Willy And The Poor Boys
Frenéticos, em Outubro, põem à venda o single Down On The Corner/Fortunate Son que atingirá o #3 das tabelas nacionais e que anunciava a saída em Novembro de mais um novo trabalho: Willy And The Poor Boys. John Fogerty, tal como a maioria dos estados-unidenses, radicaliza as suas posições dando eco ao que vai na alma dos blue-collar: Fortunate Son com toda a sua retórica blue-collar (Some folks are born made to wave the flag/ Ooh, they're red, white and blue/ And when the band plays hail to the chief/ Ooh, they point the cannon at you, lord/ It ain't me, it ain't me, I ain't no senator's son, son/ It ain't me, it ain't me; I ain't no fortunate one, no) acabará por ser alvo da ironia da situação de ele nunca ter ido parar ao Vietname mesmo não sendo filho de um qualquer senador.
Down On The Corner é o poderoso tema de abertura que já vinha a ser tocado pelas rádios desde Outubro e aonde, de acordo com a foto da capa do álbum, a banda estava numa de “ter uns tempos agradáveis enquanto ganhava uns trocados” (Down on the corner, out in the street/ Willy and the poorboys are playin'/ Bring a nickel; tap your feet), opondo-se de algum modo ao pessimismo do “beco sem saída” sugerido em Lodi (do álbum Green River). Por falar em capa: o instrumental Poorboy Shuffle (e aqui vai a sua introdução vocalizada quase imperceptivelmente: Poorboy shuffle. Ok. Is it workin'?/ You heard it. Ha ha ha!/ Hey rooster! Hey, rooster!) é o resultado dessa sessão fotográfica!(16) It Came Out Of The Sky é um r’n’b mordaz sobre os EUA (Spiro came and made a speech about raising the mars tax/ The vatican said, woe, the lord has come/ Hollywood rushed out an epic film/ And ronnie the popular said it was a communist plot) – Spiro é o vice de Nixon, o Agnew, e “ronnie the popular” é o então governador da Califórnia e futuro presidente, Ronald Reagan. Cotton Fields e The Midnight Special são as habituais covers mas sempre devidamente passadas ao som CCR. O mesmo se poderia dizer de Side O' The Road, com todas as suas referências a Green Onions dos Booker T. & the M.G. Effigy é – estarei eu enganado? – Jimi Hendrix... com uma pitada anti-Nixon na sua letra (Last night/ I saw the fire spreadin' to/ The palace door/ Silent majority/ Weren't keepin' quiet/ Anymore)(17). Feelin' Blue, com a sua guitarra funk e ambiente bluesy, reflecte no seu refrão (Feelin' blue, blue, blue, blue, blue/ Feelin' blue, blue, blue, blue, blue/ Feelin' blue, blue, blue, blue, blue/ I'm feelin' blue. I'm feelin' blue) o que lhe vai na alma e Don't Look Now é mais um “discurso” blue-collar (Who will take the coal from the mine?/ Who will take the salt from the earth?/ Who'll take a leaf and grow it to a tree?/ Don't look now, it ain't you or me).
Com total produção, uma vez mais, de John, o álbum chegará a #3 nas tabelas nacionais e a #28 na do mercado afro-americano.
Manifestação anti-intervenção no Vietname
«Tal como os Creedence tiveram de percorrer um longo
caminho nos seus primeiros oito anos, assim percorreram
uma distância igual desde o seu primeiro disco. Com
demasiada frequência, um grupo emerge com um excelente
álbum que prova ser a consumação do seu talento e depois
desaparece. (...) os seus álbuns têm melhorado a cada
novo lançamento. Willy And The Poor Boys é até agora o
melhor. » – Alec Dubro(18)
«A capa do álbum Willy and the Poorboys deu expressão
visual ao mito. Ela retrata os CCR numa secundária rua real
de Oakland, a tocarem instrumentos da profunda raíz America:
harmónica, “tábua de lavar”, baixo “gutbucket”. A música no
álbum deu substância à substância da exigência; “Down on the
Corner” e “Don't Look Now”, de Fogerty, misturam-se suave-
mente nos tradicionais “Cotton Fields” e “Midnight Special”
de Leadbelly.» – Craig Werner(19)
«(...) se o rock fosse apenas uma coisa, e se essa única coisa
fosse fúria pura (talvez com um específico ânimo de classe),
então “Fortunate Son” seria a sua destilação platónica. John
Fogerty, que escreveu essa canção no dia em que teve os seus
papéis de desmobilização final do exército dos EUA, rapou as
líricas (que poderiam ser subintituladas como The Dan Quayle
Story) com uma voz cheia de bílis e usou a sua guitarra como
uma arma para metralhar todos o que sempre abusaram de
um privilégio.» – Dave Marsh(20)
«Por uma vez, sentindo-se mais revoltado e exuberante do
que em Green River, Willy and the Poorboys inclui duas
das mais explícitas declarações políticas de Fogerty.
