Quando em Outubro de 1972, a Fantasy Records anuncia o fim do seu mais lucrativo grupo, os Creedence Clearwater Revival, apenas fizera oficialmente aquilo que já se sabia de facto, ou o que pelo menos se esperava que viesse a acontecer desde a separação dos irmãos Fogerty, Tom e John, a meio da gravação do álbum Pendulum e que viria a ser confirmado pela própria etiqueta em Fevereiro de 1971.
Excerto da Rolling Stone, de 4 de Março de 1971
O excessivo controlo exercido pela forte personalidade de John, nunca tinha sido bem aceite pelos restantes membros do grupo (Doug Clifford e Stu Cook) mas em especial pelo seu irmão que em tempos liderara o grupo quer porque fosse o mais velho (cerca de quatro anos mais), quer porque então era o único que não tinha vergonha de cantar.
«Antes de serem grandes, os Creedence já estavam
Juntos há nove anos e em sessenta por cento desse
tempo, eu fui o vocalista líder. Eu não era um ditador
mas mais um líder e então no que acabei aos olhos
dos nossos fãs – apenas no gajo que estava para ali
e tocava guitarra ritmo.» – Tom Fogerty(1)
Creedence Clearwater Revival
O Começo...
Quando eles ainda eram apenas um dos poucos grupos que tocava rock’n’roll na zona de El Cerrito, um subúrbio de São Francisco, e se chamavam de Tommy Fogerty & The Blue Velvets, uma editora local, a Orchestra, permitir-lhes-á lançar três singles (Come On Baby/Oh! My Love e um mês depois, Have You Ever Been Lonely/Bonita, e em Junho de 1962, Yes You Did/Now You're Not Mine) sem qualquer notoriedade.
Ao assistirem a um programa de televisão no canal público, o Channel 9, os irmãos Fogerty descobrem a existência de uma editora relativamente perto da sua zona que tinha conseguido um sucesso comercial a nível nacional e, por instigação de John, enviam uma gravação com alguns dos seus temas instrumentais. O co-fundador da etiqueta, Max Weiss, aceita-os com a condição de passarem a compor temas cantados e de o grupo mudar de nome. Passam a The Visions e, posteriormente, por iniciativa do próprio Weiss a The Golliwogs, porque esse nome lhe soava mais “british” e a época era a da chamada “british invasion”. Sete singles foram lançados sob este novo nome – um em 1964: Don't Tell Me No Lies/Little Girl (Does Your Mama Know) (Fantasy 590); três em 1965: You Came Walking/Where You Been (Fantasy 597), You Can't Be True/You Got Nothin' On Me (Fantasy 599), e Brown Eyed Girl/You Better Be Careful (Scorpio 404); dois em 1966: Fight Fire/Fragile Child (Scorpio 405) e Walking On Water/You Better Get It Before It Gets You (Scorpio 408); e, por fim, um em 1967: Porterville/Call It Pretending (Scorpio 412).
No verão de 1967, John e Doug estavam livres do serviço militar que tinham cumprido como reservistas, nos últimos seis meses. Tom, por sua vez, estava desempregado e desenrascava-se com pequenos biscates, e Stu terminara recentemente o curso de direito a que tinha sido obrigado pelo pai. Os irmãos Weiss, Max e Sol, fartos do negócio dos discos, acabam por vender a Fantasy a um dos seus funcionários, Saul Zaentz, e a um grupo de investidores liderados por ele.
Por esta altura, a Bay Area (de um modo geral, toda a zona metropolitana que rodeia São Francisco) era o centro nevrálgico da chamada Contracultura e da difusão, por intermédio de “rádios livres” e salas de espectáculos alternativas como o Fillmore Auditorium (mais tarde, Fillmore West), de uma nova roupagem de rock chamada de psicadélica e cujos principais nomes eram precisamente as bandas de Frisco, como os Grateful Dead, Great Society, Jefferson Airplane, Quicksilver Messenger Service, Big Brother and the Holding Company, etc, etc.
Saul conhecia bem John Fogerty do tempo em que este tinha sido moço de recados da Fantasy, e gostava do som do grupo mas achava-os desfasados dos novos gostos musicais, assim manteve-os na etiqueta, sugerindo-lhe contudo que não só tentassem adaptar-se aos novos gostos mas também que adoptassem um nome mais actual.
