Imaginem-se com doze anos, numa casa de praia, o sol a escaldar, uma ligeira brisa a soprar, tudo a convidar ao mergulho de um paredão directamente para as águas cristalinas do Atlântico e depois, a regressarem por umas escadas e... ouvirem Ayiko Bia a sair das janelas de uma casa vizinha, na máxima potência de um sistema estereofónico – foi assim que conheci os Osibisa!
O passo seguinte foi saber mais coisas sobre eles – contactar o pessoal do bairro, os colegas do colégio, aquele gajo que tinha um tio que trabalhava na TAP e lhe trazia da Europa as últimas novidades, em busca de uma cópia do disco. Claro que pouco tempo depois estavam em todas as estações mas sempre fiquei a saber muito pouco: que eram um grupo formado por africanos, essencialmente do Gana, para além da componente das Caraíbas, a viverem em Londres; que eram quase uma orquestra que reunia (o tradicional trio da) guitarra, baixo e bateria, a instrumentos de sopro e de percussão; que tinham um som alucinante cuja base era essencialmente africana mas com influências de rock e jazz; e que as suas capas tinham esse traço comum de terem elefantes, e sempre elefantes, algures em paisagens cósmicas feitas, deduzia eu, pelo mesmo gajo que fazia as capas dos Yes e dos Uriah Heep.
Trinta e sete anos depois, pesquisando na NET descubro que sobre eles nada de novo e de consistente surge por aí, inclusive na sua própria página oficial.
Procuro então em toda a bibliografia que possuo...
Na The Virgin Encyclopedia Of Seventies Music(1), Colin Larkin afirma que inicialmente eles eram seis: três do Gana (Teddy Osei, dado como o líder, Sol Amarfio, e o irmão de Osei, Mac Tontoh) e os restantes três, das Caraíbas (Spartacus R, natural da Grenada, Robert Bailey de Trinidade, e Wendell Richardson da Antígua), a que se lhes juntou, “pouco depois” diz ele, um outro ganiano, o percussionista Darko Adams ‘Potato’. Chris Hodenfield, num extenso artigo publicado na revista Rolling Stone, sob o título “Osibisa: Tribal Music, All Right”(2), junta-lhe mais um africano e menciona um tal Loughty Amao que, deduz-se seja o sétimo elemento, embora chame Oei a Osei e Amarifio a Amarfio. Na página oficial do grupo na Net, cheia de gralhas (Amarfio/Amaflio/Amarflo, e Tontoh/Tontah), mencionam o tal quarto africano como Lasisi Amao, acrescentando que ‘Potato’ só se lhes juntou em finais dos anos 70. Evidentemente, o Loughty Amao é também Lasisi, como se pode confirmar na ficha técnica do seu primeiro disco.
Osibisa
Amarfio terá sido o primeiro a chegar a Londres, no início de 1961. Osei junta-se-lhe um ano depois, com uma bolsa para prosseguir os seus estudos na área de música. Os dois já se conheciam desde 1957, quando Amarfio e outros membros de um grupo chamado Rhythm Aces, saíram dele para formarem os The StarGazers, uma banda que se dedicava a tocar um tipo de música profundamente influenciado pela música mais popular dos EUA – e que era apreciada pela elite burguesa post-colonial ganiana – a que ainda hoje se chama de highlife. Tempos depois, com Tontoh, iriam criar os The Comets, aonde acabariam por ter uma certa projecção africana.
Em Londres, Osei envolve-se na formação de algumas bandas de highlife (a mais conhecida seria a Black Star Band) até que em 1968, com os outros dois, surgem os Cat’s Paw que lhes hão-de transmitir um certo sentido de segurança. Depois de breves estadias como banda residente quer no Beat Club de Zurique, quer num restaurante em Tunes, regressam a Londres já com material próprio. «Deve ter sido duma combinação de estar de novo em solo Africano – os cheiros, sons e imagens – com a da alta mistura de música Africana, Árabe e Europeia, a que de repente fomos exposto por lá.» recorda Teddy(3). Julgavam eles que o momento era o propício para lançarem a sua carreira – uma onda africana varria a capital britânica: os Rolling Stones usam um grupo de percussionistas africanos liderados por Ginger Johnson, no seu famoso concerto de despedida de Brian Jones, no Hyde Park. Paul McCartney e a mulher, Linda, anunciavam publicamente a sua intenção de alugar um estúdio de gravação em Lagos, Nigéria, e Steve Winwood vinha mantendo contactos regulares com músicos africanos. Mas o mais saliente (e ardente) nesse interesse, era Ginger Baker, o ex-baterista dos Cream, que se tornara num “africanista” convicto.