“Fortunate Son” convoca a uma justa raiva sobre as cabeças
dos que “levantam a bandeira para provar que são vermelho,
branco e azul”. Fogerty esboça um cenário aonde a banda
toca “Saudações ao chefe” como acompanhamento,
enquanto as pessoas que herdaram “os olhos cobertos de
estrelas” tal como a sua riqueza, enviam os rapazes pobres
para a morte. O refrão torna Fogerty claro, “Não sou eu”,
grita ele. “Eu não sou um filho afortunado”. Ou como ele
disse em 1969: “Eu vejo as coisas através dos olhos da
classe baixa. Se te sentares algures e pensares sobre todo
esse dinheiro, nunca poderás escrever uma canção acerca
de aonde vieste.”» – Craig Werner(21)
Em 1969, os CCR tinham disponibilizado ao público três álbuns com um total de mais de uma hora e trinta e oito minutos inesquecíveis, enclausurados em temas como Born On The Bayou, Proud Mary, Bad Moon Rising, Lodi, Green River, Commotion, Down On The Corner, e Fortunate Son – só para falar daqueles que todos conhecem e – que reunidos dariam um álbum que seria um verdadeiro marco na história do rock.
Lembro-me de algures nesse ano, em Luanda, passar todas as tardes a ouvir uma banda de garagem a ensaiar essas canções – eram inevitáveis para quem se propunha a ter alguma “credibilidade” nas festas dos liceus e colégios... muito mais do que outros temas que lhes ouvia ensaiar. São eles e essas tardes que me vêm à memória, sempre que ouço os Creedence Clearwater Revival.
E O Final...
Os três últimos álbuns dos CCR
(Cosmo's Factory ~ Pendulum ~ Mardi Gras)
Durante os restantes anos da sua existência, os CCR irão lançar mais três álbuns de originais: o primeiro, enquanto quarteto, Cosmo's Factory, e o segundo, já como quarteto “virtual”, Pendulum, serão publicados em 1970, respectivamente em Julho e Dezembro desse ano, e por fim, já em Abril de 1972 e como trio, o derradeiro Mardi Gras. Deste, em que John Fogerty encosta os restantes membros à parede e lhes exige que cada um deles contribua com três músicas, o que há para dizer é que é um trabalho fraquíssimo em que só sobressai uma das três composições de John, Someday Never Comes que, com Tearin' Up The Country de Doug Clifford, daria origem em Maio ao segundo single extraído do álbum – o primeiro, reunira em Julho de 1971, a dupla Sweet Hitch-Hiker/Door To Door.
... já como trio.
«No futuro, Mardi Gras poderá vir a ser conhecido como
Fogerty’s Revenge. Depois de todas as censuras deste
egoísmo, e após as denúncias publicadas dos seus par-
ceiros acerca de se ter apoderado do show, ele fez o que
eu nunca pensei que faria: permitir aos seus companhei-
ros exporem-se em público. Ceder seis dos dez temas do
novo album, ao baterista Doug Clifford e ao baixista Stu
Cook pode ter sido um convite ao suicídio artístico para
eles, mas isso prova que John estava certo desde sempre.
Comercialmente, deixa-o a tentar responder à nova per-
gunta de $64 sobre os Creedence Clearwater Revival:
será que o grupo vai ser capaz de sobreviver à catástrofe?
E quem realmente se importa?» – Jon Landau(22)
Pendulum é um álbum interessante e que aponta para novos rumos que nunca se vieram a concretizar. Os irredutíveis do então já velho swamp rock terão de se contentar com Have You Ever Seen The Rain? e o seu lado B, no single que será publicado em Janeiro de 1971, Hey Tonight e, com algum esforço, quiçá Molina. Nos restantes temas, John leva a banda por caminhos que os fazem aproximar perigosamente dos sons que marcavam o início da década, desde os afro-americanos, a grande sou musicl e o funk, com Chameleon e Born to Move, aos do muito “british” prog, com Rude Awakening #2. Para trás ficam algumas propostas talvez mais próximas do rumo que poderiam vir a seguir: um heavy-blues no tema de abertura, Pagan Baby, um pseudo-folk com um toque de Caraíbas em Sailor's Lament, e duas baladas pop que, de algum modo, me parece já tê-las ouvida algures aos Blood, Sweat & Tears ou aos Chicago, (Wish I Could) Hideaway e It's Just A Thought.