«O que aconteceu é que musicalmente tínhamos um
tipo de música um pouco diferente da que grupos
como os Dead e os Jefferson Airplane faziam. O
nosso amor na música era a soul music – Stax e
tudo isso. Tínhamos tendência a tocar números
curtos, de up-beat, porque nos considerávamos
uma banda de dança.» – John Fogerty(2)
Credence Nuball era o nome de um amigo de Tom e este achava-o fora do normal porque não só não conhecia ninguém com tal nome como lhe fazia lembrar a palava credo (creed); Clear water fazia parte do texto de um anúncio de uma cerveja e tinha algo de natureza pura, um tema híper central para uma parte da Contracultura, os hippies; e revival surge do desejo de renascimento manifestada pelos membros do grupo, e é assim que chegam ao nome de Creedence Clearwater Revival.
Creedence Clearwater Revival
Em Outubro de 1968 entram no Coast Recorders Studios de São Francisco, para darem início ao seu primeiro LP, Creedence Clearwater Revival, que virá a ser posto à venda em Julho desse ano. O material que registam é essencialmente composto por covers de clássicos de rhythm'n'blues que faziam parte do seu reportório ao vivo: I Put A Spell On You, do inflamado extravagante Screamin' Jay Hawkins e um dos favoritos de Saul; uma versão de cerca de oito minutos e meio da Suzie Q de Dale Hawkins e que incluía uma sequência num solo de guitarra, de um extracto de Smokestack Lightning, do guitarrista de blues Howlin' Wolf; e Ninety-Nine And A Half (Won't Do) do então já famoso cantor de soul music, Wilson Pickett. Surgem ainda duas novas versões de músicas compostas ainda enquanto eram The Golliwogs, Porterville (do último single daquela formação, em 1967) e Walking On The Water (de um arranjo do tema composto pelos irmãos Fogerty em 1966, Walking On Water), e três novos títulos compostos por John: The Working Man, Get Down Woman e Gloomy.
O álbum, produzido pelo próprio Saul Zaentz (o único que não terá produção de John), conseguirá atingir o #52 nas tabelas nacionais, tendo dado origem a dois singles: Suzie Q, que será dividida por ambos os lados do mini disco e que atingiria #11 a nível nacional, e I Put A Spell On You/Walking On The Water, que subirá a #58.
De todos os trabalhos do grupo, este é sem dúvida alguma o mais incaracterístico, notando-se vestígios de influências psicadélicas (em Suzi Q, Gloomy e Walking On The Water) resultantes das cedências à moda que a sua sobrevivência enquanto grupo do circuito ao vivo, exigia, mas também as primeiras tentativas de erguer um swamp sound, do qual viriam a ser os seus mais ilustres representantes, ligado essencialmente a essa temática muitas vezes não reconhecida neles, a da Americana, especialmente via blue-collar (essa parte da classe trabalhadora caracterizada pelos chamados três ds: dirty , demanding, e dangerous, ou seja, ao trabalho sujo, exigente e perigoso) e neste álbum, já presente em Porterville (They came and took my dad away to serve some time/ But it was me that paid the debt he left behind/ Folks said I was full of sin, because I was the next of kin/ I don't care! I don't care!, ou mais à frente: Folks were out one night to put me up a fence/ And you can guess that I've been running ever since/ Aingt no one that's 'bout to help/ And I'll keep on, I tell myself/ I don't care! I don't care!) e em The Working Man (I aingt never been in trouble/ I aingt got the time/ I don't mess around with magic, child/ What I got is mine) aonde se advinha uma Louisiana presente desde a pronúncia nas suas vocalizações às referências ao vodu (magic), associada ao “discurso” blue-collar (Every Friday, well, that's when I get paid/ Don't take me on Friday, Lord/ 'cause that's when I get paid/ Let me die on Saturday night, ooh/ Before Sunday gets my head).
«(...) enquanto marchava, comecei a escrever a canção
que se transformou em “Porterville”. Trabalhava nela
há alguns dias e pensei, “Meu Deus, isto é mais fixe do
que 'Oh, baby, I love you'.” Aquilo era uma estória, um
conto, e eu “Uau, isso poderá ser algo de bom”. Quando
saí do exército terminei a melodia. Em nenhuma parte
da música menciono Porterville, e eu nem tinha crescido
em Porterville. Isso só parecia colocar um tempo e um
lugar, uma essência, na canção o que era fixe, pelo
menos para mim. A canção é semi-autobiográfica,
de certeza sobre a maneira como me sentia em relação
a algumas coisas na vida.» – John Fogerty(3)
«“Tivémos a sorte de ter algum sucesso mas ainda não
era 100 por cento nosso”, diz Clifford. “Tivémos um
single com sucesso mas não era um single original. O
álbum subiu e o nosso segundo single, basicamente,
acabou por falhar.” O que levou a que na gravação do
segundo álbum dos CCR, diz Clifford, a haver a pressão
de ter um single que fosse uma composição original.