Osibisa
«Os Osibisa existem porque de repente a cena se
tornou Africana, em resultado do fascínio de Ginger
Baker pelo continente e o seu povo. Ele formou a sua
Airforce Band com Remi Kabaka e começou a tocar
música Africana.» – Sol Amarfio(4)
Ainda como Cat’s Paw conseguem um contrato com uma independente, a Mother Maestro Records de Dave Watson, para quem, depois de já terem mudado de nome, gravam um single, Black Ant/Kotoko, com produção do próprio Watson. O single chegará a passar em algumas estações locais mas sem qualquer consequência para a carreira do grupo e, a mudança de nome nunca foi um assunto consensual entre os seus membros – Osei assume que foi ele; Spartacus diz que a ideia de um nome africano nasceu dele e que pediu a Remi Salako para desencantar um. Num artigo/entrevista publicado pelo Melody Maker, em Julho de 1972, Spartacus afirma que a ideia partiu dele mas que o nome foi sugerido por Osei. Wendell confirma que o nome partiu dos ganianos – mas é natural que tenha partido dos ganianos já que “osibisa” é um vocábulo fante (um dos muitos dialectos do Gana), que nasce da chamada dança osibi ligada ancestralmente aos pescadores fante(5).
O Single Back Ant/Kotoko
«“Osibi” significa uma dança muito popular que
evoluiu a partir da tribo Akan. Ela significa “ritmo”
e hoje é de uso comum em outras tribos do Gana in-
cluindo os Ashanti, Fantis e Akwapims. Eu decidi
adicionar-lhe “sa” no final o que significa literal-
mente, dança.» – Teddy Osei(6)
Através de um artigo de Richard Williams publicado no Melody Maker, em Agosto de 1970(7), conseguem um contrato com a Bronze Management, de Gerry e Lillian Bron, que os acabará por levar até à MCA Records e à gravação de um álbum.
«Em 1970 os Osibisa descolaram, depois de lan-
çarem o seu primeiro single, “Music for a Gong-
Gong”, e começaram a ficar conhecidos em clubes
como o Ronnie Scott’s, o Roundhouse, e o Country
Club – todos em Londres.» – John Collins(8)
«(...) eles são a mais interessante, se não a única
interessante banda que surgiu em Londres todo
o ano.» – Chris Hodenfield(2)
O álbum Osibisa
Em Abril de 1971, sai o seu primeiro álbum que, como não poderia deixar de ser, se chamaria de Osibisa. Na primeira semana de Maio entra no Top50 das tabelas britânicas aonde se mantém ao longo de dez semanas. A 17 de Julho atingirá a sua mais elevada posição no Top50: o #11.
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«O seu álbum inicial vendeu 10,000 cópias nos três
primeiros dias após lançamento em Londres. Pouco
antes de partirem para a América, eles acabaram a
gravação do seu segundo album nos estúdios AIR de
George Martin.» – Chris Hodenfield(2)
Em Julho, a componente ganiana do grupo colabora com percurssões africanas na facha de abertura do terceiro álbum dos Uriah Heep, Look At Yourself.
«(...) e Teddy, Mac e Loughty dos Osibisa acrescen-
taram uma excelente percussão à alargada secção
final.» – Ken Hensley(9)
O álbum Woyaya
Embora registado como de 1971, Woyaya só é posto à venda em meados de Janeiro seguinte. Entra pela primeira vez no Top50 a 5 de Fevereiro, e numa semana atinge a 11.ª posição nas tabelas britânica.
«Ao todo, o trabalho dos Osibisa parece desigual, mas
promissor, muito promissor.» – Vince Aletti(10)
Ambos os discos foram gravados nos AIR Studios, em Londres, tendo como produtor, o famoso Tony Visconti e, como engenheiro, John Punter. As capas acabariam por ser concebidas por Roger Dean.
«Ele gostou de nós e produziu os nossos dois primeiros
álbuns.» – Teddy Osei(11)
Li algures, que cada disco dos Osibisa é como se fosse uma “cerimónia”... sou tentado a concordar que sim, pelo menos no caso destes dois primeiros trabalhos que, qualquer deles, começa sempre com uma introdução do “mestre” da dita, a que se lhe segue uma facha “mística” acabando por mais cedo, ou mais tarde, explodir nessa vitória da “natureza” sobre o “homem” que é a música africana: “Osibisa, criss cross rhythms that explode with happiness... we gonna start this happy vibes right from the root, and the root is early one morning in the heart of Africa... we call this The Dawn”, introduz-nos o “mestre” em Osibisa, com a mesma força cerimonial do coro (“We’ll give you - we give you - our treasure... we, through the spirit of our ancestors bring you love, our treasure gift of happiness... forget your problem”) a sobrepor-se à tempestade/natureza, em Lucky Seven de Woyaya.
Escrevem por aí que no segundo álbum, Visconti conseguiu captar melhor o som do grupo e aqui, sou obrigado a concordar. Isso é notório para quem os ouça e não creio que tenha a ver com as facilidades tecnológicas disponibilizadas pelos AIR Studios, e muito menos com uma preferência em termos de linha musical adoptada pelo grupo, por parte dele – assim, digamos simplesmente, que foi como aconteceu...