«Parece-me que de algum modo os Creedence ficaram
prisioneiros do ciclo vicioso de tentarem arduamente
agradar a um público que já compra mais dos seus dis-
cos do que o fazem de quaisquer outros. Em Pendulum
eles tentaram provar que têm classe. Mas eles já tinham
provado isso quando gravaram “Proud Mary”.» – Jon
Landau(23)
Cosmo's Factory, ao contrário dos outros dois, é um bom trabalho do grupo e o último a reter na sua discografia embora, sem dúvida alguma, de nível inferior aos seus dois últimos pares de 1969. Dele já tinham sido extraídos em Janeiro, o single Travelin' Band/Who'll Stop The Rain, e em Abril, Run Through The Jungle/Up Around the Bend. que atingirão, respectivamente, o #2 e #4 nas tabelas nacionais. Pouco depois da saída do álbum, ainda será publicado o single Lookin' Out My Back Door/Long As I Can See the Light que subirá até ao #2 da Billboard Hot 100.
Run Through The Jungle, que encerra o lado A, com a sua introdução áspera e uma melodia repetitiva, vagamente cortada por uma harmónica lancinante, e que toda a gente associou à guerra do Vietname, é o ponto alto do disco.
«Acho que muita gente pensou isso por causa da época,
mas eu estava a falar da América e da proliferação de
armas, registadas ou não. Eu sou um caçador, não sou
um anti-armas, apenas pensava que as pessoas se en-
contravam satisfeitas demais com armas - e havia dema-
siadas armas sem controlo – o que era realmente peri-
goso, e agora ainda é pior.» – John Fogerty(24)
«Três minutos de swamp rock assustador que soa como
se tivesse sido gravada numa manga de aeroporto activa,
Run Through the Jungle está cheia de berros crus, de
uma linha de baixo que parece determinada a cortar o
riff da guitarra que se diverte, no seu coração, e de uma
letra tão aterradora que nos faz sentir contentes quando
se torna mais vaga do que específica.» – David Marsh(25)
O tema de abertura, Ramble Tamble, é extraordinário nas suas mudanças de ritmo – quase se pode falar em três músicas diferentes – e um pouco heavy demais para os habituais cânones CCR. E a letra repesca as habituais preocupações blue-collar (There's garbage on the sidewalk/ Highways in the back yard/ Police on the corner/ Mortgage on the car). Entre duas covers (Before You Accuse Me, de Bo Diddley, e Ooby Dooby, de Roy Orbinson) fica Travelin' Band (Listen to the radio, talkin' 'bout the last show/ Someone got excited, had to call the State Militia/ Wanna move) a soar a Little Richard. Lookin' Out My Back Door, é o momento “dope” da carreira de Fogerty (Tambourines and elephants are playing in the band/ Won't you take a ride on the flyin' spoon?), mesmo que ele reclame que ela é uma canção para o seu filho: essa não vale! Já Lennon a tinha utilizado para a LSD (Lucy In The Sky With Diamonds). O lado B abre com Up Around the Bend, um número tipicamente CCR (There's a place up ahead and I'm goin'/ Just as fast as my feet can fly/ Come away, come away if you're goin'/ Leave the sinkin' ship behind). My Baby Left Me, é a segunda cover a reter de Cosmo's Factory – a primeira é, sem dúvida alguma, essa versão primária e pulsante da sofisticada I Heard It Through The Grapevine, imortalizada por Marvin Gaye, que virá a aparecer no alucinante final deste trabalho do grupo, em que encontram duas das principais músicas de “segunda linha” do álbum (as de “primeira linha”: Ramble Tamble e Run Through The Jungle, para não falar da excepcional versão de I Heard It Through The Grapevine): Who'll Stop The Rain e a extraordinária Long as I Can See the Light. Um momento final perfeito para este LP... Otis Redding, evidentemente, com uma letra melancólica a não ultrapassar o limite exigido (Put a candle in the window, 'cause I feel I've got to move/ Though I'm going, going, I'll be coming home soon/ Long as I can see the light).
«Já deveria ser óbvio que os Creedence Clearwater Re-
vival é uma grande banda de rock and roll. Cosmo’s Fac-
tory, quinto álbum do grupo, é uma outra boa razão do
porquê. (...) É um outro maldito álbum por um grupo que
se vai ver por cá por um longo tempo.» – John Grissim(26)
A 9 de Novembro de 1972, a Rolling Stone anunciava o fim dos Creedence Clearwater Revival.