“Nós sabíamos que se isso não acontecesse no próximo
álbum, provavelmente, seríamos um dos muitos com
um-sucesso-apenas”.»(4)
Cartaz do Fillmore, 2 a 7 de Julho de 1968
O Extraordinário Ano de 1969
Bayou Country
Poucos meses depois do seu primeiro trabalho ter saído, o grupo está uma vez mais em estúdio (nos RCA Studios de Los Angeles) para um novo álbum que há-de vir a sair em Janeiro de 1969, com o significativo título de Bayou Country – uma referência evidente ao universo criado pelo curso final, o conhecido Delta, do rio Mississipi.
Pela primeira vez, John assume o papel de produtor, desta vez, com a ajuda do engenheiro de som Hank McGill. O processo normal de gravação das canções, que se repetiria ao longo das suas presenças em estúdio, passava pelo registo das partes instrumentais dos restantes membros tendo como base uma composição feita com a guitarra por John. Numa entrevista dada a Daniel J. Levitin, para a defunta revista Audio, John explica todo o processo: «Eu escrevia a música e, em seguida, o produtor que existia em mim assumia o controlo e escrevia os arranjos e então mostrava aos outros como eles deveriam fazer. (...) Digamos que descobiste como seria com a guitarra; então terias de encontrar a parte do baixo, e a da guitarra ritmo, e a da bateria, que a completam, porque ainda tens uma infinidade de opções que podem estragar a tua escolha inicial (...). Então, eu explicava-lhes o que deveriam tocar. (...) Recordo-me de que (...) lhe estava a mostrar [ao baixista Stu Cook] uma ou duas notas de cada vez, para que ele chegasse até aquilo que ele julgava ter inventado. Eu dizia, “bom, experimenta fazer 'do doo' [e canta as duas primeiras notas duma linha de baixo]” e ele tocava-as, então eu dizia-lhe, “bom, que tal da próxima vez fazeres antes isto...” Então, quando ele o conseguia, julgava que as tinha inventado mas eu já as tinha descoberto um par de semanas antes.»(5) A partir da contribuição do grupo, John adicionava a sua (habitual) parte vocal e, quando assim o julgava necessário, outras partes instrumentais geralmente criadas e tocadas por ele com instrumentos que não faziam parte dos que o resto do grupo dominava: harmónica, piano, pandeiro, replicações de vocalizações e de instrumentos, etc.
O álbum atingirá um #7 nas tabelas nacionais e um (quase fenómeno!) #41 nas tabelas de Rhythm’n’Blues da Billboard, esse espelho do mercado discográfico afro-americano, mas nada para estranhar: dois anos mais tarde, Ike & Tina Turner dar-lhes-ão uma nova versão de Proud Mary, numa inversão do habitual esquema dos intérpretes brancos fazerem covers das canções de intérpretes negros.
Good Golly Miss Molly, de Little Richard para quem não o sabe, bem poderia passar por ser também, como o resto do material, da autoria de John Fogerty de tão pessoal que é a sua interpretação da mesma. Ao longo dos trinta e quatro minutos (e mais uma dezena de segundos...) que duram as suas sete fachas, John, que raramente terá passado além fronteiras da Bay Area, constrói histórias sobre o universo crioulo do “grande rio” como se nunca tivesse conhecido outro horizonte. Da conversa de pai para filho que, imagino-a com ele sentado num caixote de madeira de bourbon whiskey, algures em terra firme mas rodeada por pântanos de águas verdes aonde caem as lianas das árvores, em Born On The Bayou (Now, when I was just a little boy/ Standing to my Daddy's knee/ My poppa said, Son, don't let the man get you/ Do what he done to me), passando em Bootleg à glorificação da condição natural de fora-da-lei das suas gentes (Take you a glass of water/ Make it against the law, e mais adiante Suzy maybe give you some cherry pie/But Lord, that ain't no fun/ Better you grab it when she ain't looking/ 'Cause you know you'd rather have it on the run), para terminar com o apelo a que todos tenhamos bons momentos, em Keep On Chooglin' (Maybe you don't understand it/ But if you're a natural man/ You got to ball and have a good time/ And that's what I call choogling), há em andamento uma construção desse mítico território bayou, mas a pérola aqui é, sem qualquer margem para dúvidas, Proud Mary (Cleaned a lot of plates in Memphis/ Pumped a lot of pane down in New Orleans/ But I never saw the good side of the city/ Until I hitched a ride on a river boat queen) que, segundo John Fogerty, terá sido escrita «imediatamente depois de ter lido o aviso de que tinha sido dispensado dos reservistas do exército.»(6)
«Eu vou dizer-te como é que surgiu “Born on the Bayou”
Éramos o sétimo acto no Avalon [em São Francisco]
Tivémos o último teste de som, e eu comecei a tocar um
acorde E7 (...). Um gajo do palco disse-nos para
pararmos com isso, do género “De qualquer modo vocês
não vão a lugar nenhum.” Lembro-me de lhe ter dito,
“Dá-me um ano, Buster, e eu mostrar-te-ei.” Eu tinha o
riff e a atitude na cabeça, e às 2 da manhã nasceu “Born
on the Bayou”.» – John Fogerty(7)
«No momento em que cheguei a “rolling, rolling, rolling
on the river” eu sabia que tinha escrito a minha melhor
canção. Vibrava dentro de mim. Quando a ensaiámos, eu
senti-me como Cole Porter.» – John Fogerty(8)
«A canção é sugestiva em ar fresco e liberdade, e evoca o
grande céu do poderoso Mississippi, mesmo sabendo que
Fogerty nunca o tenha visto! Seguindo o seu nariz de
compositor, ele começou a escrever na veia do que mais
tarde viria a ser chamado de “swamp rock”, que incluía
histórias e imagens da América rural, em especial do Sul.
