (Halo of Gold)
Givin' up Things
- Oar (Bónus em CD, 1999)
If I'm Good
You Know
Doodle
Fountain
I Think You and I
Notas:
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(5) MARCUS, Greil. Rolling Stone, Nr. 42, September 20, 1969. pp.37 .
Muy buena review! Estoy fascinado con este disco desde hace varios días, y buscando en google dí con tu blog. Muchas gracias! Leandro (Bs As, Arg)
ResponderEliminarLeandro, obrigado pelo comentário... é sempre bom ouvir palavras agradáveis pelo meu trabalho. Um abraço
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