Excerto da Rolling Stone, 9 de Novembro de 1972
«Se Fogerty é um dos guitarristas de primeira do rock
and roll, é também um dos seus melhores letristas. As
suas raízes operárias, muitas vezes dão cor aos temas
que ele aborda em música. Por exemplo, a sua famosa
canção anti-guerra “Fortunate Son” distingue-se
de muitas das canções anti-guerra do rock da época,
que ofereciam soluções simplistas para os problemas
complexos da guerra e paz. O discurso de Fogerty na
canção não é tanto o de quem protesta em marchas
contra a guerra mas de um irritado bluecollar realista
que vê a guerra do Vietname como a guerra dos ricos
e a luta dos pobres. Esta populista, realista mensagem
é também evidente na gema de dois minutos “Don't Look
Now” (um extracto do álbum Willy and the Poor Boys).
A letra da canção faz notar que a sociedade assenta em
simples trabalhadores para lavrar os campos e extrair
o carvão, e permite-lhes que vivam na pobreza e fome.»
– Musicians and composers of the 20th century
_______________________
(1) GOLDBERG, Michael. “Will Creedence Clearwater ever be revived?”, Rolling Stone, Nr. 377, September 2, 1982. pp.41;
(2) HENKE, James. “John Fogerty”, Rolling Stone, Nr. 512, November 5th – December 10th, 1987. pp.146;
(3) HENKE, James. “John Fogerty”, Rolling Stone, Nr. 512, November 5th – December 10th, 1987. pp.148;
(4) M. JUNIOR, Chris. “Creedence Clearwater Revival: Three of a kind”. Goldmine. 26 December 2009;
(5) LEVITIN, Daniel J. “John Fogerty Interview”. Audio. January, 1998;
(6) THOMPSON, Art. “John Fogerty”. Guitar Player, February 2008. pp.95;
(7) A.S. Rolling Stone. Nr. 931, September 18, 2003. pp.53;
(8) BORDOWITZ, Hank. “Bad Moon Rising: The Unauthorized History of Creedence Clearwater Revival”. 2007. pp. 54;
(9) WADHAMS, Wayne. “Americana , The View From L.A. , Inside the Hits: The Seduction of a Rock and Roll Generation”. 2001. pp.295/296;
(10) MARSH, Dave. “The Heart Of Rock & Soul: The 1001 Greatest Singles Ever Made”. 1999. pp.89;
(11) KLEIN, Joshua. “John Fogerty”. Pitchfork. November 27, 2007;
(12) M. JUNIOR, Chris. “Creedence Clearwater Revival: Three of a kind”. Goldmine. 26 December 2009;
(13) MIROFF, Bruce. Rolling Stone, Nr. 44, October 18, 1969. pp.38;
(14) THOMPSON, Art. “John Fogerty”. Guitar Player, February 2008. pp.95;
(15) WERNER, Craig. “A Change Is Gonna Come. Music, Race & The Soul Of America ; Love or Confusion?”. 1998. pp.155/156;
(16) DUBRO, Alec. “Willy And The Poor Boys”. Rolling Stone. Nr. 50, January 21, 1970. pp.70;
(17) Por uma qualquer partida do destino, Willy And The Poor Boys é posto à venda nos EUA no dia 2 de Novembro, um dia antes de um famoso discurso de Richard Nixon em que ele convocou a “maioria silenciosa” a se manifestar a favor das suas políticas na intervenção militar dos EUA na Indochina;
(18) DUBRO, Alec. “Willy And The Poor Boys”. Rolling Stone. Nr. 50, January 21, 1970. pp.70;
(19) WERNER, Craig. “A Change Is Gonna Come. Music, Race & The Soul Of America ; Love or Confusion?”. 1998. pp.152;
(20) MARSH, Dave. “The Heart Of Rock & Soul: The 1001 Greatest Singles Ever Made”. 1999. pp.171/172;
(21) WERNER, Craig. “A Change Is Gonna Come. Music, Race & The Soul Of America ; Love or Confusion?”. 1998. pp.156;
(22) LANDAU, Jon. Rolling Stone. Nr. 109, May 25, 1972. pp.63;
(23) LANDAU, Jon. Rolling Stone. Nr. 75, February 4, 1971. pp.55;
(24) HILBURN, Robert. “Q & A With John Fogerty: The Force Behind Creedence : On the eve of the band's induction into the Rock and Roll Hall of Fame, Creedence Clearwater Revival's leader looks at the band, rock music and award ceremonies.” Los Angeles Times. January 12, 1993;
(25) MARSH, Dave. “The Heart Of Rock & Soul: The 1001 Greatest Singles Ever Made”. 1999. pp.361;
(26) GRISSIM, John. Rolling Stone. Nr. 65, September 3, 1970. pp.42;
(27) Vários. “Musicians and composers of the 20th century”. Editor: Alfred W. Cramer. 2009 pp.458.
Sem comentários:
Enviar um comentário