As suas melhores músicas combinam a simplicidade do
sólido estilo pop do rockabilly com os blues do Delta, uma
pitada de country e outra de r&b. (...) Com a articulação
dum Negro Sulista, mestre de blues, ele diz, “wolkin’ for
the main”, “big wheel keep on toirnin’, praod Mara keep
on boirnin.”» – Wayne Wadhams(9)
«Fogerty consegue-o (...), porque se saiu com um riff e
um ritmo que rolam tão poderosos em si, quanto o
Mississipi. A abundância de enchente da guitarra (ritmo)
e da bateria, a força da linha do baixo e a fluidez da
guitarra solo justifica cada afectação vocal e lírica. No
final, a história parece natural e eterna, o que talvez
signifique que, apesar de tudo, essas estudadas qualidades
não são apenas afectações.» – Dave Marsh(10)
A ride on a river boat queen…
A Fantasy, de todo um leque de hipóteses e confirmando a sua característica quase amadora («nós estamos na etiqueta mais pequena do mundo. Não há dinheiro por detrás de nós, nós nem temos agente, nem relações públicas. Nós, basicamente, não temos nenhuma das habituais máquinas de fazer estrelas»(11)), acabará por apenas fazer sair um 45rpm com as melhores canções – e quase únicas razões para a compra – do álbum, Proud Mary/Born On The Bayou que, evidentemente, conseguirá subir até ao #2 na tabela nacional de singles, a Billboard Hot 100.
Green River
Em Março, aproveitando a espiral alucinante de criatividade de John Fogerty, que Stu Cook descreveria como «um medo quase mórbido de estar fora das tabelas»(12), o grupo regressa aos estúdios para gravar o seu terceiro álbum: Green River. Mesmo antes de ele ser disponibilizado ao público, em Abril sai o single Bad Moon Rising/Lodi que viria a atingir o #2 da tabela nacional e em Julho, Green River/Commotion que, tal como o anterior, chegaria ao #2 e que assim se tornam automaticamente nos clássicos do álbum. Quando um mês depois, o LP é posto à venda poder-se-ia pensar que pouco de realmente essencial haveria para motivar a sua aquisição mas, por mim que considero este álbum o melhor de todos os que os CCR fizeram, tirando a última música do álbum, Night Time Is The Right Time, uma cover de um blues que raia o medíocre, o resto está uns bons pontos acima do que considero como bom material, inclusive aquele que por muitos é dado como o pior tema do álbum: Sinister Purpose.