Ouvindo Osibisa e Woyaya torna-se notória não só uma evolução no domínio instrumental mas, acima de tudo, a mudança de ritmo musical. Tal como os Santana desta época, com imensa pena minha, os Osibisa decidiram enveredar por um som em que reforçavam antes a sua ligação ao jazz-rock, em detrimento da sua linha inicial de um outro que lhes era mais natural, aquele que, na minha opinião, vincava as suas origens – haverá algum tema em Woyaya que tenha a pujança de Music For A Gong-Gong (para não falar da de Ayiko Bia)? Spirits Up Above é um bom momento que ilustra bem a linha melódica-rítmica adoptada pelo grupo – ouça-se o seu contraponto, em Osibisa, Think About The People. O que uma tem a mais de “contenção” e “técnica”, a outra tem de “desbunda”, dessa “liberdade” e “gozo” de folgar que fazia com que os “putos” ingleses se despissem e dançassem nus nos seus concertos (título de um jornal britânico sobre um concerto deles em Janeiro de 1972: “As jungle beat fills the hall... YOUTHS DANCE NAKED”). Sim, temos Rabiatu (se a escutarem ficarão a saber donde veio Sunshine Day, o seu grande sucesso de sempre) e Woyaya , possivelmente, ambas muito mais próximas da música que se fazia em África do que alguma vez Ayiko Bia esteve, mas estaríamos então falar de música pop africana...
É, por isso, um mau álbum? Não, é apenas diferente! É mais “cérebro” do que “corpo”, mais “razão” do que “coração”, o problema – digo eu – residia apenas na “promessa” do que muitos de nós esperávamos a partir de Music For A Gong-Gong e Ayiko Bia (e em toda a “desbunda” que é o seu primeiro disco).
(ATT: No fim desta mensagem pode ouvir Ayiko Bia.)
Osibisa(°)
Osibisa(°)
Side 1: 1.Dawn; 2.Music for Gong Gong; 3.Oyiko Bia
Side 2: 1.Akwaaba; 2.Oranges ; 3.Phallus C.; 4.Think About the People
Woyaya(*)
Side 1: 1.Beautiful Seven; 2.Y Sharp; 3.Spirits Up Above
Side 2: 1.Survival; 2.Move On; 3.Rabiatu; 4.Woyaya
Músicos:
Loughty Amao:Congas°*/Sax Barítono e Tenor°*/Flauta*/Saxofone*
Sol Amarfio: Bateria°*/Bongos*/Sinos*
Robert Bailey: Orgão°*/Piano°*/Timbales°
Roy Bedeau: Baixo*
Teddy Osei: Flauta°*/Sax Tenor°*/Tambores Africanos°*
/Percussão*/Vocais°*
/Percussão*/Vocais°*
Spartacus R: Baixo°/Percussão°
Wendel Richardson: Guitarra líder°*/Vocais°*
Mac Tontoh: Trompete°*/Fliscorne°*/Kahasa°/Sinos*
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(1) LARKIN, Colin. Virgin Encyclopedia Of Seventies Music, 1997. pp.315
(2) HODENFIELD, Chris. “Osibisa: Tribal Music, All Right”. Rolling Stone Nr. 92, September 30, 1971. pp.18;
(3) ANIAGOLU, Charles. “Osibisa: Living In The State Of happy Vibes And Criss Cross Rhythms”. 2006. pp.60/61;
(4) ANIAGOLU, Charles. Obra citada. pp.66/67;
(5) “Osibisa provém da dança osibi. Esta dança que era recreativa tinha a forma de luta-livre, e era executada por pescadores Fante.” – “The Ghanaian Highlife Music Story”. Fonte: Frederick Asiamah. Ghana Base Music, Ghanabase.com. Posted on: 19-Apr-2007;
(6) ANIAGOLU, Charles. Obra citada. pp.73;
(7) WILLIAMS, Richard. “Beat The (African) Drums For Osibisa”. Melody Maker, 22 August 1970;
(8) COLLINS, John. “West African Pop Roots”. 1992. pp.97
(9) HENSLEY, Ken. Look At Yourself’s Sleeve Notes. July 1971;
(10) ALETTI, Vince. “Discotheque rock ‘72: Paaaaarty!” Rolling Stone, Nr. 143, September 13, 1973. pp.61;
(11) WELCH, Chris. “Osibisa! Criss Cross Rhythms Explode With Happiness.” Hot New Repertoire Releases. October 13th, 2008;
Eu sou suspeito para falar do grupo, pois para mim um rockeiro por natureza, mas eclético por vocação, o grupo com seu som tribal, me conquistou de forma cabal e até hoje, revejo seus sons de raiz que nos induz a marcharmos para uma luta, mas não de "sangue" e sim de swing e balanço do corpo, entregando-se ao conjunto de seus acordes. Eu amo Osibisa forever!!!
ResponderEliminarMauro, obrigado por ter perdido algum do seu tempo a comentar este meu artigo. Os Osibisa, assim como os Santana, conseguiram introduzir uma dimensão planetária que, até à altura, se encontrava ausente no Rock: a dimensão asiática, a partir do psicadelismo - mesmo que na maioria dos casos, abastardada! - já se poderia encontrar há algum tempo... George Harrison tem momentos supremos nessa dimensão.
EliminarUma vez mais: o meu obrigado!