Claro que há várias maneiras de encarar a música dos CCR – não ligar à letra é a maneira mais simples de os reduzir ao seu papel de “banda de dança” que eram mas não só... Quando John Fogerty escreve versos como Did you see the last war?/ Well, here I am again ou I can set you free/ Make you rich and wise, como fez em Sinister Purpose, até podemos embrutecer os ouvidos e a imaginação mas eles, os versos, estão lá e mesmo a nível da composição musical, acho que é das tentativas mais interessantes do grupo para, neste período, se afastar da sua própria norma o que é, ou deveria ser, de incentivar. Tombstone Shadow que, como a anterior, ou I Put A Spell On You do primeiro álbum, ou Graveyard Train do segundo, ou mesmo Bad Moon Rising, aqui neste, está associada a essa temática do “sobrenatural”, um tema tão normal na cultura bayou, e não deixa de, tal como Sinister Purpose, ter de ser lida nas entrelinhas e no contexto de toda a lírica de Fogerty expressa neste álbum: quando ele canta Ev'ry time I get some good news, Ooh/ There's a shadow on my back e Don't you do no trav'ling/ Fly in no machines, para além da incrível guitarra (em duplicado? Triplicado?) sempre presente, porque não o enquadrar com o que ele diz em Wrote A Song For Everyone (Met myself a comin' county welfare line/ I was feelin' strung out, hung out on the line/ Saw myself a goin', down to war in June/ All I want, all I want is to write myself a tune) ou em Bad Moon Rising (Hope you got your things together/ Hope you are quite prepared to die)? Claro, pelo menos para mim, que ele não fala do “halloween”…
Em Janeiro de 1969, Richard Nixon jurara sobre a Bíblia como trigésimo sétimo presidente dos EUA, depois de ter derrotado o candidato Democrata Hubert Humphrey que só tinha sido candidato porque o senador Robert F. Kennedy fora assassinado, e o independente (e preferido pela Contracultura) George Wallace. Nixon que tinha um passado “sujo” (desde a sua participação no abjecto Comité de Actividades Anti-Americanas) ganhara com a proposta de internamente restaurar a “ordem” (numa mistura alucinante de elevadas taxas de criminalidade com não menores números de manifestações pacifistas) e de na Indochina conseguir uma “paz com honra”. Ninguém esperava o que viria a acontecer mas sabia-se de antemão que a “solução” eleitoral, Nixon como presidente, tinha sido a pior das soluções.
Green River é um verdadeiro manifesto anti-Nixon e nisso é um reflexo do seu tempo. A escrita, quer em música, quer em palavra, é um exemplo extraordinária da concisão a que a criatividade de John chegara – em pouco mais de vinte e nove minutos produzidos e arranjados por ele, aonde o supérfluo foi eliminado, está lá todo o “discurso” blue-collar anti-Nixon. Green River, a canção, com a sua mensagem pseudo-idílica (Well, take me back down where cool water flows, yeah/Let me remenber the things I don't know ou Barefoot girls dancing in the moonlight e Said, You're gonna find the world is smould'ring/ And if you get lost come on home to Green River) pode (tentar) situar-nos nos pântanos “paradisíacos” da Louisiana mas a mensagem é nacional – Commotion (Talk up in the White House, talk up to your door/ So much going on I just can't hear) ou Cross-Tie Walker (I pulled out from the platform, nobody raised a hand/ And there were no tears of regret from my runaway train), assim o indica. Um álbum extraordinário demais para uma “banda de dança” e a crítica especializada rende-se, renitente, a isso.
Habitantes do Bayou Country
«Quando ouvi pela primeira vez os acordes iniciais de “Green
River” pensei “ó merda, outra canção bayou dos Creedence!”
mas a qualidade da guitarra de John Fogerty levou-me a
continuar (...) Com um fino senso de economia, ele retrata uma
paisagem Americana que é de algum modo mais velha e mais
nova do que a descrição do rock clássico da América de Chuck
Berry (...) eles estão a criar o mais vivo rock Americano
desde Music From Big Pink.» – Bruce Miroff(13)
«Isso é outro tipo de coisa da época, mas nessa música [Bad
Moon Rising], eu estava apensa a pensar em termos de natural
e sobrenatural. Ela foi inspirada por um filme antigo que vi
chamado The Devil And Daniel Webster, aonde o personagem
principal depois de prometer a sua alma ao diabo, beneficia de
muitas coisas – incluindo sobreviver a uma enorme tempestade
que deixou de pé a sua plantação de milho, enquanto a do seu
vizinho era arrasada. Na altura só pensei: “Uau, isso é
assustador.”» – John Fogerty(14)
«Em Green River, Fogerty aperfeiçoou o som “assustador”
que invocava o sombrio bayou como uma metáfora para
o que estava a acontecer na América de Richard Nixon,
um lugar aonde ia sendo difícil dizer a diferença entre a
paranóia e o senso comum. Soando como algo vindo dos
profetas do Antigo Testamento, as imagens poéticas de
Fogherty conseguem um poder semelhante ao dos blues do
Delta de Robert Johnson. Quando os Creedence cantavam
sobre aquela “bad moon rising”, isso significava uma coisa
para a soldadesca no Delta do Mekong e uma outra coisa
para a multidão que no Denver Pop Festival tinha sido
atingida por gás três vezes antes da actuação final dos CCR.
Ninguém que escutava “Sinister Purpose” ou “Commotion”
em 1970, tinha qualquer problema em encontrar um ponto
de referência.» – Craig Werner(15)
(Continua)
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